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Lista: As 50 Melhores Músicas de 2014 [20-11]

20. Tune-Yards – Water Fountain

O ritmo, as referências e, principalmente, a criatividade de Merrill Garbus se encontram em seu ponto máximo na seminal “Water Fountain”, a amostra perfeita de toda a esquisitice (ou seria genialidade?) que engloba o projeto Tune-Yards… Impossível dizer o que é melhor: a espetacular percussão, as vozes perfeitamente encaixadas, a matadora linha de baixo ou as grandes variações. Tudo, no fim, acaba criando um número especialmente único.

19. Iceage – The Lord’s Favorite

A insanidade por trás da banda Iceage fica clara quando Elias Bender Rønnenfelt configura-se, em “The Lord’s Favorite”, em uma espécie de semi-deus pronto para aproveitar todos os pecados mundanos relativos principalmente à luxúria. Mas é a inteligência da canção que acaba marcando: diferente, até certo ponto desconexa com tudo o que o grupo havia feito até então. “The Lord’s Favorite” joga um inédito e excitante conjunto de referências sonoras ao post-punk, construindo um turbilhão sonoro que, além de impressionar, cheira a todo instante a novidade… Mesmo que se aproveite, no fim das contas, das mais antigas ideias. Uma canção, enfim, memorável.

18. Ex Hex – Don’t Wanna Lose

Reconfigurando um som que é basicamente gêmeo da música pop, as garotas da banda Ex Hex acabaram produzindo, quase sem querer, um dos maiores encontros do ano entre guitarras e melodia. “Don’t Wanna Lose” é uma canção simples, curta e direta, mas crava sua marca significando praticamente a perfeição em uma canção de power-pop: nervosa, dançante, caliente e impregnante.

17. St. Vincent – Digital Witness

Todo o estranho jogo proposto pela música de St. Vincent encontra conforto estético na explosão pop de “Digital Witness”. Bebendo, como sempre, do mais efervescente líquido da vanguarda musical dos anos setenta, fazendo do androgenismo experimentado por grandes nomes do passado, como David Bowie e Talking Heads, o seu grande dogma, Annie Clark acaba criando para si um universo particular, em que tudo acaba girando em torno de sua instigante persona.

16. S. Carey – Crown the Pines

Companheiro de Justin Vernon no projeto Bon Iver, S. Carey faz de sua carreira solo a perfeita extensão do trabalho de seu mais famoso companheiro. Em “Crown the Pines”, a música folk, sempre tão agarrada às raízes, acaba por percorrer novos caminhos em um claro sentido de reinvenção. Na canção, em meio a uma carregada base sentimental, uma explosão harmônica faz com que os Beach Boys encontrem o Coldplay, para depois se fundirem a Bon Iver e tudo se ligar ao Radiohead, criando, no fim, uma mágica canção.

15. Carne Doce – Sertão Urbano

Condomínios que oferecem o prazer maior dentro da cidade, o mato significando o progresso… Para o grupo Carne Doce, a natureza é o ponto de partida para uma canção que poderia até se tornar um hino para os ativistas do Greenpeace, uma grande discussão do boom urbano em detrimento do mato, mas que, na realidade, congrega em apenas uma canção toda a excitante mistura tropical proposta pelo conjunto – uma das grandes revelações de 2014.

14. Beck – Waking Light 

Uma das figuras mais mutáveis (e geniais) da música mundial, o californiano Beck voltou nesse ano com tudo à produção de estúdio. A melhor página desse novo capítulo da carreira do músico está em “Morning Phase”, que acompanha o teor acústico e orquestrado do clássico “Sea Change”, porém  com sentimentos de calmaria e contemplação. Faixa final do disco, “Waking Light” é um tratado melancólico e harmônico, representando a concepção sonora perfeita para o amanhecer.

13. Sharon Van Etten – Your Love Is Killing Me

“We Are There” marca a evolução definitiva de Sharon Van Etten… A belíssima “Your Love is Killing Me”, certamente uma das melhores canções desse ano, é apenas uma das provas do gigante talento da compositora nova-iorquina. Naturalmente sofrida, inserida em uma melodia fantástica e em um melodrama capaz de derrubar o maior dos machões, a canção contém uma das mais impressionantes explosões de sentimentos já ouvidas na música popular. Sem dúvida, um número primoroso.

12. Kendrick Lamar – i

Pra variar, Kendrick Lamar está de parabéns. Apresentando uma canção alegre, suave e positiva, o músico mostra que seu poderio pode ser infinito, até mesmo se colocando distante do teor pesado e político da obra-prima “good kid, m.A.A.d city”. “i” é uma música dançante que trata basicamente sobre paz, escancarando mais uma vez a sinceridade e a humanidade presentes na música de Lamar.

11. Os Irmãos Carrilho – Ela Quer te Ver

Os Irmãos Carrilho, dupla formada pelos curitibanos Alexandre Provensi e Matheus Godoy, se comporta como um dos projetos mais sinceros da atualidade. Afinal, quantos são os jovens brasileiros interessados em reviver de forma sincera a música de raiz? Se inspirando em antiguidades, eles fazem de “Ela Quer te Ver” um dos números mais belos e sensíveis de 2014, com seu romantismo puro e harmônico. Um verdadeiro deleite para os ouvidos.

Lista: As 50 Melhores Músicas de 2014 [30-21]

30. Vince Staples – Blue Suede

Você pode até dizer que “Blue Suede” é apenas mais uma ótima produção, que suas batidas são incríveis e que a música se resume basicamente a isso… Tudo isso, é claro, se as rimas de Vince Staples não forem levadas em consideração. Se a produção é ótima (digna de Madlib), a performance do rapper é ainda melhor. Suas rimas são cruas, e verdadeiras: nelas, Staples trata da mortalidade da forma como ela é, sem grandes firulas. O ser humano é frágil, e nasce para um dia morrer: e, geralmente, nunca da forma desejada. É nada mais do que a realidade… “Jovens sepulturas obtém os buquês”, brada o rapper.

29. Nação Zumbi – Cicatriz

Uma filosofia relativamente barata diz que um grande guerreiro é reconhecido pela quantidade de cicatrizes que tem no corpo… E é exatamente essa mensagem que a Nação Zumbi quer passar em “Cicatriz”, canção que facilmente se insere entre as melhores do experiente grupo. Segundo Du Peixe e sua trupe, as marcas de guerra não precisam ser escondidas, e sim expostas: troféus de batalhas vencidas. A fraqueza humana se transformando em poder.

28. Ty Segall – The Singer

Para Ty Segall, 2014 será sempre considerado o ano de sua evolução definitiva. Íntimo das mais diversas nuances do rock, o músico, em “The Singer”, se vê à vontade para percorrer os dogmas do estilo em vias de reinvenção. Para isso, utiliza o psicodelismo para passear nos anos setenta, jogando um pouco de purpurina na guitarra através de uma breve brincadeira com o glam, e trazendo tudo para os tempos atuais – criando um número que, ao mesmo tempo, é clássico e atual. “The Singer”, assim como o rock clássico, é simples e direta, além de forte e arrebatadora. Uma canção com aquele espírito que muitos desinformados pensam que já morreu.

27. How to Dress Well – Words I Don’t Remember

Através de seu projeto How to Dress Well, Tom Krell reinventa a música pop com uma grande condensação de gêneros e referências. Provas? Apesar do disco “What Is this Heart?” ser imperdível, uma de suas faixas, “Words I Don’t Remember”, já é capaz de oferecer aos ouvintes uma ótima amostra dos poderes do músico. Sensível, atraente e naturalmente progressista, a canção se espalha em pouco mais de seis minutos de puro brilhantismo sonoro e lírico.

26. ruído/mm – Requiem for a Western Manga

A banda curitibana ruído/mm tem o dom de contas histórias mesmo sem utilizar nenhuma palavra… E isso acabou fazendo do fantástico “Rasura” um dos melhores discos de 2014. Terras distantes, heróis destemidos, discos voadores e grandes batalhas se espalham por números instrumentais primorosos, dos quais “Requiem for a Western Manga” é um destaque. Uma verdadeira epopeia, a canção faz com que o ouvinte experimente dez minutos de uma grande aventura, digna de uma superprodução de Hollywood, com Clint Eastwood no elenco e tudo mais.

25. Romulo Fróes e Juçara Marçal – Espera

A poesia de Romulo Fróes é reconhecidamente torta, “difícil” para os ouvidos acostumados com a música que se toca nas rádios… Mas em “Espera”, parceria do músico com Juçara Marçal, Fróes se abre para um novo público. Apesar de liricamente complexa, mantendo os tradicionais flertes do músico com versos curtos e de aparência desconexa, a canção se mostra extremamente fluida, deliciosa e descomplicada – mesmo fazendo parte do pesado “Barulho Feio”, o último e mais profundo lançamento do compositor. Na música, tudo se casa perfeitamente: as vozes de Romulo e Juçara se fundem em total harmonia com o ritmo acústico que, por sua vez, une-se com os ruídos da cidade de São Paulo de forma até mesmo natural. Um grande conjunto de nuances, alocadas em menos de dois minutos de impecável canção.

24. Ghostface Killah & BadBadNotGood ft. Danny Brown – Six Degrees

Além de reunir Ghostface Killah e Danny Brown, dois dos grandes rappers da atualidade, a canção “Six Degrees” traz na produção os canadenses do BadBadNotGood, verdadeiros monstros do hip-hop com suas passagens pelo jazz e pelo fusion. O resultado? Só poderia ser fantástico… Uma das melhores músicas do ano, uma mostra perfeita de que as mais diferentes vertentes nunca haviam se fundido em tamanha proporção quanto no ano que se finda. Ilimitada, cheirando a novidade, “Six Degrees” parece trazer consigo o conceito a ser seguido pelas grandes obras do hip-hop nos próximos anos.

23. Perfume Genius – Fool

Ah, as emoções… Volta e meia elas têm permeado essa lista, nos mostrando que, mesmo no mundo pós-moderno, a música continua a serviço dos mais puros e honestos anseios do ser humano. Em 2014, poucos artistas conseguiram escancarar sentimentos de forma tão certeira quanto Mike Hadreas em seu projeto autoral Perfume Genius. “Fool”, além de nos presentear com um conjunto harmônico complexo, nos surpreendendo com suas variações inesperadas, apresenta uma gigantesca amplitude de emoções, permeados pela performance vocal teatral de Hadreas.

22. Run the Jewels ft. Zack De La Rocha – Close Your Eyes (And Count to Fuck)

O novo dueto entre os rappers El-P e Killer Mike, apresentado no segundo disco do Run the Jewels mostra, nada mais nada menos, do que o colosso do hip-hop em 2014. Resultado obtido através de rimas incendiárias e uma produção arrebatadora, o registro marca uma das melhores colaborações da história do rap, que pode ser resumida através da intensidade de “Close Your Eyes (And Count to Fuck)”.

21. Juçara Marçal – Velho Amarelo

“Velho Amarelo”, a primeira faixa de “Encarnado”, trabalha para alocar Juçara Marçal em um palco do qual o espectador não desviará os olhos. A canção, composta por Rodrigo Campos, se comporta como uma apresentação perfeita do conceito da trabalho, delineando os rumos instrumentais e líricos que o embalarão em sua totalidade… Se é certo que vamos morrer, por que não podemos escolher onde e como?

Lista: As 50 Melhores Músicas de 2014 [40-31]

40. Merchandise – Green Lady

Apesar dos grandes avanços tecnológicos, o toque humano continua a ser imprescindível. A sensibilidade ainda é necessária. Em “Green Lady”, a banda Merchandise mostra que, mesmo brincando com os anos oitenta (em uma estrutura sonora que pode até lembrar alguns trabalhos do Talk Talk), entende os dias atuais como poucas. Tudo na canção é cuidadosamente alocado, criando um conjunto adorável que só existe porque todos os seus elementos estão lá em perfeita harmonia: retire a guitarra ou o vocal da canção, por exemplo, e verá que o que era completo desmoronou. “Green Lady” é o que pode se chamar de música perfeitamente bela.

39. Röyksopp & Robyn – Do It Again

A força do dance-pop europeu – mais precisamente, o nórdico – está longe de desaparecer. E quem está aqui para provar isso é a dupla de produtores Röyksopp e a veterana Robyn, com “Do It Again”, a grande música eletrônica de 2014. Uma canção energética ao extremo, hipnotizadamente dançante, que inspira. Uma pedida perfeita para ouvir logo depois de acordar, começando o dia com tudo.

38. Drake – How Bout Now

Drake é um daqueles caras que nunca vão ser unanimidade… Após um 2013 glorioso, em que lançou o seu o melhor trabalho (e um dos melhores discos do ano), lá vem 2014 e a infeliz parceria com Nick Minaj na tenebrosa “Anaconda”. Seria o fim de Drake? Minaj teria arquitetado a lápide do famoso rapper canadense? Felizmente, o cara mostra que há vida após “Anaconda”: “How Bout Now” mostra uma faceta que muitos ouvintes de Drake ainda não conheciam; uma concepção, digamos, mais “experimental”. “How Bout Now” é um número fluido, até certo ponto disforme, alocando o rapper em um cenário bem mais minimalista que o habitual. Experimental e surpreendente, esse é o Drake que queremos.

37. Azealia Banks – Chasing Time

Toda a genialidade de Azealia Banks como rapper e toda a qualidade da produção que há por trás dela mostram-se em primor em “Chasing Time”, um dos fortes números de “Broke With Expensive Taste” – o disco eternamente adiado que viu finalmente a luz do dia no segundo semestre desse ano. Sempre provocante e irônica, Banks mergulha em uma base sonora riquíssima, sendo impossível sequer apontar todos os gêneros que a canção possui. Além de tudo, temos a oportunidade de descobrir as qualidades de Azealia Banks como… cantora! Sensacional.

36. Hundred Waters – Murmurs

O trabalho da banda Hundred Waters pode ser comparado ao de um artista plástico: bordar cenários (abstratos ou não) para escancarar sentimentos. Daria para dizer, além disso, que o grupo seria um daqueles pintores sensíveis, que empunham o pincel com a maior sutileza do mundo. Afinal, a música da banda é muitas vezes quieta, quase invisível… Portanto, seu trunfo acaba ficando nos detalhes. Com ouvidos atentos, o público pode saborear toda a profunda beleza de “Murmurs”, uma canção que parece resumir toda a dimensão sonora do Hundred Waters em poucos minutos. Uma canção sublime.

35. The War on Drugs – Red Eyes

O teor sentimental de “Lost in Dream”, até agora o grande trunfo da carreira da Adam Granofsky, pegou muita gente de surpresa. Distante do teor psicodélico da música do ex-colega Kurt Vile, o músico acabou criando, mesmo enraizando-se na música folk, um grande disco pop, repleto de verdadeiros hinos emotivos. E o mais brilhante deles certamente é “Red Eyes”, uma canção que sai do sofrimento, do choro, para também mostrar a vitória… Afinal, a vida de ninguém é feita somente de derrotas, certo? Para acompanhar, um instrumental memorável, que nos fará recordar de sua melodia por muito tempo.

34. FKA twigs – Two Weeks

As velhas heranças do R&B são tratadas por FKA twigs com um olhar constantemente voltado para o futuro. Em sua nova faixa, “Two Weeks”, a música negra encontra o future garage, e os vocais cheios de personalidade se derramam em arranjos etéreos… Tudo, no fim, construindo um teor atmosférico: uma impressionante produção. O remodelamento do passado para construir a música dos dias que ainda estão por vir: esse é, no fundo, o ciclo natural da passagem do tempo na arte.

33. Mac DeMarco – Brother

Mac DeMarco é insano, doidão mesmo. Por isso, é impressionante o controle de seus instintos no calmo “Salad Days”, seu último disco – e especialmente em “Brother”, a melhor das faixas. Melancólica, mesmo sem ser triste, a canção se comporta como o magnum opus de DeMarco como compositor, mostrando que há, no fundo, grande sensibilidade por trás de sua loucura.

32. Ariana Grande feat. Iggy Azalea – Problem

Ariana Grande é um daqueles produtos óbvios da música pop dos Estados Unidos: depois de estrelar um seriado teen, parte para um trabalho fonográfico pop e altamente radiofônico, contando com o apoio de uma grande gravadora, com produtores renomados e muito dinheiro a ser investido. Surpreende, porém, que mesmo em meio a tantas obviedades, a jovem consegue ser um ponto fora dessa curva em que estão estacionadas cantoras como Selena Gomez e Miley Cyrus. Ariana faz diferente; sua música é grudenta, tocará muito nas rádios ao redor do mundo, mas não deixa de flertar com elementos ricos… Em “Problem”, canção que conta com a participação da rapper Iggy Azalea, o apelo pop se encontra com um fantástico loop de saxofone, dando um brilho a mais aos vocais plásticos e às excitantes batidas sintéticas. Enfim, um primor em produção.

31. Jack White – Lazaretto

Uma música pode resumir toda a carreira de um músico consagrado? Segundo “Lazaretto”, a canção, sim: afinal, nenhuma canção de Jack White é tão completa quanto esta em questão: há country, blues, rock e indie, além de uma explosão energética, e tudo em número curto e grosso, com menos de quatro minutos de duração. Se “Lazaretto”, o disco, não foi tão bom quanto esperávamos, sua faixa-título não deixa de ser excepcional: uma das melhores músicas de 2014.

Lista: As 50 Melhores Músicas de 2014 [50-41]

50. Nessas Horas – Transmissor

A visível evolução da banda mineira Transmissor ficou evidente em “De Lá Não Ando Só”, o grande lançamento do pop-rock nacional em 2014. E a sexta faixa do disco, “Nessas Horas”, certamente é a canção que melhor agrega as novas possibilidades sonoras do grupo: mergulhada em uma melodia insuperável, a música se insere de corpo e alma em um terreno melancólico (e extremamente belo), em que a alta qualidade dos versos acaba esbarrando em harmonia com impecáveis arranjos… Lenta, “Nessas Horas” é obscura, lamentosa, além de especialmente combativa, inserindo ruídos de guitarra em uma estrutura confortável.

49. Fruta Elétrica – Carne Doce

Impossível passar imune pelo arrebatador “rock com pequi” do grupo goiano Carne Doce, uma das grandes revelações desse ano. Dentro de psicodélico e extremamente brasileiro debut da banda, “Fruta Elétrica” é aquela explosão de ritmo, uma verdadeira ode à face alegre e dançante da música tupiniquim. Tanto as linhas de baixo e bateria quanto os riffs de guitarra escancaram o lado mais “manguebeat” da banda, com a vocalista Salma Jô cantando sobre uma fruta deliciosa e perigosa, mas que todos acabam ficando com desejo de provar.

48. Tinashe feat. Devonté Hynes – Bet

Se não bastasse FKA Twigs para provar que o R&B está vivendo uma de suas maiores (e melhores) transformações em sua história, Tinashe surge para esquentar ainda mais o clima de “renovação”. Camadas sobre inúmeras camadas, climatizações explodindo em nossos ouvidos e moderníssimos efeitos eletrônicos formam a base de “Bet”, que ainda apresenta formidável melodia, uma performance vocal respeitável e um ótimo solo de guitarra criado por Dev Hynes, músico responsável pelo projeto Blood Orange. Não é à toa que a canção, faixa do disco “Aquarius”, dá as caras nessa lista.

47. David Bowie – ‘Tis a Pity She Was a Whore

“‘Tis a Pity She Was a Whore” é simplesmente a melhor música do Camaleão nos últimos anos. Sim, senhores: por melhor que tenha sido “The Next Day”, nenhuma faixa do aclamado disco chega aos pés desta que é apresentada no player abaixo. Nela, o veterano canta versos tristes no fundo de um sampler caseiro e futurístico, amplificando sua faceta mais experimental. Incrível como Bowie consegue expandir cada vez mais suas possibilidades.

46. White Lung – Drown With the Monster

Intensidade. Essa é a palavra-chave de “Drown With the Monster”. Nessa canção, a banda canadense faz das suas, aumentando tanto volume quanto velocidade ao máximo para plantar um número que, além de instrumentalmente picante, é liricamente crítico. E tudo isso, no fim das contas, sem que saibamos se o que toca é punk, metal ou indie. Na verdade, o chute mais próximo é de que se trata de uma grande mistura desses três rótulos. Um número diferente e impecável, que se reproduz em outras canções no ótimo disco “Deep Fantasy”.

45. Parquet Courts – Sunbathing Animal

“Sunbathing Animal” é nada mais do que uma grande explosão de energia de uma das mais insanas bandas da atualidade. Uma canção de absurda velocidade, em que instrumentos e vocal trabalham para um único fim: a criação de um número curto e grosso, que em seus primeiros segundos já é capaz de passar o recado ao ouvinte: não são necessários muitos acordes para se construir uma verdadeira muralha sonora.

44. Taylor Swift – Out of the Woods

Quando saiu a notícia de que Taylor Swift abraçaria de uma vez por todas a música pop, dando adeus àquela tímida garotinha country, certamente muitos torceram o nariz. Por mais que esse processo tenha se iniciado em 2012, com o lançamento do disco “Red”, foi nesse ano que Swift se tornou, finalmente, a musa pop que vinha ensaiando ser. Pois o resultado surpreendeu: não tanto pelas vendas, pois ninguém esperava que “1989” patinaria nas prateleiras. O que realmente surpreendeu foi a qualidade sonora, claramente acima da média para o pop atual.  E isso “Out of the Woods” mostra muito bem: moderna, incrivelmente bem produzida, a canção traz em uma estonteante linha de bateria a base necessária para Swift mostrar que aquela menininha de outrora hoje é uma artista completa.

43. Sun Kil Moon – Carissa

“Carissa” é a primeira faixa do “disco-livro-filme” chamado “Benji”, a maior obra até hoje de Mark Kozelek como contador de histórias. Mais do que um simples conjunto de faixas, “Benji” faz com que o ouvinte se descole daquela ideia inicial de “ouvir música” para se impregnar nos interessantes, tristes e sensíveis causos do músico. Em “Carissa”, o compositor nos conta sobre uma tragédia que ocorrera na família, trilhando um número incrivelmente humano e sincero sobre chegadas e partidas.

42. St. Vincent – Prince Johnny

Embora Annie Clark seja conhecida pela forma única com que faz sua guitarra produzir sons inimagináveis, em “Prince Johnny”, uma das melhores músicas de sua carreira, o cenário é basicamente atmosférico, sem aquelas tradicionais mudanças bruscas. A base da canção é dura como rocha, mas nada impede que, nela, St. Vincent demonstre toda sua fraqueza como personagem em um grande conflito de sentimentos… Um número direto, sem excentricidades, que acaba escancarando o lado mais humano da musicista.

41. Swans – Oxygen

Arrastada, tortuosa, intrigante, “Oxygen” é o ápice energético de “To Be Kind”, o fantástico disco que o Swans lançou em 2014. Composta por Michael Gira logo após uma grave crise de asma, essa incrível canção “revela” a importância de estar respirando, de poder sentir seu coração batendo… É raro pararmos para pensar na importância disso, mas os gritos do vocalista a clamar por oxigênio fazem com que a gente imagine a angústia de uma pessoa que está com dificuldades de respirar. Mas, no fim, o que acaba marcando não é o conceito angustiante da faixa, mas sim a louca viagem sonora que ela nos oferece.

Lista: Os 30 Melhores Álbuns Nacionais de 2013 [10-01]

Os 30 Melhores Álbuns Nacionais de 2013

[30-21] [20-11] [10-01]

Museu de Arte Moderna10. Museu de Arte Moderna – Bonifrate

Gênero: Folk Psicodélico

O psicodelismo sempre encontrou uma boa morada nas mãos de Marcelo Bonifrate. Adepto das viagens coloridas, o líder do Supercordas faz de sua carreira solo uma extensão dos experimentos de sua banda, encarando, em cada passeio sonoro, as mais fantásticas concepções. Em seu mais novo disco, “Museu de Arte Moderna”, Bonifrate continua a vagar pelas vias lisérgicas, mas encarando, em cada canção, um significado de novidade… É como se o músico, sentindo-se com totais condições de evoluir, topasse rumar por novos caminhos.

Ao mesmo tempo em que brinca com velharias, “Museu de Arte Moderna”, como seu próprio título pode transparecer, abraça novas concepções. Indo além do folk psicodélico de outrora, Bonifrate abraça diversas vertentes, brinca de Bob Marley e tromba com os australianos do Tame Impala. Mesmo que a estética Lo-Fi ainda se mostre presente, o músico se mostra aberto a novas concepções, fazendo de seu novo trabalho um claro exercício de superação.

Até mesmo as atmosferas hipnotizantes alcançam novos níveis. Surpreendendo o ouvinte a cada faixa, “Museu de Arte Moderna” faz os cenários campestres em que Bonifrate costumava caminhar se transformarem em centros urbanos. Embora as aventuras do músico continuem chapadas, agora elas se concentram em ruas rodeadas por muros e paredes. Afinal, o folk também pode ser urbano, e a música inspirada no velho cancioneiro não precisa se prender aos pastos e plantações.

Solana09. Veneza – Solana

Gênero: Indie Rock

Um sentimento de dualidade envolve o terceiro álbum da banda Solana. Ainda que represente o ápice artístico do grupo capixaba, “Veneza” marca a saída do vocalista Juliano Gauche, que decidiu investir em sua carreira solo. Saindo do Espírito Santo e estabelecendo-se na capital paulista, Gauche acabou se aproximando de Tatá Aeroplano (que se tornou o seu produtor artístico), Peri Pane e Junior Boca. O processo de gravação de “Veneza” foi complicado, durou cinco anos e alguns até duvidaram que, algum dia, o disco seria lançado… Gauche sentiu que não conseguiu levar a banda até onde gostaria, e a melancolia poderia abater as águas de “Veneza”.

Mas, felizmente, não é isso o que acontece. O clima de despedida de Gauche pode até ser sentido, mas ao abrir espaço para o senso composicional de todos os integrantes, o álbum abre-se a uma fluidez que só pode caracterizar o auge do conjunto. Entrosados, os músicos experimentam novos caminhos, brincam com sua própria essência, aproximam a grande distância que havia entre os dois discos anteriores e enfrentam os novos rumos da música brasileira. Entendem que o conterrâneo Silva está ditando as regras, e que o indie rock se transformou. Ainda que o Solana continue renovando velharias, o que “Veneza” apresenta é um constante sentimento de que tudo gira em torno de novidades. Se o registro demorou cinco anos para ser finalizado, esses últimos anos parecem ter sido convertidos na nova música do Solana.

Cavalo08. Cavalo – Rodrigo Amarante

Gênero: MPB

Depois de marcar época no Los Hermanos, flertar com o samba na Orquestra Imperial e excursionar pelo mundo com o Little Joy, Rodrigo Amarante finalmente nos apresenta o seu primeiro e tão aguardado trabalho solo. Resultado natural do que o músico vem desenvolvendo nos últimos anos, “Cavalo” aconchega onze belas composições em um ambiente especialmente intimista, tímido apesar da grande bagagem musical que o constrói. De olhos atentos ao que acontece lá fora e aqui no Brasil, Amarante sente-se à vontade para explorar os novos rumos da música alternativa, mas sem se esquecer das velharias que vem acompanhando a sua carreira há algum tempo: existem, durante o disco, pequenos toques de samba, bossa-nova e até mesmo do quase esquecido indie rock, mas tudo devidamente alocado em um cenário que acrescenta novidade à carreira do compositor.

Produzido por Noah Georgeson (que já trabalhou com Joanna Newsom, Devandra Banhart e com o próprio Amarante no disco do Little Joy), o álbum é guiado por uma estrutura Lo-Fi especialmente atmosférica, bordando texturas e desenhando paisagens através das singelas composições do músico carioca. São onze canções sensíveis, agradáveis, que a todo momento nos remetem à grande capacidade do músico em construir belos ambientes sonoros. Esqueça-se, porém, dos rumos que a música de Amarante tomava na época do Los Hermanos: “Cavalo” não é um disco de rock, sem trazer aqueles números amargos e/ou intrigantes. Uma ruptura já esperada, já anunciada por Marcelo Camelo em seus dois primeiros discos e seguida, de forma natural, por seu antigo companheiro de banda. Pode-se dizer, com isso, que “Cavalo” é o primeiro álbum solo que de Amarante se esperava.

Até porque, se na década passada o músico participou ativamente na construção dos novos rumos da música brasileira, agora ele deseja apenas contemplar os caminhos que ajudou a construir. Antes apegado aos ruídos, aos riffs de guitarra, agora Amarante demonstra estar agarrado em concepções serenas, sutis, amparadas por pequenas seções instrumentais, letras singelas e ambientes suaves. (Leia a resenha completa do disco)

O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui07. O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui – Emicida

Gênero: Hip Hop

Toda a enorme expectativa criada em torno do primeiro álbum “de verdade” de Emicida é atendida com louvor em “O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui”. Apresentando definitivamente o rapper ao grande público, e servindo como uma representação clara do ótimo momento que o hip hop nacional atravessa, o disco, resultado de toda a maturidade alcançada pelo músico ao longo dos últimos anos, acaba se comportando como um clássico imediato: no fim das contas, o que todos esperavam.

Construído sob o conceito do “milionário do sonho”, “O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui” é resultado da união artística de Emicida com a poetisa Eliza Lucinda. Do início ao fim, o disco é a exploração dos sonhos (utópicos ou até mesmo já realizados) de uma pessoa que nasceu na periferia, cresceu órfão de pai e acabou se tornando um dos músicos mais respeitados do Brasil. É o Leandro Roque de Oliveira falando sobre o Emicida, e vice-versa.

De brinde, o rapper expande seu leque de possibilidades. Acompanhando o trabalho de Criolo, Emicida abraça novas vertentes ao flertar com a MPB, com o samba e até com a música pop, esforço que se torna aparente nas participações de Tulipa Ruiz, Quinteto em Preto e Branco e Pitty. Sem medo de experimentar, e alcançando o mesmo teor universal de clássicos contemporâneos como “Nó na Orelha” e “Ainda Bem que Eu Segui as Batidas do Meu Coração”, Emicida se abre a novos públicos mesmo sem abandonar as suas origens… É a necessária faceta aventureira do hip hop atual em uma de suas mais brilhantes concepções. Ninguém pode negar que, nos últimos três anos, o ápice do gênero no Brasil paira sobre nós.

Serviço06. Serviço – Castello Branco

Gênero: MPB

O primeiro disco de Lucas Castello Branco em carreira solo detém um título perfeito: “Serviço”. “Essa foi a palavra que mais ouvi na minha infância”, logo vai entregando o músico no texto que apresenta o álbum em seu site oficial. Criado em um monastério, o compositor mineiro radicado no Rio de Janeiro entrega, agora, a sua nova religião. Não necessariamente um rompimento com o passado, mas uma nova perspectiva sobre as coisas que envolvem o presente. As crenças de Castello Branco são tradicionais, mas ganham um novo significado quando exploradas pelo maior dos dogmas do músico: a sua própria música.

O campo é verde, o céu é azul, as paisagens são puras e nosso personagem ostenta uma barba. Ambientado em um cenário rural, com a estrutura pueril de um velho mosteiro que resiste à passagem do tempo, “Serviço” é, segundo palavras do próprio Castello Branco, a representação mais completa dos sentimentos de quem o compôs. Porém, sem negá-los aos ouvintes, o músico faz de suas ideias um bem universal, palavras oferecidas ao público. Mesmo os sentimentos mais escuros são, no fim, abafados pelo amor, que se torna a palavra-chave para caracterizar as emoções do registro.

Renovando velhos clichês da MPB, passando por Clube da Esquina e Novos Baianos sem soar redundante ou copioso, “Serviço” encontra em aspectos mais clássicos, até certo ponto distantes da “nova música popular brasileira”, a ambientação certeira para seu rumo bucólico, com canções de apelo matinal. Com o auxílio de colaboradores, tudo parece, porém, crescer a certo ponto em que as épocas e seus rótulos não são nada importantes. Para entender o presente, Castello Branco faz do passado o seu futuro, e vice-versa.

Grão05. Grão – Fábrica

Gênero: MPB/Indie Rock

“Grão” é uma espiral de emoções. Sentimentos bem tratados, que refletem em uma sonoridade complexa e atraente, capaz de prender o ouvinte apesar de seu lado introspectivo proeminente. Depois de trilhar um caminho mais coletivo no disco anterior da banda Fábrica, agora, no segundo registro do grupo, Emygdio Costa e seus companheiros decidiram se impregnar nas profundezas da alma do ser humano, transformando mágoas e amarguras em música para nossos ouvidos, e de forma literal. Mergulhado em um conceito experimental, que quebra a barreira dos gêneros ao fundir inúmeras vertentes sonoras, o novo disco do coletivo carioca é um álbum para ser ouvido enquanto se pensa na vida e as lágrimas escorregam no rosto.

De certa forma, ao prender-se a aspectos intimistas, “Grão” apaga todos os erros de seu antecessor. Se afastando da musicalidade óbvia do debut, que se resignava a mesclar samba e rock em um exercício de repetição, o novo álbum busca uma fuga do lugar-comum ao se estabelecer em um cenário genuinamente novo para a chamada “nova MPB”. Utilizando-se de referências pouco lembradas pelos artistas atuais, como Edu Lobo, Dorival Caymmi e Djavan, Emygdio Costa e seu louvável senso composicional partem do onírico rumo a uma dolorida realidade sentimental enquanto mesclam, com louvor, o velho e o novo. Além da forte inspiração em dinossauros da MPB, o grupo carioca não deixa de ser atingido pela música de nomes atuais.

E nessa atualidade, a inspiração mais forte de “Grão” mora em uma adaptação nada copiosa dos mesmos experimentos que vem sendo encabeçados pelos nova-iorquinos do Grizzly Bear… Um jogo atmosférico de sons, condensando camadas enquanto ritmos e melodias são interceptados na procura da mais hipnótica ambientação. Mas se a banda americana construiu sua viagem partindo das raízes folk norte-americanas, a Fábrica não deixou se levar pelas interferências gringas, produzindo um disco que é, acima de tudo, brasileiro. O que é mais tupiniquim, afinal, que o tropical encontro entre as raízes do samba e os acordes praieiros? Mesmo melancólico, e muitas vezes obscuro, “Grão” sabe explorar a natureza e o calor típicos de nosso país… Até porque não é necessário se afundar na neve do hemisfério norte para tratar da tristeza. (Leia a resenha completa do disco)

O Mais Feliz da Vida04. O Mais Feliz da Vida – A Banda Mais Bonita da Cidade

Gênero: Indie Pop

Se A Banda Mais Bonita da Cidade não havia conseguido, em seu primeiro disco, suprir as expectativas do público que havia louvado o famoso vídeo de “Oração”, elevando o grupo a um verdadeiro fenômeno musical, agora, em “O Mais Feliz da Vida”, o resultado parece ser outro. Mais segura em estabelecer-se em um caminho, sem precisar mais atirar para todos os lados, a banda enclausura-se dentro de um cenário calculado, medindo os temas e conceitos a fim de não cair no mesmo pop incerto do primeiro exemplar de sua discografia.

Emprestando o teor “conceitual” de famosas bandas do passado, como King Crimson, The Who e Pink Floyd, os paranaenses alcançam um marcante crescimento instrumental e, principalmente, lírico. Profundas, mas sem abandonar a já atestada sensibilidade, as letras presentes no álbum são capazes de nos deliciar com o seu modo singelo e austero de discutir temas complexos, como a tristeza, a solidão e a velhice. Assunto já demonstrado na capa do disco, a passagem dos anos para A Banda Mais Bonita da Cidade torna-se um ponto aberto de onde podem ser retiradas as mais profundas (ou simples) questões sobre a vida.

Bebendo do Arcade Fire de “Funeral”, influência confessa de Rodrigo Lemos, a banda alcança um resultado gratificante sem esconder suas referências. Pélico empresta aos paranaenses a faixa-título de seu último trabalho, bem como Rômulo Fróes participa da regravação de “Olhos da Cara”, composição de Nuno Ramos que já havia aparecido no disco “Um Labirinto em Cada Pé”. Além disso, o veterano Chico Neves aparece na produção da faixa-título: os toques do produtor mostram-se rápidos, porém essenciais… A canção acaba delineando a continuação do álbum, produzida por Vinícius Nisi. (Leia a resenha completa do disco)

Esses Patifes03. Esses Patifes – Ruspo

Gênero: Lo-Fi

Se as pessoas são atraídas pelas áreas mais visadas, pelos centros ditos “econômicos e culturais”, Ruspo percorre a contramão. O jornalista Ruy Sposati, aproveitando suas viagens ao interiorzão do Brasil, faz de “Esses Patifes” uma leitura inédita de uma faceta do país esquecida por muitos. Íntimo dos confrontos que envolvem a expansão agrícola e a dizimação do povo indígena, o compositor faz brotar em “Esses Patifes” uma união corajosa e informativa das experiências vividas por ele nos fundões do Brasil.

Um álbum de conceito crítico, mas que nem por isso abandona o bom humor, “Esses Patifes” tem, nas palavras de forte personalidade, a base para uma sonoridade que atrai de forma surpreendente. Levando a música Lo-Fi nacional a níveis grandiosos, Ruspo mostra que a programação em computadores caseiros não está propensa a limitações. Cada vez mais difundida, a música caseira e suas infinitas possibilidades ganham, agora, um aspecto clássico, que consegue se aproximar ao mesmo tempo da técnica e do feeling. Seja em um quarto confortável ou em uma tribo indígena onde a energia elétrica é quase inexistente, “Esses Patifes” foi sendo construído em três anos à medida em que as experiências possibilitadas pelo jornalismo atingiam Ruy Sposati.

Não é difícil perceber porque o disco impressiona. Primeiro, porque surfa em uma onda totalmente nova da MPB, que só foi popularizada no ano passado com Silva e seu “Claridão”: embora exista muita gente programando música em seu próprio computador, com instrumentos artificiais, não há como negar a existência de uma surpresa coletiva quanto a um trabalho de música Lo-Fi tupiniquim – chamada por Ruspo de “tropical”. Indo além da grande capacidade do músico em mesclar um turbilhão de sons e referências com maestria, há o encantamento pela temática: com “Esses Patifes”, você será atingido por fatos que talvez nunca haviam se mostrado significativos para outro artista. Se está na moda “lembrar os esquecidos”, Ruspo parece colocar todo mundo no bolso.

Passo Elétrico02. Passo Elétrico – Passo Torto

Gênero: MPB/Indie Rock

As dimensões quase intermináveis da cidade de São Paulo ganham uma representação formidável nas mãos do Passo Torto. Ao substituir os acordes acústicos pelas guitarras, o quarteto formado por Kiko Dinucci, Rodrigo Campos, Rômulo Fróes e Marcelo Cabral torna suas dimensões sonoras tão colossais quanto as fronteiras da capital paulista. Em “Passo Elétrico”, os versos urbanos ganham uma companhia inesperada, um paredão colossal de ritmos e ruídos que instiga o ouvinte do início ao fim.

Transformando em música o trânsito pesado, os ares poluídos, as águas sujas e a imensidão cinza de concreto, o Passo Torto faz de seu segundo disco um verdadeiro tratado sobre os sentimentos que envolvem a metrópole. Entre termos de angústia, existencialismo e melancolia, as letras brindam nossos ouvidos com caminhos tortuosos, cujo significado não é reconhecido imediatamente. Prédios com varizes e micoses, que transpiram e escarram? Nas mãos dos paulistanos, isso se torna não somente possível, como natural. Mesmo que a gente saiba identificar a atmosfera que envolve a cidade grande, o Passo Torto nos apresenta novas perspectivas.

Instrumentalmente, “Passo Elétrico” é soberbo. Com arranjos fenomenais, que pregam a desconstrução e, simultaneamente, a arquitetação de ritmos e melodias, o disco faz a guitarra de Kiko Dinucci flutuar por toda a extensão do registro em um claro sentido de inovação. Tratando o samba de uma forma moderna, elétrica e especialmente claustrofóbica, que se conecta perfeitamente com os rumos mecânicos da metrópole, “Passo Elétrico” fomenta a evolução. Ainda que a base seja formada pelos mais clássicos elementos da MPB, passeios pelo rock e pelo jazz tornam a sonoridade do álbum um toque de ampla novidade até mesmo aos ouvidos mais atentos.

Antes que Tu Conte Outra01. Antes que Tu Conte Outra – Apanhador Só

Gênero: Indie Rock

O Apanhador Só de anos atrás não existe mais. Inundada por um caráter de urgência, a banda gaúcha abandonou todos os aspectos sonoros que envolviam sua carreira até então, partindo praticamente da estaca zero para construir a sua completa evolução. Nada do primeiro disco parece ter resistido aos novos pensamentos do conjunto, e “Antes que Tu Conte Outra” surge como uma barreira que a banda topa destruir. No novo disco, o grupo faz de cada faixa um exercício pautado na inovação.

Longe de ter um conceito linear, o disco apresenta as diferentes facetas de um Apanhador Só novo e provocativo. Dentro de suas inúmeras possibilidades, que envolvem diversos temas e cenários, “Antes que Tu Conte Outra” parece querer indefinir a existência de qualquer rótulo. Se antes podíamos dizer que um “Los Hermanos gaúcho” morava dentro das impressões dos ouvintes sobre a banda, Alexandre Kupinski, Felipe Zancanaro, Fernão Angra e André Zinelli tratam de passar a lâmina nas barbas de Camelo e Amarante. As caras são novas. Parafraseando os versos da décima faixa, “Por Trás”, fica difícil identificar qual é, afinal, o peixe que a banda tá vendendo. Talvez “uma peixaria” seja a resposta mais plausível.

Se outrora havia calmaria e consolo nos versos, agora a banda deseja nos surpreender com versos sujos, que abusam de uma ironia que os dias atuais nos oferece, está na frente do nariz de todos, mas pouca gente consegue perceber. Conseguindo unir os aspectos críticos do rock oitentista com o bom humor de bandas noventistas e o “universo indie” do século atual, o Apanhador Só forjou muito mais do que um registro completo; podemos dizer que “Antes que Tu Conte Outra” é necessário. Um álbum que choca, que tem a capacidade de abrir nossos olhos. Um legítimo produto de 2013, que mesmo lançado ainda no primeiro semestre, conseguiu captar os sentimentos do ano como nenhum outro disco.

Lista: Os 30 Melhores Álbuns Nacionais de 2013 [20-11]

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[30-21] [20-11] [10-01]

De Dentro da Gaveta da Alma da Gente20. De Dentro da Gaveta da Alma da Gente – Fernando Temporão

Gênero: MPB

Fernando Temporão não é o único músico brasileiro que abre a gaveta de sua alma para arquitetar sua carreira, mas ao explorar um conjunto que se afasta das mesmices da música introspectiva, o artista carioca faz de seu primeiro disco um convite a uma dança alegre e suave, distante das agonias e do cenário negro que muitas vezes se instalam na música autoral. Tristezas sempre existem, é verdade, mas por que não explorar os aspectos da vida de uma maneira mais positiva? Com um delicioso jogo instrumental, que passeia por diferentes gêneros da música e mantém, ao mesmo tempo, a unidade do disco, Temporão nos convida com “De Dentro da Gaveta da Alma da Gente” a folhar aquelas fotografias que retratam a beleza muitas vezes escondida do nosso dia-a-dia.

Com letras que se comportam como verdadeiros retratos, recortes do cotidiano do compositor, a base lírica é adornada em total comunhão com os rumos sonoros. Aproveitando a produção de Kassin, Temporão borda um minucioso conjunto de bases instrumentais sólidas, que vagam do moderno ao pueril em um sentido de total naturalidade… Em poucos segundos, há mudanças de gênero e direção, mas sempre mantendo um caminho a ser seguido. A música tropical, com o calor característico do Brasil, é aproveitada pelo compositor como a delineadora total de uma musicalidade rica, repleta de elementos. Do jazz ao brega, Temporão consegue fazer de seu primeiro álbum uma concisa viagem sonora.

Ao mesmo tempo (e talvez aí está a grande interferência de Kassin), o disco sabe soar pop. Seja com números serenos ou com acompanhamentos eletrônicos, Temporão, acompanhado de seu ótimo senso lírico e de seu vocal acolhedor, torna os objetos da gaveta de sua alma um bem comum, oferecido para as mãos dos ouvintes. Afinal, não é preciso falar difícil, com extremo simbolismo, para expor ao público os mais íntimos sentimentos.

Impossível Breve19. Impossível Breve – Jennifer Souza

Gênero: MPB/Folk

Como é bom acompanhar, agora com mais evidência, a bela voz de Jennifer Souza. Ainda que se destaque na banda Transmissor, elogiado grupo mineiro do qual ela faz parte, só um trabalho solo seria capaz de demonstrar, em totalidade, todo o talento detido pela jovem. Seja com suas letras inteligentes ou com seu vocal sensível, Jennifer encontra o complemento natural e necessário de sua carreira ao encarar “Impossível Breve”, seu primeiro disco totalmente seu. Refletindo seus próprios anseios e suas emoções mais íntimas, a musicista borda um disco inegavelmente bonito, que passeia livremente por um cenário agridoce em um exercício certeiro de encantamento.

A voz e as letras pertencem a Jennifer Souza, os temas líricos são intimistas, mas ela faz certo ao não negar os elementos que vêm construindo sua carreira junto ao Transmissor. Pequenos nós musicais provenientes da banda ajudam Jennifer a amarrar suas inspirações, tecendo uma teia dinâmica e envolvente. Adornando os vocais, que formam, no fim das contas, o elemento mais destacável de “Impossível Breve”, a base sonora caminha sem tropeções ou escorregadas por um musicalidade fina, pomposa, que às vezes é capaz até de nos fazer lembrar dos mais refinados ensaios da bossa-nova. Sobram toques de jazz, o indie rock do Transmissor serve como um ponto de partida, e o folk soturno mostra-se um chão… Mas e os clássicos da música mineira? Encontram-se representados, é claro, naquela velha e boa readaptação dos elementos plantados por Milton Nascimento e Lô Borges lá nos anos setenta.

A própria participação de seus companheiros de Transmissor auxilia Jennifer ao produzir a sucessão de acertos do seu primeiro disco. Sim, a voz dela é encantadora, mas o que seria dela sem o acompanhamento de belíssimos arranjos? Talvez acompanhando o processo construtivo do disco, as temáticas também parecem partir do pessoal rumo ao coletivo. Embora representem passagens íntimas da cantora, as bases líricas vão aos poucos tornando-se retratos familiares, para que, no fim, todo ouvinte possa ser atingido pelas nuances pregadas pela compositora.

Quebra Azul18. Quebra Azul – Baleia

Gênero: MPB/Post-Rock

Ao passear pelo oceano musical do primeiro disco da banda carioca Baleia, uma pergunta torna-se inevitável: como isso tudo é possível? Muito mais do que uma alegria, é uma bênção existir um novo grupo brasileiro disposto a encarar arranjos primorosos. Desde o cover refinado de “What Goes Around… Comes Around”, que apresentou o coletivo aos quatro cantos do Brasil, o que adorna a Baleia é a grande expectativa de haver, dentro daquele sexteto, um dos melhores projetos musicais desta década.

O processo lento que envolveu a produção de “Quebra Azul” pode até ter decepcionado alguns, ainda mais nesses tempos em que a regra parece ser “consumir com rapidez”. Mas os mais pacientes foram recompensados. A lentidão, aliás, se tornou uma grande aliada do conjunto, que pôde conhecer melhor a si mesmo à medida em que os dias passavam. Em dois anos, eles foram se distanciando dos toques jazzísticos para experimentar um conjunto bem mais amplo de referências, em um sentido mais do que correto de expansão. Com tanta sensibilidade em mãos, os músicos souberam como se apresentar a novos cenários, possibilitando novas possibilidades e uma riqueza cada vez maior de detalhes à sua base musical.

Ouvir “Quebra Azul” é ser, enfim, envolvido pelos detalhes. Em meio a uma fluidez tão dinâmica, que cria paredões de sons instáveis, que se transformam em poucos segundos, fica até difícil saborear tudo em apenas uma oportunidade. A cada nova audição, um novo conjunto de detalhes se revela, tornando o disco cada vez melhor. De fato, a salada musical de “Quebra Azul”, com suas variações entre o simples e o complexo, passeando por diversas vertentes, cria uma atmosfera sedutora de infinitas nuances. Impossível não se sentir provocado por tudo que o álbum proporciona.

Beija Flors Velho e Sujo17. Beija Flors Velho e Sujo – São Paulo Underground

Gênero: Avant-Garde Jazz

Como é difícil explicar o som do São Paulo Underground, deixemos que o próprio Rob Mazurek cumpra este papel: segundo ele, “o som precisa ser dividido, quebrado, batido, acariciado, beijado, afundado, enterrado e catapultado para novas dimensões de modo que inicie um diálogo entre universos”. Eita… Como diziam naquele antigo programa, senta que lá vem história!

Para início de conversa, é preciso que se deixe bem claro o conceito de “Beija Flors Velho e Sujo”: em contraponto ao passado do projeto, o novo disco é bordado para ser “acessível”. Para se ter uma ideia, existe até uma clara homenagem a Ivete Sangalo na quinta faixa do álbum, “Evetch”. Mas como pode um registro de jazz experimental soar de fácil acesso ao público em geral? Aí mora o “diálogo entre universos” citado por Mazurek. Todo o disco é formado por um conjunto fantástico de arranjos que amarram, a todo instante, o Brasil de Maurício Takara e Guilherme Granado com os Estados Unidos de Rob Mazurek. Pois é pegando carona nos elementos do tropicalismo, brincando com os ritmos quentes e as cores vivas do nosso país, e até flertando com melodias carnavalescas, que o São Paulo Underground faz com que os mundos do pop e do experimental, tão distantes, possam conversar entre si.

De resto, os mesmos êxitos instrumentais que já haviam sido apresentados em outras oportunidades se fazem presentes, não abandonando, porém, o teor de inovação que sempre caracterizou o projeto. A corneta de Mazurek voa pelo disco, costurando coloridas vestimentas sonoras do início ao fim do registro, enquanto Takara e Granado trabalham como operários, pedreiros, assentando os tijolos sobre os quais seu companheiro norte-americano se aventurará. Das programações eletrônicas brilhantemente construídas, das percussões que dão ao disco a cara da música brasileira, provém toda a base capaz de fazer o São Paulo Underground encarar, mais uma vez, a louvação. Seja aqui no Brasil ou nas terras do Tio Sam, o que não falta é gente elogiando toda a invenção proposta pelo trio.

Vamos pro Quarto16. Vamos pro Quarto – Cérebro Eletrônico

Gênero: Rock Psicodélico

A banda paulistana Cérebro Eletrônico nunca foi de esconder o jogo, e em “Vamos pro Quarto”, seu quarto álbum, o conceito fica claramente exposto logo na capa. Representando a pintura “O Jardim das Delícias Terrenas”, fabricada em 1504 pelo artista holandês Hieronymus Bosch, a imagem representa um erotismo místico que chocou o público da época. Para a Cérebro Eletrônico, em 2013 a orgia pode ser representada em forma de música, e “Vamos pro Quarto” parece se comportar como um verdadeiro tratado dos prazeres mundanos. Segundo os paulistanos, a ida ao céu ou ao inferno é apenas um detalhe irrelevante, e os aspectos nada inocentes da vida devem ser aproveitados ao máximo.

Concordando ou não com os caras, é inevitável sentir-se atraído pelas bases que compõem o presente registro. Ao propor uma viagem lisérgica pelos cenários mais errôneos da cidade de São Paulo, a banda cheira os perfumes das prostitutas da Rua Augusta e compartilha garrafas de pinga com mendigos debaixo de um viaduto… Nojento, não? Que nada! Como se, de uma hora para a outra, todo o aspecto cinzento da metrópole se transformasse em um bonito conjunto de cores, a Cérebro Eletrônico consegue levar beleza aos cenários mais inimagináveis.

Um disco improvável, instigante e deliciosamente inventivo, “Vamos pro Quarto” aproveita do leque infinito de possibilidades do rock psicodélico para brincar com o desconhecido. Porém, já experiente, a banda sabe como mesclar essa base totalmente lisérgica com a música pop para torná-la de percepção próxima dos ouvintes. Verso após verso, faixa após faixa, tudo no disco parece ser minuciosamente pensado não apenas para agradar, mas para surpreender quem topa o ousado passeio proposto pela Cérebro Eletrônico.

Dorgas15. Dorgas – Dorgas

Gênero: Chillwave

Renovação é a palavra-chave do primeiro registro de longa duração do Dorgas. Ainda que as bases dos EP’s anteriores se façam presentes, “Dorgas”, o álbum, é levado em consideração pelo quarteto como uma grande experiência de descoberta. Cada vez mais distantes do jazz chapado das primeiras músicas, ou até mesmo do rock, Cassius Augusto, Eduardo Verdeja, Gabriel Guerra e Lucas Freire abraçam os rumos atuais da música eletrônica estrangeira para construir uma obra feita para dançar. Recheado por vertentes como chillwave, dream pop, madchester, Miami bass e new wave, o disco pode até soar como um registro feito por hipsters para hipsters, mas mesmo assim se caracteriza como um dos registros mais inventivos dos últimos tempos da música brasileira.

Como se aproveitasse o cenário Lo-Fi popularizado por Silva no disco “Claridão”, o Dorgas não deixa de apresentar elementos novos à música tupiniquim. As bases chapadas do Primal Scream no clássico “Screamadelica” parecem ganhar contornos verde-amarelos, dando um significado tropical aos sintetizadores do hemisfério norte. No fim das contas, o álbum de estreia do Dorgas é uma trilha sonora perfeita para as festas mais intensas do litoral brasileiro nos dias quentes de verão… Um disco regado a muita energia, diversão, descontração e, é claro, drogas sintéticas… Ou você achava que o grupo tinha esse nome devido à numerologia?

Pois saiba que do título à capa, todo o conceito do disco é perfeitamente representado. Com sua sonoridade quente e envolvente, o quarteto carioca vai construindo um trabalho digno de entorpecer qualquer ouvido. Melodias hipnóticas, efeitos psicodélicos e vocais distantes – que funcionam como mais um elemento em meio à salada instrumental – fazem com que a ingestão de alucinógenos nem seja necessária para a perfeita contemplação do registro. Sim, o Dorgas quer te entorpecer, e se eu fosse você, deixaria ser levado por essa agradável experiência.

Vazio Tropical14. Vazio Tropical – Wado

Gênero: MPB

Uma figura ímpar da nossa música, o catarinense-alagoano Wado nunca se contentou em permanecer no mesmo lugar (e olha que tal afirmação nem leva em consideração aspectos geográficos, visto que ele é um sulista radicado no nordeste). As mais importantes mudanças de direção estão, definitivamente, nos rumos de sua carreira; afinal, o artista sempre tentou fazer de seus registros trabalhos únicos, diferentes um dos outros tanto em estilo quanto em conceito. Desde sua parceria com a banda O Realismo Fantástico até os toques sintéticos que permearam o aclamado álbum “Samba 808″, a carreira de Wado se comporta como uma das mais inventivas e produtivas da cena alternativa nacional.

“Vazio Tropical”, o sétimo disco de sua carreira, pode até ser considerado como o menos surpreendente exemplar de sua discografia, mas apresenta mais um ponto de desgarramento. Novamente, Wado convida o ouvinte para um exercício quase hipnótico de esquecimento do passado, deixando de lado os conceitos que haviam construído seus álbuns anteriores: nada do suingue de “Terceiro Mundo Festivo”, tampouco a herança africana de “Atlântico Negro” e muito menos o rumo eletrônico de “Samba 808″. Pra variar, Wado faz de seu novo álbum um conjunto de novas abordagens, ao costurá-lo com texturas muito mais calmas e intimistas.

Ao investir em uma sonoridade basicamente acústica, Wado renuncia a utilização da base dançante que havia construído grande parte de sua carreira até agora. Afinal, “Vazio Tropical” é uma obra serena, tocada pela sutileza, buscando na MPB da década de setenta muitos dos conceitos que a constroem. Mas estaria o músico, ao investir em antigas ideias, abandonando a veia experimental que tanto tem caracterizado sua carreira? Talvez a grande surpresa de “Vazio Tropical” esteja justamente no fato de sua sonoridade não surpreender: enquanto todos esperavam mais uma obra inventiva, Wado utiliza-se do encontro da atual com a velha MPB para construir mais um cenário de evolução da sua carreira. (Leia a resenha completa do disco)

Bixiga 7013. Bixiga 70 – Bixiga 70

Gênero: Jazz/Afrobeat

O segundo álbum do Bixiga 70 é colossal. Procurando representar em estúdio as apresentações incendiárias do conjunto, o registro passeia por uma infinidade de referência do jazz e do afrobeat em um sentido de completa expansão. Ainda que mais ameno que o álbum anterior, o presente registro propõe uma viagem pelo Brasil, pela África e pelo hemisfério norte a fim de encontrar o crescimento definitivo do conjunto.

Naturalmente tropical, o álbum encontra em uma musicalidade quente, que não decai em nenhum momento, um ponto de rápida afirmação. Envolventes, as canções nos prendem de forma com que nos sintamos parte integrante do projeto, espectadores de uma apresentação ao-vivo. Acertando em cheio no conceito e alcançando sem nenhuma dificuldade o resultado desejado, o segundo disco do Bixiga 70 se comporta como um dos grandes clássicos jazz nacional, implementando uma sonoridade extremamente pulsante em nossos ouvidos.

Indo de Miles Davis ao carimbó, dos cenários arenosos da África à paisagem cinza da capital paulista, o Bixiga 70 parece não querer se prender a rótulos. Percorrendo várias vertentes da música experimental e avançando a largos passos além das fronteiras de São Paulo, a big band cumpre com louvor o papel de construir uma obra universal, pra lá das noites do Baile do Bixiga.

Pearl12. Pearl – Rubel

Gênero: MPB/Folk

Desgarrar-se das raízes é sempre uma boa oportunidade para encontrar melhor o que há no interior. O carioca Rubel, enquanto estudava cinema na cidade de Austin, no Texas, viu seu íntimo se aflorar na composição de “Pearl”, seu primeiro disco. Uma união da MPB carioca com o folk texano, o álbum se comporta não apenas como um toque de novidade na tradicional música tupiniquim, mas, principalmente, como uma genuína explosão sentimental.

Provavelmente o músico mais brasileiro mais próximo da musicalidade confessional de Nick Drake, Rubel aborda, com um formidável conjunto de acordes, a sua genuína base sentimental. Tratando da profundidade de seus sentimentos, mas conseguindo tocar a alma dos ouvintes, o jovem arquiteta uma imensidão sonora capaz de ser apresentada em apenas sete faixas, em pouco mais de trinta minutos.

“Pearl” não é um álbum inovador. Tem como base apenas a voz e violão de Rubel, e reflete, basicamente, a união das tradições brasileiras e norte-americanas… Mas mesmo assim está entre os trabalhos mais assertivos dos últimos anos da MPB. Por quê? Convenhamos que, para a nossa música, um pouco de sensibilidade é sempre bem-vinda. Por mais que se busque o inédito, a evolução, é sempre o coração que dá as ordens. E em seu disco, o jovem Rubel parece tratar, com muita experiência, o rumos dos sentimentos. Cada acorde é um alento, cada verso é um tratado. Não pouca, mas muita sensibilidade.

Cadafalso11. Cadafalso – Momo

Gênero: MPB

Segundo palavras de Wado, presentes no release de “Cadafalso”, o novo capítulo da carreira de Momo, o disco mostra a “coragem para mirar o abismo”. Sem grande técnica de gravação, sem encarar os modernos efeitos sonoros possibilitados pelos estúdios, o músico carioca apresenta e refina o conceito de voz e violão.

Ainda utilizando as palavras de Wado, “o disco é vivo e orgânico, resultado de uma produção que optou por usar o mínimo de ferramentas e recursos de estúdio para deixar voz e violão atuando como protagonistas. O que se ouve é uma sonoridade crua. Voz e violão sem overdubs. Funciona bonito. É quase uma massa de modelar no sentido de ser uma coisa só: o canto juntinho do violão”.

“Momo encontrou uma forma de execução rara”, continua Wado, “de se encontrar na cena atual e sua poesia – e nisso estou envolvido – encontra caminhos novos e inusitados, vezes evitando rimas e noutras nos jogando imagens bonitas, porém desconcertantes”. Se Wado sabe tudo de música brasileira, e se Momo é um dos mais respeitados artistas da safra atual, nada mais justo do que avaliar estas bonitas palavras dando uma oportunidade ao quarto álbum do carioca: sem dúvidas, é um disco que vai te encantar.

Lista: Os 30 Melhores Álbuns Nacionais de 2013 [30-21]

Os 30 Melhores Álbuns Nacionais de 2013

[30-21] [20-11] [10-01]

Sina30. Sina – The Baggios

Gênero: Blues-Rock

“Sina”, segundo disco do The Baggios, é um disco feito para quem gosta de pegar a estrada e comer poeira. Novamente encarando uma epopeia sertaneja, a banda formada pelo guitarrista e vocalista Júlio Andrade e pelo baterista Gabriel Carvalho volta a fazer o nordeste pegar fogo não apenas devido ao eterno verão, mas pelo som pesado que o blues-rock do duo sergipano consegue emanar. Com guitarras quentes, baterias pesadas e uma base sonora clássica, mas que, apesar de antiga, consegue atrair a todo momento, o The Baggios constrói um ponto de evolução na sua carreira, bem como arquiteta um espaço na música brasileira que é somente seu.

Por quê? Talvez pelo fato do The Baggios ser uma das poucas bandas brasileiras que conseguem transformar as mais antigas ideias do rock norte-americano em algo novo e brasileiro. Ao embarcar na viagem proposta por “Sina”, o ouvinte não embarcará, portanto, em uma adaptação meramente copiosa da sonoridade dos grupos clássicos de blues-rock. De forma magistral, Andrade e Carvalho inserem as raízes musicais do Estados Unidos em um cenário legitimamente nordestino.

Como acompanhamento para essa viagem pelos cenários arenosos do sertão, uma musicalidade intensa que apenas em poucos momentos se abranda. Pinceladas de ritmos nordestinos e um vocal repleto de sotaque fazem com que o ouvinte até encare pequenas lembranças de Raul Seixas, mas, no fundo, “Sina” é um disco marcado pelas novas possibilidades. É como se uma velha maria-fumaça levasse seus passageiros a lugares até então inabitados pela música tupiniquim.

O Passo do Colapso29. O Passo do Colapso – Dado Villa-Lobos

Gênero: Rock Alternativo

Dentre os grandes nomes rock oitentista nacional, Dado Villa-Lobos é o que parece resistir melhor à passagem do tempo. Mais do que isso, o instrumentista parece fazer da experiência que carrega uma fundamental aliada, utilizando-a como um incentivo para que sua música soe contemporânea, e não apenas uma rasura daquilo que ele desenvolvera, com muitas glórias, dentro da banda Legião Urbana. As heranças do passado ainda se fazem presentes, é evidente, mas apenas servindo de base para um trabalho expansivo. Evolução do que o músico havia ensaiado em 2005 com “Jardim de Cactus”, seu primeiro álbum em carreira solo, “O Passo do Colapso” é a reafirmação natural de um músico que está distante da aposentadoria.

Se poucos são os antigos roqueiros que ainda mantém a qualidade criativa intacta, cabe a Dado agradar um público exigente que às vezes até pensa que o rock brasileiro já morreu. Topando manter viva a chama que brilhara tanto com o Legião Urbana, quanto com outros grupos de destaque, como Titãs, Paralamas do Sucesso e Engenheiros do Hawaii, o guitarrista não mede esforços para construir um trabalho especialmente coeso, que possa flertar com os anos oitenta sem abandonar a segunda década do século XXI. Sabendo amarrar todas as suas referências em canções que se expandem, mas que mantém a unidade do disco, Villa-Lobos, ao contrário de muitos de seus contemporâneos, consegue manter o mesmo respeito que detinha nos áureos tempos do chamado “BRock”. O tempo pode até ter passado, mas ele mostra se manter entre os melhores músicos deste país.

Tanta vivacidade e conhecimento musical fazem com que guitarras soem livres pelo trabalho, abertas a diversas possibilidades, não se prendendo apenas aos ruídos que vem acompanhando o artista há tanto tempo. Apesar de conter uma intensidade natural, “O Passo do Colapso” sabe serenizar-se quando necessário, mantendo o ouvinte atento a um jogo que, apesar de constante, sabe se enveredar por diferentes caminhos… Nada daquele rock velho, desbotado, empoeirado e cheirando a mofo, mas uma sucessão excitante de canções que sabem soar cronologicamente plausíveis. Não existe uma época certa para a música de qualidade, e com “O Passo do Colapso” Dado ajuda a nos mostrar a verdade que existe nessa afirmação: afinal, seu trabalho se mantém bom como sempre foi.

As Plantas que Curam28. As Plantas que Curam – Boogarins

Gênero: Rock Psicodélico

Ainda que alguns possam dizer que Fernando Almeida e Benke Ferraz são os “novos mutantes”, pouco do que foi desenvolvido nos anos sessenta pela banda de Arnaldo Baptista, Sérgio Dias e Rita Lee assume um sentido de cópia nas mãos da banda Boogarins. Embora as referências dos Mutantes se espalhem naturalmente por todo o trabalho da banda goiana (assim como ocorre em qualquer outro grupo brasileiro que se atreva a fazer rock psicodélico), “As Plantas que Curam”, o primeiro álbum do duo, parece fadado a transformar o que era antigo em algo inegavelmente atual. É como se as distorções, as vozes instrumentais e todos os demais elementos das viagens lisérgicas assumissem um significado de novidade, musicando entre prédios e trânsito pesado o que era antigamente simbolizado através de roteiros fantásticos.

Nas mãos de Almeida e Ferraz, o “país dos baurets” se torna, nada mais nada menos, que o nosso Brasil. Referências tupiniquins jorram por todo o registro, encontrando no tropicalismo de décadas atrás o ponto de partida para a construção de novas concepções. Seja com vocais tortos, ruídos ou solos de guitarra que tendem ao épico, os jovens goianos tecem uma teia pegajosa, capaz de captar a atenção até mesmo do ouvinte menos acostumado aos rumos sonoros lisérgicos. Se você sempre quis conhecer a fundo a obra do Mutantes, mas nunca teve coragem, saiba que “As Plantas que Curam” se comporta como uma boa porta de entrada.

É provável que essa sonoridade propicie uma “primeira experiência” justamente porque Almeida e Ferraz souberam captar as ideias plantadas pelos australianos do Tame Impala. Depois da louvação alcançada pelo disco “Lonerism”, e a consequente mudança das regras do rock psicodélico, saber amarrar as referências chapadas à música pop tornou-se um norte a ser seguido… Afinal, nem todo mundo quer sair fumando por aí só para poder entender um disco, não é? Ciente de que o movimento hippie se exauriu há um bom tempo, o Boogarins aduba suas ideias a fim de atingir em cheio essa nova legião de ouvidos.

Feras Míticas27. Feras Míticas – Garotas Suecas

Gênero: Indie Rock

É o crescimento a grande marca do segundo disco da banda Garotas Suecas. Redefinindo os caminhos do grupo, “Feras Míticas” chega para se caracterizar como o marco de amadurecimento do coletivo que, nos últimos anos, tem chamado a atenção do público e da crítica por mesclar de forma consistente o rock, o soul e o funk de décadas passadas. Embora a base sonora continue a mesma, há agora um claro desejo de ir além: os aspectos festeiros que envolviam “Escaldante Banda”, o primeiro álbum do coletivo, foram convertidos em criações maduras e mais abrangentes.

Em suma, não há mais nenhuma música que exija um vídeo com a participação do dançarino Jacaré. Apesar de assertivas, canções como “Banho de Bucha”, “Mercado Roque Santeiro” e “Olhos da Cara” apresentavam uma proposta juvenil, quase adolescente, construindo-se através de instrumentais alegres e versos de fácil apelo. “Escaldante Banda” foi uma boa estreia, mas para passar no famoso teste do segundo álbum, a Garotas Suecas deveria evoluir; obviamente, em três anos as concepções festivas deveriam crescer para algo maior.

E é justamente essa evolução a grande proposta da banda em “Feras Míticas”. Passeando por um conjunto dinâmico de canções, o grupo vai claramente aumentando o seu leque de possibilidades, nos entregando aspectos intimistas, existencialistas e até mesmo conceituais. Mesmo que de forma tranquila, a celebração de outrora vai se transformando em seriedade e melancolia. (Leia a resenha completa do disco)

Tudo Começou Aqui26. Tudo Começou Aqui – Ana Larousse

Gênero: MPB/Folk

Sentimento do início ao fim. São composições íntimas, que jorram delicadeza e talento, que constroem o primeiro álbum da curitibana Ana Larousse. Ambientado nos cenários da chamada “nova MPB”, o registro é uma deliciosa audição de temas que desafiam os jovens do nosso tempo; a solidão, a saudade, a tristeza da partida e até mesmo o bucólico cotidiano são peças-chave do conjunto de canções apresentado pela cantora, obtido em grande parte durante os cinco anos em que ela morou na França, e basicamente refletindo suas experiências de vida.

Com produção assinada pelo músico Rodrigo Lemos (A Banda Mais Bonita da Cidade/Lemoskine), o álbum brinca com o ouvinte ao mesclar números simplórios com outros que tendem ao épico, sendo que, nesta dualidade, mora o que poderia ser a grande escorregada da estreia de Larousse, mas que acabou se concretizando como o grande acerto do disco. Fugindo do lugar-comum, não é raro perceber no registro certos toques da música grandiosa de grupos como Beach Boys e Pink Floyd, bandas extremamente cultuadas em terras tupiniquins, mas que encontram nos receios dos músicos daqui um obstáculo para inspirar a MPB. Em um momento em que querer fazer algo de proporções épicas dentro da música indie acabou se tornando, no senso-comum, algo de mau agouro, Lemos e Larousse não escondem suas referências e preenchem “Tudo Começou Aqui” com alguns números primorosos, injetando a força do rock clássico nas concepções íntimas, caseiras, que parecem ter saído do quarto da compositora.

Concretizando-se como um belo conjunto de sensíveis canções, “Tudo Começou Aqui” acaba se mostrando, enfim, um ótimo registro de estreia, unindo tudo o que Ana Larousse fizera nos últimos anos e a levaram a ser considerada um dos nomes mais promissores da MPB. E embora o disco não seja, como um todo, um registro necessariamente surpreendente, prende o ouvinte do início ao fim, com muito talento e muita sutileza ao tratar de sentimentos íntimos. Afinal de contas, Larousse não se apega apenas ao introspectivo, e faz com que suas composições não se tornem “tão sobre si própria” que não atinjam os ouvintes… Ela sabe como, mesmo apenas prendendo-se às suas experiências de vida, fazer com o seu público se torne parte integrante do registro, a partilhar com ela suas aflições. (Leia a resenha completa do disco)

Pequenas Margaridas25. Pequenas Margaridas – Nana

Gênero: Indie Pop

Se a partir de “Pequenas Margaridas” Nana deseja cultivar um colorido jardim, as primeiras flores já estão desabrochando. Repleto de sutileza, introspecção e doçura, o primeiro disco da cantora baiana, homônimo a um filme de 1966 dirigido por Vera Chytilová, se comporta como a explosão sentimental mais genuína possível de uma garota que tem pouco mais de dois anos de carreira. Naturalmente íntimo, composto inteiramente no quarto da musicista, “Pequenas Margaridas” nos leva ao universo particular da jovem, enaltecendo seus pensamentos e suas amarguras.

Surpreende a forma com Nana conseguiu bordar, com excelência, um conjunto recheado de versos sutis e belíssimos arranjos sintéticos. Construído com a intenção de não soar robótico ou superproduzido apesar de sua base eletrônica, o registro parece dar um novo significado à forma como os loops e samplers são tratados pela música Lo-Fi no Brasil. Há muita gente hoje em dia criando canções em seu próprio computador, dominando com primor as possibilidades dos mais diversos softwares de manipulação, mas poucos parecem conseguir afastar as bases programadas de um sentido de artificialidade. Nana, ao contrário, faz dos rumos eletrônicos apenas um acompanhamento para suas letras sensíveis.

Tão doce quanto o trabalho atual de cantoras como Tulipa Ruiz, Mallu Magalhães e Céu, “Pequenas Margaridas” pinta com cores vivas o cenário acinzentado em que se encontram os sentimentos de Nana. O jardim da cantora é plantado em um sentido de libertação que apenas se torna perceptível quando a obra toda é experimentada e revista: é como se retratos em preto e branco fossem pintados pela mais colorida mistura de tintas, procurando dar um significado positivo às aflições.

Sacode24. Sacode – Nevilton

Gênero: Pop Rock

Brinque, pule, grite, agite… sacode! Nada daquele teor sorumbático que permeia a maioria das produções nacionais da atualidade, e sim um toque festivo e despreocupado, pronto para as rádios, os shows e as festas. Um disco que simplesmente quer fazer você dançar, sem querer ser conceitual ou complexo. Um disco de base simples, fácil de ser ouvido, e oferecido para todos os públicos. Para tanto, a banda Nevilton não poupa a utilização de melodias atraentes e ritmos quentes, jogados em um sentido de total descontração, que a capa de “Sacode” e seu próprio título já parecem deixar bem esclarecido.

Por mais que existam alguns versos amargos dentro de “Sacode”, é o clima de celebração que constrói o segundo álbum do trio de Umuarama. Mantendo o nível apresentado em seu primeiro disco, o grupo volta a entornar em instrumentais excitantes um jogo lírico formidável, uma poesia bem-humorada e pueril que parece jogar para escanteio o teor “conceitual” que, na maioria das vezes, é erroneamente utilizado. Pense naqueles discos complexos, difíceis de digerir, que seu colega insiste em elogiar mas que você não tem paciência nenhuma de ouvir… Pois “Sacode” é totalmente o oposto disso. É um disco que atrai a todo instante, e que não agradará o mais chato de seus amigos por ser de um “pop confesso”. Se ele é pop, o que há de mal nisso? Melhor um bom disco de música pop na mão do que dois álbuns inteligíveis do Yes voando.

Saiba você, fã do Los Hermanos, que é da banda carioca que o Nevilton empresta muitas das bases de seu som. Mas como assim? Não era “Sacode” o oposto do “mimimi conceitual” que surgiu na música brasileira após o lançamento do clássico “Ventura”? Ser inegavelmente pop não significa ser, ao mesmo tempo, fraco musicalmente, ora bolas. Até quem estaciona somente nas bandas clássicas, como Led Zeppelin e Black Sabbath, verá em “Sacode” uma arquitetura atraente de arranjos instrumentais, com a guitarra de Nevilton de Alencar perfazendo uma fantástica atuação.

Umbra23. Umbra – Herod

Gênero: Post-Rock

A banda Herod mudou. Hoje é um quarteto, e o antigo nome Herod Layne foi diminuído. Uma mudança certeira, visto as modificações sonoras que envolveram o grupo. As inspirações no Pink Floyd, que ficavam claras até mesmo no nome da banda, ainda se fazem presentes, mas escondidos em meio a sonoridades especialmente densas. “Umbra” é uma porrada musical, um álbum tenebroso e intrigante, que oferece ao público um dos mais surpreendentes discos dos últimos anos.

“Umbra”, em latim, significa “escuridão e sombras”. Nenhum título seria tão significativo para o álbum quanto esse. Aterrissando em um cenário obscuro e dolorido, o quarteto ergue imensos paredões sonoros, repletos de distorções e grandiosidade, para depois derrubá-los. Uma bola de demolição é guiada pelos instrumentais pesados, que flutuam entre o passado do post-rock e toques inventivos, para que toneladas de concreto atinjam não apenas os ouvintes, mas os próprios integrantes da banda. Propondo a desconstrução de uma engenharia musical, Sacha, Lippaus, Elson e Johnny vagam pelas incertezas, por medidas adimensionais, pautando no desiquilíbrio sonoro e emotivo os rumos tortos de seus instrumentais.

Enquanto a presença de Joaquim Prado ecoa por diferentes pontos da obra, Cadu Tenório se responsabiliza pelos efeitos sonoros da primeira faixa, Filipe Albuquerque empresta seu vocal melancólico e Jair Naves grita quase sem voz. Muito mais do que a demonstração musical de um quarteto, “Umbra” cresce com suas participações especiais, passando a contar com mais alguns braços para pregar a demolição. A intenção é, afinal, acabar com tudo: dar fim às estruturas e à luz. O ouvinte é preso em um local escuro e apertado, e que a todo instante está propenso a solavancos, verdadeiros espancamentos sonoros.

Ainda Bem que Segui as Batidas do Meu Coração22. Ainda Bem que Eu Segui as Batidas do Meu Coração – Rael

Gênero: Pop Rap

É impressionante o modo como Rael consegue fazer de sua música uma concepção altamente expansiva. Tratando dos mesmos experimentos que haviam construído “MP3 (Música Popular do 3º Mundo)”, em um exercício pleno de continuação, o músico paulistano novamente se afasta das batidas inorgânicas que muitas vezes suportam o hip hop para beber intensamente das raízes tropicais, passeando livremente pelos aspectos mais tradicionais da música brasileira. Como se comportasse como uma versão mais simplória dos tons pretensiosos de Criolo no clássico “Nó na Orelha”, “Ainda Bem que Segui as Batidas do Meu Coração” é um disco que visita novos horizontes, encarando a sociedade de uma forma mais universal, mas que não afasta Rael de sua própria aldeia. Se ele sai da periferia, é apenas para experimentar uma linguagem mais acessível, que consiga passar seu recado com maior acessibilidade, voltando seu olhar para o grande público.

Ainda que os mais puristas possam considerar a expansão do território do rap nacional como “a traição de um movimento”, prender o gênero dentro das fronteiras da periferia seria restringir o seu poder de comunicação. Se hoje o hip hop brasileiro se encontra em seu ápice criativo, é porque artistas como Emicida, Rashid, Criolo e o próprio Rael conseguem conversar com toda a sociedade, detendo o poder de atingir o público do Oiapoque ao Chuí. E “Ainda Bem que Segui as Batidas do Meu Coração”, como um dos melhores exemplos do bom momento que o rap nacional atravessa, viaja com louvor por diversas referências da música para que, no fim das contas, uma linguagem universal seja atingida.

Se são as batidas do coração de Rael que dão as ordens, nada melhor do que a utilização de uma base orgânica para representá-las. Muito distante das mesmices do rap, o músico sente-se à vontade para flertar com a música pop. Batidas próximas do R&B se espalham por todo o registro, em comunhão com a exploração de vertentes tupiniquins, como o samba e a própria MPB. Uma aventura assertiva, que só faz “Ainda Bem que Segui as Batidas do Meu Coração” se comportar como um clássico da música urbana brasileira.

Gratitude21. Gratitude – Phillip Long

Gênero: Folk

Phillip Long tem apresentado um visível esforço para amadurecer rapidamente. São dois anos de carreira em estúdio, e uma discografia que já se mostra volumosa: um conjunto de seis álbuns, sendo quatro lançados no ano passado. Com isso, o músico paulista, natural de Araras, vem conseguindo atrair um bom número de audições através de um volumoso catálogo de composições; canções deliciosamente simples, intimistas e bucólicas, perfazendo arranjos acolhedores que atraem a partir de concepções diretamente ligadas ao folk de décadas passadas.

O grande risco que se corre ao lançar seguidos discos em um curto intervalo, porém, é não dar o tempo necessário para que as ideias amadureçam. Talvez demasiadamente ansioso, Long primou pela quantidade, entregando ao público trabalhos bons, é verdade, mas de uma crueza gritante; claramente, seu discos poderiam soar muito mais atraentes se melhor amadurecidos. Agora, felizmente, o músico parece ter se convencido de que chegou o momento para consolidar de uma vez por todas a sua base musical, apresentando-nos o que é, até agora, seu disco mais maduro e consistente. ”Gratitude” parece ser um marco na obra artística do compositor, e embora se agarre ao mesmo conceito dos trabalhos anteriores, diferencia-se por soar mais refinado, melhor trabalhado.

A música de Phillip Long é serena, e se prende com tudo aos detalhes, procurando abordar constantemente o íntimo de seu criador. “Gratitude”, como não poderia deixar de ser, transparece-se confessional a partir de uma forte carga de emoções. É como se o ouvinte fosse convidado a visitar a casa do músico, e com ele partilhar o cenário íntimo e bucólico expressado pela capa do disco; um proveitoso passeio, em que as confissões de Long mostram-se tão doces e singelas quanto o filhotinho aos seus pés do compositor. (Leia a resenha completa do disco)

Lista: Os 10 Álbuns Mais Decepcionantes de 2013

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Em um ano em que tivemos a explosão de “grandes astros” como Anitta e Naldo, em que o sertanejo universitário continuou a apresentar novos (e irritantes) cantores, em que Miley Cyrus apelou de vez e nomes como Britney Spears e Katy Perry infelizmente decidiram lançar novos discos, fica muito difícil eleger o que foi pior. Dia após dia, pessoas que se dizem “artistas” insistem em fazer de pinico os nossos ouvidos com novas concepções de um lixo que, para nossa infelicidade, só se renova. Em contramão a essa onda, artistas respeitados trabalham duro para construir uma música de qualidade. Porém, nem sempre os grandes músicos acertam… Em 2013, alguns artistas que admiramos lançaram álbuns pra lá de medíocres, deixando no rosto de seus ouvintes a marca da decepção. Portanto, decidimos listar o que consideramos os dez discos que mais decepcionaram em 2013.

Comedown Machine10. Comedown Machine – The Strokes

Gênero: New Wave

Não há como querer um novo “Is This It”. Os tempos são outros, e até mesmo os integrantes do The Strokes querem algo diferente na carreira. O que é bom, pois por mais épica que a estreia da banda tenha sido, simplesmente manter a sonoridade que a aclamou seria, muito mais do que preguiça, um sinal de que o grupo havia parado no tempo. Por isso, é muito positivo ver Julian Casablancas tentando achar um novo rumo para a música dos Strokes.

Agora, temos em mãos o quinto álbum do quinteto, que desde seu título promete ser constituído por uma volta ao tempo. O fato é que, embora nem tudo esteja completamente resolvido, a banda parece ter encontrado finalmente um caminho… Se no início da década passada os Strokes queriam ser os expoentes do rock do novo século, agora eles parecem se sentir muito mais à vontade investindo em uma sonoridade retrógrada, fortemente inspirados por ritmos genuinamente oitentistas, como o synthpop e o new wave. Se este é um bom caminho só o tempo será capaz de revelar, pois agora, em 2013, a banda ainda demonstra ser incapaz de produzir um resultado à altura do alcançado na primeira metade da década passada.

Uma das coisas mais impressionantes quando se ouve, hoje em dia, o clássico “Is This It”, é perceber que a música do álbum continua vívida, pulsante, mesmo tanto tempo depois. Sim, querendo ou não, já fazem doze anos que a estreia do The Strokes veio à tona… O tempo passa, amigo! Pois bem, o fato é que, enquanto “Is This It” continua com cara de novo, “Comedown Machine”, mesmo pouquinho tempo depois de ser lançado, já tem cara de álbum velho. O que não é nada surpreendente, pois ao investir em referências antigas da música (seja o synthpop, o new wave, ou até mesmo o indie rock do início da década passada), o The Strokes parece não estar mais preocupado em soar atual. (Leia a resenha completa do disco)

Lightning Bolt09. Ligthning Bolt – Pearl Jam

Gênero: Rock Alternativo

O Pearl Jam é um grupo que merece respeito. Se você pensar em todas aquelas bandas que ajudaram a tornar o grunge um fenômeno musical na primeira metade dos anos noventa, verá que a banda de Eddie Vedder é a única que se mantém entre as maiores do mundo. O Nirvana acabou, e grupos como Mudhoney, Soundgarden e Alice in Chains têm se tornado, cada vez mais, nomes irrelevantes no cenário internacional. Enquanto isso, o tempo parece não abalar as estruturas do Pearl Jam: o conjunto soube se reinventar, distanciando-se do grunge quando o gênero começou a se tornar peça de museu, abraçando novas ideias e criando uma boa quantidade de canções de sucesso. Porém, o maior acerto do Pearl Jam em toda sua carreira foi pensar sempre em seus seguidores, moldando seus álbuns para empolgantes espetáculos ao-vivo.

Não por acaso, registros de shows como os discos “North America 2000″, “North America 2003″ e “Live at Bayanora Hall” acabaram sendo aclamados tanto pela crítica quanto pelo público. O Pearl Jam se tornou uma banda mais alinhada às turnês do que ao estúdio, e nem o mais fervoroso dos fãs consegue negar tal fato. Resultado de todo esse pensamento voltado aos palcos, “Lightning Bolt”, o décimo álbum de estúdio do grupo, tem seu conceito voltado à geração de hits: são canções feitas para grudar na mente, preencher o set list de uma nova turnê, mas incapazes de apresentar qualquer concepção realmente inédita. O que há de “novidade” no disco é, enfim, apenas uma revisitação dos mesmos conceitos que vem acompanhando a banda há algum tempo.

Há quem diga que a banda está mudando porque está investindo mais em baladas, canções de andamento mais lento e alguns números que tentam se agarrar ao universo folk proposto pela carreira-solo de Eddie Vedder. Um suposto “refino”, que na verdade não significa nada além de um mais-do-mesmo… É como se a banda procurasse reviver suas glórias investindo em “novas versões” de músicas que passaram não apenas por diferentes momentos da discografia do grupo, mas também pelo ainda pouco numeroso catálogo da carreira solitária de seu vocalista. (Leia a resenha completa do disco)

De Lá Até Aqui08. De Lá Até Aqui – Móveis Coloniais de Acaju

Gênero: Pop Rock

A Móveis Coloniais é uma banda de constante modificação, e embora haja um considerável espaço de tempo entre seus lançamentos em estúdio, muito acontece dentro do grupo. Devido ao vigor extremamente coletivo com o qual ele é gerido, são constantes as mudanças de membros e, consequentemente, de ideias, fazendo com que exista uma contínua transformação sonora e conceitual. Algo que já havia ficado claro com as diferenças entre “Idem” e “C_mpl_te”, e que agora mostra-se ainda mais acentuado com o lançamento de “De Lá Até Aqui”, o terceiro registro do coletivo.

Ainda existe o mesmo espírito festivo, a mesma intensidade de metais e o ritmo excitante dos lançamentos anteriores, mas, em conceito, a banda está tão mudada quanto nunca. Agora em uma grande gravadora, a Móveis Colonias parece polir a sua sonoridade para alcançar um resultado de aceitação mais imediata, mais voltada ao público massivo: a serviço da Som Livre, selo pertencente às Organizações Globo, o grupo toma um caminho comercial, muito distante das vias alternativas que permeavam o passado trabalho do conjunto. Haverá, certamente, uma enxurrada de propagandas do disco na programação da Rede Globo, provavelmente transformando a Móveis Coloniais de Acaju em uma banda pop.

Fazer sucesso não é ruim, de jeito nenhum, e até mesmo os flertes com a música pop tem permeado a sonoridade da banda desde a sua fundação; de certa forma, as composições da Móveis Coloniais sempre foram voltadas ao público, arquitetando as incendiárias apresentações ao-vivo, o grande trunfo do coletivo. Sem dúvida haverá mais uma grande turnê, com espetáculos excitantes. A qualidade instrumental também continua evidente. Ou seja, temos em mãos um registro a altura dos anteriores, apesar de mais voltado às massas?

Não, porque a qualidade lírica decaiu muito. Em aspectos sonoros, o disco até é impecável, com a produção Carlos Eduardo Miranda mostrando-se competente a todo momento. Há ótimas interações instrumentais, uma atmosfera que parece agrupar todos os anos de atividade do grupo, mas versos pobres… bem cantados, é verdade, mas de boas vozes desperdiçadas em letras ruins a música mundial já está cheia. E é justamente por prender-se ao óbvio que o disco não engrena, não excita e não consegue construir mais um ponto de evolução na carreira da banda. (Leia a resenha completa do disco)

The 20-20 Experience 2 of 207. The 20/20 Experience 2 of 2 – Justin Timberlake

Gênero: Pop/R&B

As vendas podem explicar o lançamento de “The 20/20 Experience 2 of 2″. Só na primeira semana, o disco vendeu 350 mil cópias, um resultado que, apesar de inferior ao alcançado pela primeira parte do trabalho, já se mostra altamente rentável. Justin Timberlake já era muito rico, ficou mais um pouquinho e agora deve faturar mais uma bela grana com seu novo álbum e a turnê que inclusive já passou pelo Brasil. Ele está errado? É claro que não, afinal, poucas coisas são tão satisfatórias quanto ter um trabalho reconhecido. Mas, quando se trata de música, vender bem nem sempre é sinônimo de qualidade… Se o primeiro álbum lançado neste ano demonstrava a fácil acessibilidade em união com a evolução musical, o segundo comporta-se como um mero lançamento caça-níquel, aproveitando sobras de estúdio (algumas antigas, inclusive) para estrelar o topo das paradas musicais.

Pouca coisa na segunda parte de “The 20/20 Experience” parece-se com a primeira. Enquanto o primeiro disco rumava por uma concepção orgânica, aproveitando-se de uma grande viagem pela história do R&B para construir a evolução definitiva de Timberlake como músico, o segundo simplesmente revive ideias sintéticas que já haviam sido apresentadas em trabalhos anteriores do artista. Em ”The 20/20 Experience 2 of 2″ há o Timberlake atual, é verdade, mas também as versões antigas do músico: o hip hop sintético de “FutureSex/LoveSounds”, o pop melódico de “Justfield” e até os romantismos adolescentes do ‘N Sync. Em um trabalho muito fácil, uma simples repetição, Timberlake não consegue alcançar os mesmos resultados convincentes da primeira parte de sua experiência. É como se, na ânsia de vender, ele simplesmente reunisse canções não-lançadas em seus álbuns anteriores e as entregasse aos seus produtores para serem maquiadas. (Leia a resenha completa do disco)

MGMT06. MGMT – MGMT

Gênero: Rock Psicodélico

Com o terceiro disco do MGMT, Andrew VanWyngarden e Ben Goldwasser parecem ter jogado pelo ralo, de uma vez por todas, todos os acertos que permearam “Oracular Spetacular”, o álbum de estreia da banda. Se há pouco tempo os músicos estavam dispostos a fazer de sua base musical naturalmente chapada um exercício de inovação, e em proximidade com o grande público, agora eles querem vestir a batina de cardeais da música mundial para chegar a um resultado que, há quarenta anos (ou até mais), já fora alcançado por grandes nomes da história da música psicodélica. “MGMT”, o disco, pode até ser confundido como uma possível “homenagem” a lendas do passado, mas não passa, na verdade, de um amontoado copioso (e bem confuso) de sons lisérgicos bordados com pouca inspiração e demasia pretensão.

Entre as bases tortas do presente registro, é possível encontrar o Pink Floyd de “The Piper at the Gates of Dawn”, os Beatles de “Sgt. Pepper” e “Magical Mystery Tour”, o King Crimson de “In the Court of the Crimson King”, parte das invenções de Captain Beefheart e até adaptações da sonoridade suja da estreia da banda Suicide. Tudo é diluído por VanWyngarden e Goldwasser com tons de grandiosidade, mas que apenas em raros momentos apresentam algum registro da personalidade própria do MGMT. O resultado final parece ser, no fim das contas, nada mais do que o resultado da audição massiva de clássicos do passado, que são remoídos pela dupla em um falso sentido de inovação.

Sábado05. Sábado – Cícero

Gênero: MPB

Um arquiteto da nova música popular brasileira, Cícero Lins projetou em “Canções de Apartamento” um dos melhores cenários delineados entre o bucolismo e a solidão. Apesar de introspectivos, os alicerces do primeiro álbum em carreira solo do compositor alcançaram não somente os níveis da aceitação crítica, sendo considerado por muitos como o melhor disco brasileiro de 2011, mas os sentimentos do público. As canções de apartamento de Cícero conquistaram as pessoas que as ouviram, e não era inesperado ver a mais nova obra do músico carioca como um dos empreendimentos mais aguardados deste ano.

E “Sábado” está aí, sucedendo a sexta-feira proclamada em “Ponto Cego”, última faixa de “Canções de Apartamento”. Abandonando a solidão entre quatro paredes, Cícero sai pelo Rio de Janeiro para perceber que, em uma cidade com milhões de habitantes, a solidão pode ser ainda maior. Ao tentar fugir de seus problemas, o compositor, novamente transfigurado na matéria-prima de seu trabalho, percorre os cenários bucólicos da capital fluminense em busca de superação, encontrando, porém, apenas esboços de uma completa depressão.

Se as canções de apartamento ainda flertavam com alguma esperança, as composições sabatinas somente se resignam à sua dor. Naturalmente tristonho, “Sábado” chora uma dezena de verdadeiros borrões sonoros, projetos de texturas que encontram nos instrumentais tímidos e letras exageradamente intimistas um verdadeiro muro para o ouvinte. “Sábado” é um álbum egoísta, parecendo ignorar completamente o maior acerto de seu antecessor: transformar os sentimentos de Cícero em um prato cheio para o público. (Leia a resenha completa do disco)

Magna Carta Holy Grail04. Magna Carta Holy Grail – Jay-Z

Gênero: Hip Hop

“Magna Carta Holy Grail” é um disco minuciosamente projetado. Contendo um título pretensioso, apostas de fácil receptividade e a batuta de um dos maiores rappers da história, o álbum se mostra como um produto inteligentemente pensado para ser um sucesso de vendas… mas incapaz de acrescentar qualquer concepção coerente à carreira de Jay-Z. Comercializado em parceria com a Samsumg, o registro pode até não ser descartável em sua totalidade, mas é a tentativa desnecessária de construir algo que já está de pé, remoendo os êxitos criativos do rapper a fim de alcançar um bom resultado financeiro. Um elefante branco, caro e imponente, mas totalmente irrelevante quando comparado a clássicos como “The Blueprint” e “American Gangster”, obras em que Jay-Z trabalhou com mais originalidade e sinceridade.

Não, “Magna Carta Holy Grail” não precisava ser necessariamente mais um clássico. Ainda que não consiga mais acertar tanto quanto em suas maiores obras, é evidente que Jay-Z ainda tem muita lenha para queimar – como pode ser muito bem observado no recente “Watch the Throne”, álbum em que ele trilhou um caminho consistente em parceria com Kanye West. O problema maior é quando algo que parecia nascer grande acaba se revelando, na verdade, um conjunto de erros. Nem parcerias com grandes nomes da atualidade, como Justin Timberlake, Frank Ocean, Pharrell Williams, Timbaland e Beyoncé, conseguem fazer com que o disco soe relevante, até porque o que ”Magna Carta Holy Grail” busca é, acima de tudo, reviver as glórias passadas de Jay-Z através de concepções fáceis e copiosas. (Leia a resenha completa do disco)

Nada Pode Me Parar03. Nada Pode Me Parar – Marcelo D2

Gênero: Hip Hop

Macelo D2 não tem o mesmo poderio financeiro de nomes como Jay-Z e Nas, e por isso não pode fazer tudo o que quer. Mas, de certa forma, ele parece se aproximar a passos cada vez mais largos desse cenário internacional do hip-hop, repleto de rappers milionários e egocêntricos. Segundo palavras do próprio D2, “Nada Pode Me Parar” é o disco “mais rap” de sua carreira, se distanciando das concepções do Planet Hemp ou até mesmo do samba com que ele tem flertado nos últimos tempos.

E está justamente nesse “abraço” a concepções estrangeiras a falha tentativa de Marcelo D2 em modernizar a sua música. Se antes o músico não se mostrava capaz de se desprender da base de “À Procura da Batida Perfeita”, a maior obra de sua carreira, agora ele procura simplesmente seguir o que há de mais corriqueiro no atual cenário internacional, tentando não deixar sua música ruir em suas próprias mesmices. Ainda há flertes com o samba, lembranças dos discos anteriores, mas o que destoa em “Nada Pode Me Parar” é o desejo de Marcelo D2 em se tornar uma espécie de Kanye West tupiniquim.

Próximo dos trabalhos mais comerciais do rap atual, “Nada Pode Me Parar” se comporta como um produto de fácil audição, especialmente vendável, mas artisticamente pouco relevante. Embora a produção de Mário Caldato, velho conhecido de D2, se mostre assertiva em quase todos os momentos, os sons atraentes e os efeitos modernos não conseguem maquiar o completo vazio que há nos temas: Marcelo D2 fala muita coisa, rima com propriedade, mas não vai além da obviedade que vem permeando suas letras nos últimos anos. (Leia a resenha completa do disco)

Loud Like Love02. Loud Like Love – Placebo

Gênero: Rock Alternativo

É triste a situação do Placebo. Tida, anos atrás, como um dos grupos mais promissores do rock, hoje a banda vê suas possibilidades esgotadas, com sua criatividade praticamente diluída a zero. Simplesmente, não há mais nenhuma novidade, com o conjunto negando à sua base musical qualquer migalha de evolução. Se a situação já não estava muito boa nos últimos anos, com o lançamento de “Loud Like Love” as coisas parecem ruir de vez.

Em suma, Brian Molko, Stefan Olsdal e Steve Forrest, na falta de novas ideias, resolveram reciclar sons já explorados pela banda com simples a intenção de atirar um mais um registro de estúdio para seus ouvintes. Desnecessário, “Loud Like Love” se perde em melodias e letras totalmente óbvias, que parecem apenas deixar clara a atual situação da outrora aclamada banda inglesa: um estado de total estagnação. Pobre de quem acredita que o Placebo ainda é um grupo relevante.

Afinal, todo aquele jogo instrumental excitante dos primeiros discos, que mesclava com primor guitarras e sintetizadores em grandes êxitos melódicos, foi substituído por números banais, fabricados (ou melhor, reciclados) sem nenhum cuidado em relação ao ineditismo. É como se a banda jogasse todo o seu catálogo de canções em um software responsável por mesclar todas as faixas, criando novas músicas a partir de outras que já existentes, e o pior: lançadas há algum tempo. O resultado, no fim, não poderia ser mais constrangedor. Até a horrível capa parece ter sido feita às pressas, sem nenhum compromisso… Talvez apenas para combinar com a entediante base sonora do disco.

What About Now01. What About Now – Bon Jovi

Gênero: Pop Rock

O Bon Jovi é uma banda que, visivelmente, envelheceu. O que não é ruim, pois a idade e a experiência não dizem nada de negativo quando o assunto é música; apesar de geralmente o ápice criativo dos músicos se encontrar lá pelos vinte, trinta anos, não são raros os casos de artistas que construíram, na sua meia-idade, obras cuja qualidade não fica devendo em nada ao que haviam concebido na juventude. Mas, para envelhecer bem, é necessário, primeiramente, admitir que está envelhecendo, e usar isso a seu favor. E aí está o grande erro do Bon Jovi: tentando artificialmente continuar jovem, a banda não consegue soar atraente, e despeja aos ouvintes o que parece ser o pior álbum do conjunto em toda sua carreira. Mais do que um disco pouco proveitoso, “What About Now” apresenta um resultado que constrange, principalmente ao levarmos em consideração que se trata de algo vindo de uma banda gigantesca.

Embora já tenho feito a sua história, tendo se apresentado, lá nos anos oitenta, como a líder do chamado “rock de arena”, a banda Bon Jovi está precisando provar algumas coisas. Primeiro, porque a qualidade de seus lançamentos tem ruído constantemente, e já faz um bom tempo que o grupo não apresenta ao seu público um trabalho à altura de clássicos como “Slippery When Wet” e “New Jersey”. Sendo mais exato, o sucessor destes, “Keep the Faith”, de 1992, foi o último grande álbum do grupo; a partir de “These Days”, o que houve foi uma grande perda de vivacidade, com a banda envolvendo-se de forma exagerada em suas obsessões comerciais.

Amarrado a isso, podemos indagar se a continuação da carreira da banda é ainda algo positivo. Apesar de seus shows continuarem excitantes, em estúdio o Bon Jovi não vem dando sinais positivos de sua existência; é até bom pensar que a criatividade de seus integrantes se minguou, pois se não for este o problema, eles estariam rebaixando de propósito a qualidade de seu som para simplesmente ganhar dinheiro. Deve ser até deprimente, para os fãs das antigas, conferir um trabalho como “What About Now”, e convenhamos que, se é para manchar a carreira gloriosa que já foi construída, é bom que o grupo termine de vez. (Leia a resenha completa do disco)

Lista: As 10 Melhores Colaborações Musicais de 2013

ajuda

Dizem que, sem nenhuma ajudinha, as coisas ficam quase impossíveis. É por isso que as pessoas que trabalham com música, não raramente, se unem para construir seus respectivos trabalhos. Eis aqui uma lista que não poderia faltar, visto as grandes colaborações que ajudaram a construir, musicalmente, o ano de 2013. Seja com um dueto entre cantores, com interações entre banda produtor ou até mesmo com uma pequena ajuda de um amigo, os últimos meses foram repletos destas cooperações. Segue, então, a nossa lista das “10 melhores colaborações musicais de 2013”.

10. Emicida + Pitty

Emicida construiu, com “O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui”, um divisor de águas em sua carreira. Ao fabricar uma verdadeira superprodução, o artista conseguiu alcançar o grande público (até o menos receptivo ao hip hop) sem grandes dificuldades, mesmo sem abandonar as suas raízes. O ponto mais proeminente de aproximação do músico com a música pop mora na assertiva parceria com a baiana Pitty, que gerou a ótima “Hoje Cedo”. Uma semi-balada tristonha, a canção insere o rapper em um cenário roqueiro, em que a audição facilitada e, por consequência, a grande possibilidade de atingir o público, são mostradas em altíssimo nível.

09. Alex Turner + Josh Homme

Várias colaborações no mundo musical são uma via de mão dupla. Um exemplo claro disso está na parceria entre Alex Turner (líder do Arctic Monkeys) com Josh Homme (líder do Queens of the Stone Age). Se Tuner já havia participado de “…Like Clockwork”, último álbum do Queens of the Stone Age, Homme foi ainda mais incisivo na produção de “AM”, quinto álbum da banda indie inglesa. Emprestando muitas das características de sua música, que fizeram o Arctic Monkeys se aproximar a passos largos do stoner rock e, consequentemente, do público norte-americano, Josh Homme ajudou os ingleses a construir mais um aspecto sólido da tão comentada “evolução sonora” da banda.

08. Wado + Marcelo Camelo

Contando com a produção de Marcelo Camelo, Wado bordou em “Vazio Tropical”, seu sétimo disco, mais um capítulo de desgarramento do passado. Deixando os rumos coloridos de seu som para uma outra oportunidade, e até fugindo do teor experimental que vinha construindo a sua obra, o compositor encarou instrumentações mais tranquilas, quase silenciosas, mas que abriram espaço para uma inquietante evolução lírica. De certa forma, ao contar com os toques de Camelo, Wado acabou construindo uma extensão do trabalho de seu produtor, atentando-se mais ao rumos líricos ao abrir um maior espaço para seções instrumentais tradicionais, trazidas do passado da MPB. “Vazio Tropical” pode até não ser o melhor trabalho de Wado, mas se caracteriza com um respiro necessário e assertivo que só a colaboração de Marcelo Camelo poderia proporcionar.

07. Black Sabbath + Rick Rubin

Em junho, quando a resenha do tão aguardado “13”, álbum de retorno do Black Sabbath, foi publicada aqui no blog, dizíamos que a produção de Rick Rubin foi fundamental para a sequência de acertos do disco: “Em suma, o cara (Rubin) fez milagre. Não é segredo para ninguém que Iommi, Osbourne e Butler estão velhos e com suas capacidades diminuídas. Tony inclusive trata de um linfoma, e Ozzy, bem… todo mundo sabe como a saúde do Madman acabou sendo prejudicada pelo uso massivo de ácidos de todas as espécies. Mas, felizmente, Rubin soube muito bem como tirar suco de laranjas velhas, fazendo com que os problemas dos integrantes passem despercebidos no disco. É claro que a energia não é mais a mesma, mas o resultado alcançado pela banda sem dúvida surpreende; no fundo, poucos esperavam por algo tão bom”.

06. Ana Larousse + Leo Fressato

E quando a colaboração ultrapassa as barreiras da música para se tornar uma grande amizade? Podemos dizer que não há nada mais genuíno que uma parceria entre verdadeiros amigos, não é mesmo? Por isso a colaboração mútua entre os curitibanos Ana Larousse e Leo Fressato torna-se tão especial: eles se conheceram há dez anos, quando cursavam juntos a faculdade de artes cênicas. Como bons parceiros inseparáveis, eles não deixariam de colaborar um com o outro logo no ano em que lançam seus discos de estreia. No fim, o que nos foi apresentado foi um resultado pra lá de sensível: tanto a colaboração de Fressato no primeiro álbum de Larousse, quanto vice-versa, se mostraram pra lá de sensíveis, trazendo consigo os mais sinceros sentimentos de amizade.

05. Haim + Ariel Rechtshaid

As garotas do Haim acabaram fazendo de seu primeiro disco, “Days Are Gone”, uma das melhores estreias do ano. Mas muito se deve ao produtor do disco, Ariel Rechtshaid, que conseguiu fazer com que as jovens irmãs mesclassem, com louvor, a música pop do passado e do presente. Encontrando um teor de sinceridade ao alocar tantas referências musicais na personalidade própria do grupo, Rechtshaid conseguiu moldar um disco deliciosamente agradável, acessível e sincero, que parece se caracterizas como uma especie de “modelo” a ser seguido por quem deseja alcançar a aclamação da crítica e do público nos próximos anos.

04. Guy Lawrence + Howard Lawrence

É possível dizer que, ao lançar o disco “Settle”, os irmãos Guy e Howard Lawrence fizeram história. Isso porque, além de muito jovens, eles conseguiram elevar a música eletrônica inglesa ao topo de uma forma como há muito tempo não se via. Próximos da música pop, e arquitetando um catálogo de canções repletos de hits, os irmãos Lawrence conseguiram unir a evolução do tato dos sintetizadores, em uma constante dualidade do velho (noventista) com o novo (atual), com a possibilidade de alcançar o grande público. Há um grande hype sobre os dois, há até mesmo quem diga que eles são os melhores produtores da atualidade, mas todo esse sucesso é facilmente explicado com o grande disco que eles lançaram. Sem dúvida, o Disclosure é uma das parcerias mais frutíferas do ano – e olha que ela está apenas começando a produzir os seus frutos.

03. EL-P + Killer Mike

Quando alocamos o disco “Run the Jewels” na 13ª colocação na nossa lista dos “30 melhores álbuns de 2013”, dissemos: “O que acontece quando dois dos melhores rappers da atualidade se unem, sem maiores pretensões comerciais, para a construção de um projeto voltado ao hip hop mais puro, totalmente distante dos modismos? Sem dúvida, o resultado é excepcional, não? Pois é isso mesmo o que ocorre em “Run the Jewels”, disco de estreia do duo homônimo integrado por EL-P e Killer Mike. Disponibilizado gratuitamente para download, o registro soa como uma despreocupada parceria entre os rappers, que se sentem à vontade para rimar sobre o mundo das drogas e a vida na noite… Mas não se engane: por trás de tanto desprendimento, há um dos álbuns mais certeiros dentro do gênero nos últimos tempos. Por quê? Sua produção é impecável, fazendo com que o objetivo seja atendido, com louvor, em apenas 33 minutos”. Portanto, não há dúvidas de que a fenomenal parceria entre EL-P e Killer Mike está entre as melhores desse ano.

02. Arcade Fire + James Murphy

Se a carreira do Arcade Fire sempre se caracterizou pelo desgarramento das ideias prontas, percorrendo novos caminhos a cada disco lançado, em “Reflektor”, o quarto álbum dos canadenses, não seria diferente. Para tanto, Win Butler e companhia recrutaram o produtor James Murphy, do LCD Soundsystem, para dar rumo às novas possibilidades sonoras da banda. Encarando o rock experimental da virada das décadas de setenta e oitenta, a música dançante e um conceito tropical, retirado das raízes caribenhas, o Arcade Fire arquitetou mais um capítulo brilhante de sua ainda curta, mas absurdamente consistente discografia… E, certamente, James Murphy foi um dos grandes responsáveis por isso ter acontecido.

01. Vampire Weekend + Ariel Rechtshaid

Quando o Vampire Weekend se viu em totais condições de esculpir o grande trabalho de sua carreira, decidiu abandonar as raízes africanas que permeavam os rumos sonoros do grupo ao convocar, pela primeira vez, um produtor de fora da banda para produzir o seu mais novo disco. Felizmente, eles escolheram a pessoa certa: Ariel Rechtshaid. No fim das contas, o agora renomado produtor, que também alcançou louvação em seus trabalhos com as garotas do Haim e com a queridinha do público Sky Ferreira, cumpriu com louvor de alocar a sonoridade do Vampire Weekend em um novo cenário. Em um misto de brilhos e sombras, melancolia e beleza, a obra-prima “Modern Vampires of the City” foi fabricada, se tornando um dos mais brilhantes discos dos últimos anos. Se é possível apontar a banda que mais evoluiu no ano, essa é o Vampire Weekend, e se considerarmos Rechtshaid como o melhor produtor de 2013, é óbvio que aqui temos, enfim, a melhor colaboração musical do ano.

Lista: Os 30 Melhores Álbuns Internacionais de 2013 [10-01]

Os 30 Melhores Álbuns Internacionais de 2013

[30-21] [20-11] [10-01]


Old10. Old – Danny Brown

Gênero: Hip Hop

Louco ou genial? Com “Old”, as perguntas que cercaram Danny Brown em 2011, por conta do sucesso do álbum “XXX”, voltaram a todo vapor. É realmente difícil entender o que se passa pela cabeça do rapper, assim como se torna impossível não se sentir atraído pela insanidade que está relacionada a sua obra. Naturalmente lisérgicas, as composições de Brown são dominadas pela esquizofrenia que engloba a figura do polêmico músico, que sempre procura aparentar despreocupação, e até certo ponto, um pouco de relaxamento… Mas não se deixe enganar pelas aparências: em seu trabalho, Danny Brown não deixa de caprichar.

É impressionante como o aspecto tortuoso pela qual a carreira de Brown é guiada acaba transformando suas obras em registros fundamentais. Mais um capítulo de uma consistente discografia, ou até mesmo o melhor até aqui, “Old” traz a imagem do rapper como uma figura velha, experiente… Uma representação que acaba, no fim, caracterizando o andamento do disco. Mesmo aprofundando-se nos mesmos temas e nas mesmas estruturas chapadas que construíram sua carreira até aqui, Brown fundamenta “Old” em um conjunto altamente consistente de rimas, construídas com cuidado apesar da atmosfera maluca e aparentemente despreocupada do registro.

Batidas velozes, versos “cuspidos”, uma ambientação obscura e a tradicional linguagem crua de Brown vão jorrando pela totalidade do álbum, construindo um resultado que, com a mais preconceituosa das visões, poderia representar um total desastre, mas que, nas mãos do talentoso Danny Brown, torna-se apenas sinônimo de criatividade.

MCII09. MCII – Mikal Cronin

Gênero: Garage Rock

“MCII”, o segundo álbum em carreira solo de Mikal Cronin, é praticamente um tratado de melodias. Construído a partir de uma nova abordagem, que se afasta do conceito que Cronin explorara em seu primeiro disco, o presente registro não é apenas um trabalho capaz de destacar o músico na cena estadunidense, mas representa com louvor as novas possibilidades do garage rock. São as mesmas guitarras, as mesmas entonações e as mesmas temáticas líricas de outrora, só que agora abraçando conjuntos colossais de melodias quentes. Se antes Cronin pautava seu trabalho na exploração de riffs ruidosos, hoje são os rumos melódicos que marcam o tom.

Apoiado em instrumentações elegantes, que esbarram nas festividades do power pop e encontram na música alternativa da primeira metade dos anos noventa uma grande inspiração, “MCII” trabalha, música após música, para prender o ouvinte de forma natural. A acessibilidade é fácil, é verdade, mas Cronin consegue atingir uma sonoridade capaz de agradar o público de massa sem rumar o disco sob esta ótica. Tudo em “MCII” parece ser um preenchimento natural de todos os elementos que envolvem o artista e sua música.

Isso porque, no fim das contas, o intenso (e assertivo) trabalho de melodias oferece a nossos ouvidos uma audição inegavelmente agradável. Os ruídos são medidos, são tratados com cautela; os tradicionais elementos do garage rock são polidos para alcançar uma dimensão cativante, tão sensível quanto o rock colorido da década de sessenta. De fato, nomes como The Beach Boys, The Zombies e The Beatles parecem aparecer em pequenos detalhes do disco, amparando as inspirações naturais em nomes com Ty Segall, Dinosaur Jr. e Teenage Funclub.

The Next Day08. The Next Day – David Bowie

Gênero: Art Rock

Embora não precise provar mais nada pra ninguém desde os anos setenta, quando construiu alguns dos melhores trabalhos da história do rock, David Bowie necessitava voltar a ativa – afinal, o mundo ainda precisa do Camaleão. Além disso, é muito estranho ver um dos nomes mais irrequietos da música mundial entocado durante tanto tempo, como se fosse um urso em pleno inverno: desde 2003 Bowie não nos presenteava com um novo exemplar de estúdio.

Mas o fato é que a hora chegou, e enfim podemos nos deliciar com um novo álbum de Bowie, independente de quanto tempo ele tenha demorado. “The Next Day” é um ótimo trabalho de retorno, conciso e consistente, que mostra que o veterano músico inglês ainda tem muita lenha para queimar.

Aliás, do nosso ilustre time de veteranos não temos nada do que reclamar. Nos últimos tempos, os velhos nomes da música parecem ter recuperado a ânsia em construir grandes trabalhos, deixando claro o que é de conhecimento geral, mas muito jovens insistem em ignorar: na música, como em diversas outras áreas, idade não é documento. E é muito bom ver o grande Bowie acompanhando essa maré, criando um grande álbum e seguindo, quanto à qualidade, outros velhos nomes que têm voltado a se destacar nos últimos anos, como Paul Simon, Leonard Cohen, Bruce Springsteen e Bob Dylan.

Até porque, em “The Next Day”, Bowie recupera muitas das características fundamentais de sua música, fazendo-a soar dinâmica e camaleônica como no ápice de sua carreira. Não, “The Next Day” não está no mesmo patamar dos históricos registros de Bowie lançados lá na década de setenta, mas volta a apresentar suas diferentes facetas com uma consistência não observada nos últimos discos do músico. (Leia a resenha completa do disco)

The Electric Lady07. The Electric Lady – Janelle Monéa

Gênero: Pop/R&B

Embora artistas como Beyoncé, Justin Timberlake, Frank Ocean e The Weeknd tenham trabalhado para resgatar o velho R&B e transformá-lo em novidade, ninguém no cenário atual parece se agarrar tão bem às velharias da música negra norte-americana quanto Janelle Monéa. Indo dos clássicos da Motown às cores do OutKast, passando por nomes como Stevie Wonder, Michael Jackson e Prince, a cantora vem construindo uma carreira brilhante, que alcançou o ápice no clássico “The ArchAndroid”, de 2010, e agora vê em “The Electric Lady” uma sequência mais do que assertiva. Novamente inserida no cenário do filme “Metropolis”, de 1927, Monéa revitaliza a música do passado interpretando a androide Cindi Mayweather, em uma constante batalha entre o velho e o novo, a máquina e o humano.

Mesmo em um ambiente futurístico dominado por robôs, a artista consegue discutir temas extremamente humanos, fazendo com que Cindi Mayweather seja inclusive atingida pelo amor. Com lirismos impecáveis, que transitam entre temas tradicionais da música pop, mas que encontram uma novidade constante com sua ambientação em um cenário de ficção científica, o álbum transita entre o melhor do pop atual e a soul music de décadas atrás com invejável fluência. Monéa, indubitavelmente, sabe utilizar das melhores influências e ao mesmo tempo imprimir sua personalidade, com um andamento sonoro em que tudo soa certeiro e natural. Em poucos segundos, ela vai dos anos sessenta até o futuro sem que sequer percebamos tal amplitude.

É entre canções certeiras e participações mais do que pontuais que “The Electric Lady” vai se desenvolvendo. Nomes como Prince, Erykah Badu, Solange, Miguel e Esperanza Spalding ajudam a tornar o disco um verdadeiro quebra-cabeça de estilos, épocas e vertentes, vagando em proporções épicas por gêneros como hip hop, soul, rock, gospel, jazz e funk.

M B V06. M B V – My Bloody Valentine

Gênero: Shoegaze

É até surpreendente, de alguma forma, falar sobre o álbum em questão. Afinal, ao longo de duas décadas, o terceiro álbum do My Bloody Valentine passou de uma quase certeza a uma das maiores lendas da música contemporânea. Pode parecer incrível, uma ficção pós-apocalíptica, mas aqui finalmente ele está, mais de vinte anos após o lançamento do memorável “Loveless”. Eis aqui, enfim, o terceiro e tão aguardado álbum do quarteto liderado por Kevin Shields.

Mais do que as distorções sonoras que formam a identidade musical do grupo, a carreira do My Bloody Valentine parece ser, constantemente, atingida por distorções temporais. Tanto que nem “Loveless”, ápice artístico do grupo, deixou de ser relativamente atrasado: o registro precisou de mais de três anos de produção para ser finalizado, além de ter exigido um investimento tão alto que quase levou a Creation Records a falência. Agora (ou melhor, durante os últimos vinte anos), desgarrados de qualquer gravadora, Kevin Shields e seus pupilos entregam ao ouvinte um trabalho independente, lançado via web, mostrando tudo o que o grupo pensara, prepara e gravara durante todos esses anos que passaram.

Embora muita coisa tenha mudado do lançamento de “Loveless” para cá, é indiscutível que a força do My Bloody Valentine continua inalterada. Mesmo sem abandonar a sonoridade tradicional da banda, arquitetada em seus dois primeiros álbuns, o grupo irlandês, ciente da grande passagem de tempo, faz de “M B V” um registro que vai além de uma simples continuação de “Isn’t Anything” e “Loveless”. Kevin Shields, felizmente, não deixou de experimentar, de voltar o seu olhar para o futuro, enquanto tenta construir, com sua guitarra atmosférica, a perfeição dentro do shoegaze; por mais que diversas bandas novas, influenciadas pelo que o My Bloody Valentine fizera antigamente, tenham atingido um ineditismo maior dentro do gênero, não há como negar a grande novidade incluída dentro de “M B V”. Além de um conciso conjunto de nove canções, o novo álbum insiste em querer acrescentar, a cada instante de sua duração, algo a mais para a já consagrada sonoridade da banda, seja com novos experimentos ou com uma fantástica intensidade sentimental. (Leia a resenha completa do disco)

Shaking the Habitual05. Shaking the Habitual – The Knife

Gênero: Synthpop

Álbuns de música, quando bem intitulados, conseguem passar através de seu nome muito de seu conceito. O que dizer, portanto, de um álbum intitulado “Shaking the Habitual”? De fato, o que os irmãos Karin e Olof Dreijer desejam com o novo do álbum do The Knife é mexer com o que é considerado habitual. Fugindo de todas as obviedades possíveis, os suecos entregam a seus ouvintes não apenas um resultado positivo para toda a expectativa instalada em torno do lançamento, mas mais um clássico da música eletrônica. Conseguindo alcançar até mesmo o nível épico de “Silent Shout”, o duo surpreende o público mais uma vez.

Tematicamente mais coletivo que os demais álbuns do The Knife, “Shaking the Habitual” abandona o íntimo de seus criadores para ser construído acima da proposta que aborda “o fim da riqueza extrema”. Discutindo os rumos econômicos do mundo, bem como as crises que assolam vários países pelo globo, Karin e Olof Dreijer discutem a desigualdade tão bem quanto qualquer artista da música folk ou do hip hop. O disco realmente implementa novas possibilidades às gastas bases do synthpop, manuseando a música eletrônica de uma forma completamente inventiva, procurando fabricar, acima de tudo, uma musicalidade regada à novidade.

Desconstruindo sons, capturando vozes obscuras e passeando por inúmeras vertentes da música mundial, seja eletrônica ou não, o que o The Knife acaba alcançando, em “Shaking the Habitual”, uma atmosfera densa, complexa e deliciosamente ineditista. Nada soa repetitivo, programado, e até as inspirações são difíceis de ser captadas. É como se os suecos almejassem um espaço próprio dentro da música mundial, trabalhassem duro para se tornar intocáveis e conseguissem o resultado esperado sem nenhuma dificuldade. Mais do que buscando a evolução de seu som, o duo procura a louvação do público… E trabalhando de forma magistral, como seria possível não encontrá-la? Se você já era fã do The Knife, sinta-se homenageado pelo duo; se você ainda não é, então não perca tempo e aprenda logo a ser.

Loud City Song04. Loud City Song – Julia Holter

Gênero: Art Pop

Até as mais agitadas cidades encontram na madrugada um cenário silencioso de recolhimento. A intensidade do dia, com seus sons permeados pelos raios do sol, dá lugar à madrugada e sua total escuridão. Pessoas apressadas e automóveis em um vai-e-vem constante acabam se recolhendo em seus aposentos, e poucos se encorajam a enfrentar as ruas tomadas pelas trevas enevoadas expelidas pela atmosfera noturna. Enfrentando esse cenário obscuro e misterioso, Julia Holter arquiteta o que é não apenas o seu terceiro disco, mas o que parece ser, até hoje, sua maior obra. “Loud City Song” é um tratado sobre o silêncio e as sombras trazidas pela noite.

Se o que se pede, portanto, é um teor atmosférico, saiba que Julia Holter demonstra dominar como poucos artistas as texturas possibilitadas pelos sons sintéticos. Domando com primor os sintetizadores (ela inclusive tem feito shows com um equipamento gigantesco), a musicista encontra em uma perfeita ambientação musical uma adaptação certeira dos inventos setentistas de Brian Eno. As inspirações, porém, encontram no formidável manuseio de Holter um verdadeiro sentido de novidade, amplificado pelo modo enevoado em que as canções são trabalhadas.

Outro grande êxito de Holter é saber tornar “Loud City Song” um registro acessível. E o impressionante é perceber que isso acontece logo no trabalho mais obscuro da artista: apesar de mais “coloridos”, tanto “Tragedy”, de 2011, quanto “Ekstasis”, de 2012, não conseguiram alcançar de forma tão certeira os sentimentos do público quanto o presente registro.

Yeezus03. Yeezus – Kanye West

Gênero: Hip Hop

Dono de uma das mais competentes e inventivas discografias dos últimos tempos, Kanye West cada vez mais se destaca como uma das mentes mais privilegiadas da música atual, produzindo discos com maestria e se postando como um dos melhores rappers da história. Embora sua música se agarre a exageros, sendo o músico excêntrico e polemizador, não há como negar a qualidade criativa da carreira em estúdio que ele vem construindo desde 2004: álbuns como “The College Dropout”, “Late Registration”, e “My Beautiful Dark Twisted Fantasy” se comportam como verdadeiros clássicos modernos, e não apenas do hip-hop, mas da música mundial em geral.

“Yeezus”, o sexto álbum solo do artista, pode não ser o melhor, mas é o mais surpreendente exemplar de seu catálogo até agora. Algo que poderia ser até considerado normal para um músico que trata de construir um universo único em cada álbum, explorando suas ideias efervescentes ao costurar com capricho uma colcha de referências retalhadas, sendo influenciado e influenciando diversos artistas. Mas, ao conferir os primeiros segundos do novo álbum, percebe-se nitidamente que o cara tratou de se superar como nunca; “Yeezus” tenta reconstruir a imagem de West ao desconstruir tudo o que ele havia feito até agora, fazendo com que ele renasça quando alguns esperavam, erroneamente, uma continuação do que havia sido apresentado em ”My Beautiful Dark Twisted Fantasy”.

As batidas sintéticas da primeira faixa, ”On Sight”, já procuram dar o tom da sonoridade do disco, um legítimo álbum futurista e experimental, utilizando (e criando) o que há de mais atual na cena atual do hip-hop. Embora, em um primeiro momento, o cenário possa ser relacionado ao que se desenvolvera em 2007, no álbum “Graduation”, aos poucos o ouvinte vai sendo levado a uma atmosfera ineditista, se afastando da “pessoa Kanye West” para ser envolvido pelo universo que rodeia o compositor. Algo curioso, ao percebemos que “Yeezus” se trata de um disco mais “solitário”, com menos participações… Talvez Kanye West esteja vivendo um processo de mudanças, tanto pessoais quanto artísticas, e anseie desgarrar-se (mas não por completo) da imagem egocêntrica que construiu. (Leia a resenha completa do disco)

Reflektor02. Reflektor – Arcade Fire

Gênero: Indie Rock

Um dos maiores méritos do Arcade Fire é a sua incrível capacidade de se reinventar. Além de ser uma das pouquíssimas bandas que contém apenas ótimos exemplares em sua discografia, o grupo pode gabar-se de nunca ter estacionado no lugar-comum. Quem esperava, em 2007, que eles utilizassem as aclamadas bases de “Funeral” para construir a continuação de sua carreira, acabou se esbarrando em “Neon Bible”, um disco que parecia já deixar muito claros os conceitos pregados pelo coletivo canadense. O Arcade Fire não teme em percorrer novos caminhos, mesmo que isso signifique o abandono de fórmulas que deram, no passado, um ótimo resultado. E agora, depois de ganhar o Grammy de melhor álbum do ano de 2010 com “The Suburbs”, a banda investe mais uma vez na mutação ao percorrer uma epopeia dançante em “Reflektor”, o quarto disco de sua carreira.

O conceito do disco começou a ser construído, primeiramente, a partir de uma viagem realizada por Win Butler e Régine Chassagne ao Haiti, terra-natal da família da musicista. Considera por Butler como uma experiência que mudou a sua vida, a permanência do casal no país mais pobre das Américas abriu-lhes as mentes a uma visão de mundo que jamais haviam experimentado. Mergulhando sem temores na cultura daquele povo tão sofrido, tanto Butler quanto Chassagne encontraram, mesmo em meio a tantas dificuldades, uma tradição musical pautada na dança e na alegria. Se em seu trabalho anterior a banda havia ficado presa aos subúrbios onde seus membros cresceram, agora, com “Reflektor”, há o desgarramento das raízes para a conquista de uma percepção mais universal. Não faltam, portanto, toques tropicais e de descendência africana às bases do registro.

Mas como Win Butler já avisava tempos antes do lançamento do disco, “Reflektor” não é uma mostra do Arcade Fire tocando música haitiana. Há uma constante incorporação de elementos caribenhos, é verdade, mas estes flertes formam apenas uma parte do generoso quebra-cabeça de inspirações que fomenta o trabalho. Presença mais do que atuante durante os processos de gravação, o produtor James Murphy, do LCD Soundsystem, coligou de forma absolutamente assertiva seus rumos eletrônicos com a sonoridade característica da banda canadense. Ansiosos por elevar ao épico os toques sintéticos que permearam ”Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)”, a penúltima faixa de “The Suburbs”, os membros da banda não pouparam interesse no casamento do Arcade Fire com as pistas de dança. (Leia a resenha completa do disco)

Modern Vampires of the City01. Modern Vampires of the City – Vampire Weekend

Gênero: Indie Pop

É curioso como a melancolia do nosso cotidiano pode se apresentar atraente: tudo depende do ponto de vista. Os cenários urbanos, repletos de ruído e concreto, podem se tornar poéticos se imprimirmos um olhar diferente ao mundo que nos cerca. Esquinas podem se tornar versos, rimando as ruas que se encontram. Muros se tornam melodias, e os congestionamentos uma grande sinfonia. Para tanto, porém, um olhar extremamente sutil torna-se necessário… Só com uma enorme sensibilidade névoas de poluição conseguem ser transformadas em nuvens de aroma suave.

Com “Modern Vampires of the City”, o Vampire Weekend faz do mundo atual o cenário para uma obra de arte. Encontrando nas paisagens urbanas de Nova York o limiar de uma sonoridade afetuosa, Ezra Koenig e sua banda conseguiram transformar um álbum vanguardista, recheado de experimentalismos, em um dos registros mais cativantes dos últimos anos. Através de passeios por praças, ruas e avenidas, entre multidões de pessoas e filas de automóveis, aspectos da vida moderna são tratados com imensa assertividade pela banda, mesclando letras, melodias, coros de vozes e seções de percussão com brilhantismo para construir um registro que a todo instante parece tender ao épico. Dos primeiros segundos de “Obvious Bicycle” ao silêncio final de “Young Lion”, tudo parece ser tomado por uma áurea que transcende entre o pueril e o grandioso.

“Modern Vampires of the City” não é só mais um álbum surpreendente… É um disco mágico, que excita através de seu inteligentíssimo jogo de detalhes. Seja em seções tomadas pelos elementos da música pop, ou em canções que parecem ter saído dos ares mais coloridos da música sessentista, pequenos detalhes instrumentais e vocais rumam o trabalho rumo a seu magnífico resultado. No fim, um conjunto seminal se apresenta, saindo de proporções tímidas para alcançar uma verdadeira explosão musical.