20. De Dentro da Gaveta da Alma da Gente – Fernando Temporão
Gênero: MPB
Fernando Temporão não é o único músico brasileiro que abre a gaveta de sua alma para arquitetar sua carreira, mas ao explorar um conjunto que se afasta das mesmices da música introspectiva, o artista carioca faz de seu primeiro disco um convite a uma dança alegre e suave, distante das agonias e do cenário negro que muitas vezes se instalam na música autoral. Tristezas sempre existem, é verdade, mas por que não explorar os aspectos da vida de uma maneira mais positiva? Com um delicioso jogo instrumental, que passeia por diferentes gêneros da música e mantém, ao mesmo tempo, a unidade do disco, Temporão nos convida com “De Dentro da Gaveta da Alma da Gente” a folhar aquelas fotografias que retratam a beleza muitas vezes escondida do nosso dia-a-dia.
Com letras que se comportam como verdadeiros retratos, recortes do cotidiano do compositor, a base lírica é adornada em total comunhão com os rumos sonoros. Aproveitando a produção de Kassin, Temporão borda um minucioso conjunto de bases instrumentais sólidas, que vagam do moderno ao pueril em um sentido de total naturalidade… Em poucos segundos, há mudanças de gênero e direção, mas sempre mantendo um caminho a ser seguido. A música tropical, com o calor característico do Brasil, é aproveitada pelo compositor como a delineadora total de uma musicalidade rica, repleta de elementos. Do jazz ao brega, Temporão consegue fazer de seu primeiro álbum uma concisa viagem sonora.
Ao mesmo tempo (e talvez aí está a grande interferência de Kassin), o disco sabe soar pop. Seja com números serenos ou com acompanhamentos eletrônicos, Temporão, acompanhado de seu ótimo senso lírico e de seu vocal acolhedor, torna os objetos da gaveta de sua alma um bem comum, oferecido para as mãos dos ouvintes. Afinal, não é preciso falar difícil, com extremo simbolismo, para expor ao público os mais íntimos sentimentos.
19. Impossível Breve – Jennifer Souza
Gênero: MPB/Folk
Como é bom acompanhar, agora com mais evidência, a bela voz de Jennifer Souza. Ainda que se destaque na banda Transmissor, elogiado grupo mineiro do qual ela faz parte, só um trabalho solo seria capaz de demonstrar, em totalidade, todo o talento detido pela jovem. Seja com suas letras inteligentes ou com seu vocal sensível, Jennifer encontra o complemento natural e necessário de sua carreira ao encarar “Impossível Breve”, seu primeiro disco totalmente seu. Refletindo seus próprios anseios e suas emoções mais íntimas, a musicista borda um disco inegavelmente bonito, que passeia livremente por um cenário agridoce em um exercício certeiro de encantamento.
A voz e as letras pertencem a Jennifer Souza, os temas líricos são intimistas, mas ela faz certo ao não negar os elementos que vêm construindo sua carreira junto ao Transmissor. Pequenos nós musicais provenientes da banda ajudam Jennifer a amarrar suas inspirações, tecendo uma teia dinâmica e envolvente. Adornando os vocais, que formam, no fim das contas, o elemento mais destacável de “Impossível Breve”, a base sonora caminha sem tropeções ou escorregadas por um musicalidade fina, pomposa, que às vezes é capaz até de nos fazer lembrar dos mais refinados ensaios da bossa-nova. Sobram toques de jazz, o indie rock do Transmissor serve como um ponto de partida, e o folk soturno mostra-se um chão… Mas e os clássicos da música mineira? Encontram-se representados, é claro, naquela velha e boa readaptação dos elementos plantados por Milton Nascimento e Lô Borges lá nos anos setenta.
A própria participação de seus companheiros de Transmissor auxilia Jennifer ao produzir a sucessão de acertos do seu primeiro disco. Sim, a voz dela é encantadora, mas o que seria dela sem o acompanhamento de belíssimos arranjos? Talvez acompanhando o processo construtivo do disco, as temáticas também parecem partir do pessoal rumo ao coletivo. Embora representem passagens íntimas da cantora, as bases líricas vão aos poucos tornando-se retratos familiares, para que, no fim, todo ouvinte possa ser atingido pelas nuances pregadas pela compositora.
Gênero: MPB/Post-Rock
Ao passear pelo oceano musical do primeiro disco da banda carioca Baleia, uma pergunta torna-se inevitável: como isso tudo é possível? Muito mais do que uma alegria, é uma bênção existir um novo grupo brasileiro disposto a encarar arranjos primorosos. Desde o cover refinado de “What Goes Around… Comes Around”, que apresentou o coletivo aos quatro cantos do Brasil, o que adorna a Baleia é a grande expectativa de haver, dentro daquele sexteto, um dos melhores projetos musicais desta década.
O processo lento que envolveu a produção de “Quebra Azul” pode até ter decepcionado alguns, ainda mais nesses tempos em que a regra parece ser “consumir com rapidez”. Mas os mais pacientes foram recompensados. A lentidão, aliás, se tornou uma grande aliada do conjunto, que pôde conhecer melhor a si mesmo à medida em que os dias passavam. Em dois anos, eles foram se distanciando dos toques jazzísticos para experimentar um conjunto bem mais amplo de referências, em um sentido mais do que correto de expansão. Com tanta sensibilidade em mãos, os músicos souberam como se apresentar a novos cenários, possibilitando novas possibilidades e uma riqueza cada vez maior de detalhes à sua base musical.
Ouvir “Quebra Azul” é ser, enfim, envolvido pelos detalhes. Em meio a uma fluidez tão dinâmica, que cria paredões de sons instáveis, que se transformam em poucos segundos, fica até difícil saborear tudo em apenas uma oportunidade. A cada nova audição, um novo conjunto de detalhes se revela, tornando o disco cada vez melhor. De fato, a salada musical de “Quebra Azul”, com suas variações entre o simples e o complexo, passeando por diversas vertentes, cria uma atmosfera sedutora de infinitas nuances. Impossível não se sentir provocado por tudo que o álbum proporciona.
17. Beija Flors Velho e Sujo – São Paulo Underground
Gênero: Avant-Garde Jazz
Como é difícil explicar o som do São Paulo Underground, deixemos que o próprio Rob Mazurek cumpra este papel: segundo ele, “o som precisa ser dividido, quebrado, batido, acariciado, beijado, afundado, enterrado e catapultado para novas dimensões de modo que inicie um diálogo entre universos”. Eita… Como diziam naquele antigo programa, senta que lá vem história!
Para início de conversa, é preciso que se deixe bem claro o conceito de “Beija Flors Velho e Sujo”: em contraponto ao passado do projeto, o novo disco é bordado para ser “acessível”. Para se ter uma ideia, existe até uma clara homenagem a Ivete Sangalo na quinta faixa do álbum, “Evetch”. Mas como pode um registro de jazz experimental soar de fácil acesso ao público em geral? Aí mora o “diálogo entre universos” citado por Mazurek. Todo o disco é formado por um conjunto fantástico de arranjos que amarram, a todo instante, o Brasil de Maurício Takara e Guilherme Granado com os Estados Unidos de Rob Mazurek. Pois é pegando carona nos elementos do tropicalismo, brincando com os ritmos quentes e as cores vivas do nosso país, e até flertando com melodias carnavalescas, que o São Paulo Underground faz com que os mundos do pop e do experimental, tão distantes, possam conversar entre si.
De resto, os mesmos êxitos instrumentais que já haviam sido apresentados em outras oportunidades se fazem presentes, não abandonando, porém, o teor de inovação que sempre caracterizou o projeto. A corneta de Mazurek voa pelo disco, costurando coloridas vestimentas sonoras do início ao fim do registro, enquanto Takara e Granado trabalham como operários, pedreiros, assentando os tijolos sobre os quais seu companheiro norte-americano se aventurará. Das programações eletrônicas brilhantemente construídas, das percussões que dão ao disco a cara da música brasileira, provém toda a base capaz de fazer o São Paulo Underground encarar, mais uma vez, a louvação. Seja aqui no Brasil ou nas terras do Tio Sam, o que não falta é gente elogiando toda a invenção proposta pelo trio.
16. Vamos pro Quarto – Cérebro Eletrônico
Gênero: Rock Psicodélico
A banda paulistana Cérebro Eletrônico nunca foi de esconder o jogo, e em “Vamos pro Quarto”, seu quarto álbum, o conceito fica claramente exposto logo na capa. Representando a pintura “O Jardim das Delícias Terrenas”, fabricada em 1504 pelo artista holandês Hieronymus Bosch, a imagem representa um erotismo místico que chocou o público da época. Para a Cérebro Eletrônico, em 2013 a orgia pode ser representada em forma de música, e “Vamos pro Quarto” parece se comportar como um verdadeiro tratado dos prazeres mundanos. Segundo os paulistanos, a ida ao céu ou ao inferno é apenas um detalhe irrelevante, e os aspectos nada inocentes da vida devem ser aproveitados ao máximo.
Concordando ou não com os caras, é inevitável sentir-se atraído pelas bases que compõem o presente registro. Ao propor uma viagem lisérgica pelos cenários mais errôneos da cidade de São Paulo, a banda cheira os perfumes das prostitutas da Rua Augusta e compartilha garrafas de pinga com mendigos debaixo de um viaduto… Nojento, não? Que nada! Como se, de uma hora para a outra, todo o aspecto cinzento da metrópole se transformasse em um bonito conjunto de cores, a Cérebro Eletrônico consegue levar beleza aos cenários mais inimagináveis.
Um disco improvável, instigante e deliciosamente inventivo, “Vamos pro Quarto” aproveita do leque infinito de possibilidades do rock psicodélico para brincar com o desconhecido. Porém, já experiente, a banda sabe como mesclar essa base totalmente lisérgica com a música pop para torná-la de percepção próxima dos ouvintes. Verso após verso, faixa após faixa, tudo no disco parece ser minuciosamente pensado não apenas para agradar, mas para surpreender quem topa o ousado passeio proposto pela Cérebro Eletrônico.
Gênero: Chillwave
Renovação é a palavra-chave do primeiro registro de longa duração do Dorgas. Ainda que as bases dos EP’s anteriores se façam presentes, “Dorgas”, o álbum, é levado em consideração pelo quarteto como uma grande experiência de descoberta. Cada vez mais distantes do jazz chapado das primeiras músicas, ou até mesmo do rock, Cassius Augusto, Eduardo Verdeja, Gabriel Guerra e Lucas Freire abraçam os rumos atuais da música eletrônica estrangeira para construir uma obra feita para dançar. Recheado por vertentes como chillwave, dream pop, madchester, Miami bass e new wave, o disco pode até soar como um registro feito por hipsters para hipsters, mas mesmo assim se caracteriza como um dos registros mais inventivos dos últimos tempos da música brasileira.
Como se aproveitasse o cenário Lo-Fi popularizado por Silva no disco “Claridão”, o Dorgas não deixa de apresentar elementos novos à música tupiniquim. As bases chapadas do Primal Scream no clássico “Screamadelica” parecem ganhar contornos verde-amarelos, dando um significado tropical aos sintetizadores do hemisfério norte. No fim das contas, o álbum de estreia do Dorgas é uma trilha sonora perfeita para as festas mais intensas do litoral brasileiro nos dias quentes de verão… Um disco regado a muita energia, diversão, descontração e, é claro, drogas sintéticas… Ou você achava que o grupo tinha esse nome devido à numerologia?
Pois saiba que do título à capa, todo o conceito do disco é perfeitamente representado. Com sua sonoridade quente e envolvente, o quarteto carioca vai construindo um trabalho digno de entorpecer qualquer ouvido. Melodias hipnóticas, efeitos psicodélicos e vocais distantes – que funcionam como mais um elemento em meio à salada instrumental – fazem com que a ingestão de alucinógenos nem seja necessária para a perfeita contemplação do registro. Sim, o Dorgas quer te entorpecer, e se eu fosse você, deixaria ser levado por essa agradável experiência.
Gênero: MPB
Uma figura ímpar da nossa música, o catarinense-alagoano Wado nunca se contentou em permanecer no mesmo lugar (e olha que tal afirmação nem leva em consideração aspectos geográficos, visto que ele é um sulista radicado no nordeste). As mais importantes mudanças de direção estão, definitivamente, nos rumos de sua carreira; afinal, o artista sempre tentou fazer de seus registros trabalhos únicos, diferentes um dos outros tanto em estilo quanto em conceito. Desde sua parceria com a banda O Realismo Fantástico até os toques sintéticos que permearam o aclamado álbum “Samba 808″, a carreira de Wado se comporta como uma das mais inventivas e produtivas da cena alternativa nacional.
“Vazio Tropical”, o sétimo disco de sua carreira, pode até ser considerado como o menos surpreendente exemplar de sua discografia, mas apresenta mais um ponto de desgarramento. Novamente, Wado convida o ouvinte para um exercício quase hipnótico de esquecimento do passado, deixando de lado os conceitos que haviam construído seus álbuns anteriores: nada do suingue de “Terceiro Mundo Festivo”, tampouco a herança africana de “Atlântico Negro” e muito menos o rumo eletrônico de “Samba 808″. Pra variar, Wado faz de seu novo álbum um conjunto de novas abordagens, ao costurá-lo com texturas muito mais calmas e intimistas.
Ao investir em uma sonoridade basicamente acústica, Wado renuncia a utilização da base dançante que havia construído grande parte de sua carreira até agora. Afinal, “Vazio Tropical” é uma obra serena, tocada pela sutileza, buscando na MPB da década de setenta muitos dos conceitos que a constroem. Mas estaria o músico, ao investir em antigas ideias, abandonando a veia experimental que tanto tem caracterizado sua carreira? Talvez a grande surpresa de “Vazio Tropical” esteja justamente no fato de sua sonoridade não surpreender: enquanto todos esperavam mais uma obra inventiva, Wado utiliza-se do encontro da atual com a velha MPB para construir mais um cenário de evolução da sua carreira. (Leia a resenha completa do disco)
Gênero: Jazz/Afrobeat
O segundo álbum do Bixiga 70 é colossal. Procurando representar em estúdio as apresentações incendiárias do conjunto, o registro passeia por uma infinidade de referência do jazz e do afrobeat em um sentido de completa expansão. Ainda que mais ameno que o álbum anterior, o presente registro propõe uma viagem pelo Brasil, pela África e pelo hemisfério norte a fim de encontrar o crescimento definitivo do conjunto.
Naturalmente tropical, o álbum encontra em uma musicalidade quente, que não decai em nenhum momento, um ponto de rápida afirmação. Envolventes, as canções nos prendem de forma com que nos sintamos parte integrante do projeto, espectadores de uma apresentação ao-vivo. Acertando em cheio no conceito e alcançando sem nenhuma dificuldade o resultado desejado, o segundo disco do Bixiga 70 se comporta como um dos grandes clássicos jazz nacional, implementando uma sonoridade extremamente pulsante em nossos ouvidos.
Indo de Miles Davis ao carimbó, dos cenários arenosos da África à paisagem cinza da capital paulista, o Bixiga 70 parece não querer se prender a rótulos. Percorrendo várias vertentes da música experimental e avançando a largos passos além das fronteiras de São Paulo, a big band cumpre com louvor o papel de construir uma obra universal, pra lá das noites do Baile do Bixiga.
Gênero: MPB/Folk
Desgarrar-se das raízes é sempre uma boa oportunidade para encontrar melhor o que há no interior. O carioca Rubel, enquanto estudava cinema na cidade de Austin, no Texas, viu seu íntimo se aflorar na composição de “Pearl”, seu primeiro disco. Uma união da MPB carioca com o folk texano, o álbum se comporta não apenas como um toque de novidade na tradicional música tupiniquim, mas, principalmente, como uma genuína explosão sentimental.
Provavelmente o músico mais brasileiro mais próximo da musicalidade confessional de Nick Drake, Rubel aborda, com um formidável conjunto de acordes, a sua genuína base sentimental. Tratando da profundidade de seus sentimentos, mas conseguindo tocar a alma dos ouvintes, o jovem arquiteta uma imensidão sonora capaz de ser apresentada em apenas sete faixas, em pouco mais de trinta minutos.
“Pearl” não é um álbum inovador. Tem como base apenas a voz e violão de Rubel, e reflete, basicamente, a união das tradições brasileiras e norte-americanas… Mas mesmo assim está entre os trabalhos mais assertivos dos últimos anos da MPB. Por quê? Convenhamos que, para a nossa música, um pouco de sensibilidade é sempre bem-vinda. Por mais que se busque o inédito, a evolução, é sempre o coração que dá as ordens. E em seu disco, o jovem Rubel parece tratar, com muita experiência, o rumos dos sentimentos. Cada acorde é um alento, cada verso é um tratado. Não pouca, mas muita sensibilidade.
Gênero: MPB
Segundo palavras de Wado, presentes no release de “Cadafalso”, o novo capítulo da carreira de Momo, o disco mostra a “coragem para mirar o abismo”. Sem grande técnica de gravação, sem encarar os modernos efeitos sonoros possibilitados pelos estúdios, o músico carioca apresenta e refina o conceito de voz e violão.
Ainda utilizando as palavras de Wado, “o disco é vivo e orgânico, resultado de uma produção que optou por usar o mínimo de ferramentas e recursos de estúdio para deixar voz e violão atuando como protagonistas. O que se ouve é uma sonoridade crua. Voz e violão sem overdubs. Funciona bonito. É quase uma massa de modelar no sentido de ser uma coisa só: o canto juntinho do violão”.
“Momo encontrou uma forma de execução rara”, continua Wado, “de se encontrar na cena atual e sua poesia – e nisso estou envolvido – encontra caminhos novos e inusitados, vezes evitando rimas e noutras nos jogando imagens bonitas, porém desconcertantes”. Se Wado sabe tudo de música brasileira, e se Momo é um dos mais respeitados artistas da safra atual, nada mais justo do que avaliar estas bonitas palavras dando uma oportunidade ao quarto álbum do carioca: sem dúvidas, é um disco que vai te encantar.