Arquivo da categoria: Entrevistas

Entrevista: Fernando Temporão

Por: Renan Pereira

Fernando Temporão é um dos mais talentosos compositores da nova geração da música brasileira. Radicado nas tradicionais rodas de samba do bairro da Lapa, no Rio de Janeiro, o músico apresentou, em seu primeiro disco em carreira solo, uma sonoridade que vai muito além do samba que o lapidou.

“De Dentro da Gaveta da Alma da Gente” foi eleito pelo RPblogging como uns dos 30 melhores discos nacionais de 2013 devido à abrangência deliciosamente pop com a qual o músico expôs traços de sua intimidade, quebrando com naturalidade aquele muro que sempre é construído contra o ouvinte quando o artista decide abordar seu próprio interior. Temporão fala simples, mas de coração.

Um nome emergente da música brasileira, Temporão volta a abrir a gaveta da sua alma nessa entrevista ao RPblogging. Nela, o artista nos conta um pouco mais sobre a sua carreira, partilhando também suas opiniões um pouco sobre os rumos da música alternativa feita principalmente no Rio de Janeiro.

Fernando Temporão

Como e quando você começou na música? Desde o princípio, você tinha certeza de que gostaria de seguir carreira como músico?

Tudo começou com um violão velho do meu pai que ficava lá em casa, encostado no canto. Acho que ter aquele instrumento ali, à mão, foi determinante pra tudo o que veio depois. Além do violão, meu pai sempre comprou muitos discos, ouvia música o tempo todo – em alto volume – e eu acompanhava de perto todo esse universo da chegada dos cd’s, os Lp’s, a coleção de discos antigos, os amplificadores, caixas de som, vitrolas… ainda lembro quando ele comprou nos Estados Unidos um cd-player de cartucho, onde cabiam 5 cd’s, foi uma revolução! A música era, portanto, onipresente. Em 1994, quando fiz 11 anos, pedi aos meus pais que pagassem um professor de violão, e essas aulas só aprofundaram minha curiosidade pela música. Meu professor era o Nelson Cerqueira, irmão do DJ Edinho, um cara que tocava numa banda de Ska muito bacana chamada Kongo e conhecia tudo de reggae. Eu, aos 11 anos, tinha nessas aulas, frequentemente, momentos de bate papo sobre música, política, futebol… tinha um lado bacana de tirar as músicas que eu queria saber tocar e um lado mais sério também, de estudo. O Nelson era um instrumentista exigente e lembro dele passar umas coisas do Bach, Villa-Lobos e até mesmo do João Pernambuco pra estudar. Acho que ainda sei tocar “Sons de Carrilhões”.

Então esse ambiente musical em casa foi fundamental, e ter aprendido a tocar violão com 11 anos foi bacana também porque a partir daí eu passei a ter alguma autonomia com o instrumento, passei a tirar músicas de ouvido e virar as tardes e noites todas tocando. Anos depois, na faculdade de Ciências Sociais, quando bateu uma crise e eu passei a questionar se era aquilo mesmo que queria pra mim, concluí que o que me dava mais prazer era fazer justamente o que eu já fazia todo santo dia: tocar violão, compor e cantar. Essa simples constatação afetiva me ajudou a sustentar essa opção pela música profissionalmente.

Você não vem de uma família de músicos, e por mais que haja sempre um apoio incondicional dos pais, viver de arte é algo muito complicado. Houve algum momento em que seus pais tentaram te convencer a investir em outra profissão e deixar a música pra lá?

Vir de uma família tradicional, no sentido das escolhas profissionais dos meus pais, tios e avós, é sempre mais complicado, porque todo protagonismo é traumático por natureza. Eu sou o primeiro e, por enquanto, único membro da família inteira a trabalhar e viver de arte. Tenho um irmão mais novo, Gabriel, que está estudando música e, quem sabe, siga o mesmo trilho. Mas embora o contexto familiar seja esse de um núcleo mais tradicional, sempre tive apoio dos meus pais pra seguir na música. Em nenhum momento eles sugeriram algo ou fizeram qualquer tipo de pressão pra que eu investisse em outro caminho. Na realidade, a pressão que sinto e sempre senti, no sentido de sustentar essa escolha, é minha mesmo, é uma cobrança que me faço o tempo todo.  Pode ser que essa paixão evidente pelo ofício que escolhi, tenha convencido eles desde cedo de que não haveria mesmo outra estrada pra mim e, além disso, meus pais sempre nutriram muita simpatia pelas artes, pela música… na realidade minha escolha parece ser muito mais um motivo de satisfação do que frustração pra eles. Isso me ajuda e me atrapalha. De qualquer forma, acho que normalmente as pessoas tendem a procurar um ofício que proporcione um equilíbrio entre a satisfação pessoal, o prazer, e o retorno financeiro. Só que os artistas costumam estar tão afetados por um amor e pela inevitabilidade de se fazer o que se faz, que esses cálculos pragmáticos ficam em segundo plano.

Como foi adentrar no mundo da música e perceber que, aos poucos, você estava tocando com gente importante e, mais do que isso: se tornando um artista importante?

Acho que esse tipo de percepção acontece naturalmente, com o tempo, com os acidentes e acertos da vida. Mais do que chegar em algum lugar ou atingir objetivos ou se tornar algo, o grande lance da vida é ter prazer com o que se faz, dia após dia, sem muita preocupação com as consequências disso. Em algum momento eu certamente vou fazer um apanhado de tudo o que fiz, mas por enquanto a sensação que tenho diariamente é a de que as coisas ainda estão começando e tenho tudo por fazer. Se no meio dessa caminhada toda alguém considerar minha música importante e relevante, acho que posso pensar que estou indo pro lugar certo. Eu me vejo, ainda hoje, subindo um degrauzinho a cada dia, conhecendo pessoas maravilhosas a cada dia, crescendo um pouco mais a cada erro e acerto e, principalmente, aprendendo a sobreviver entre os desafios que me são impostos por esse universo profissional da música. Mas é, de fato, muito bacana quando a gente pode trocar experiências com pessoas que admiramos e que são importantes pra nossa evolução.

Você tem uma raiz artística muito ligada ao samba. Trabalhou com o grupo Sereno da Madrugada e lançou um trabalho em parceria com o João Callado. Por que, no primeiro trabalho solo, você decidiu seguir outra trilha musical?

Essa é uma pergunta que tem sido feita com frequência e que, inclusive, deu a tônica para algumas críticas do disco. Senti algum grau de frustração em jornalistas que esperavam um disco de samba. Acho importante explicar:

Minha relação com o samba e com o universo do samba se estabeleceu inicialmente na Lapa, no comecinho dos anos 2000, quando entrei para a faculdade. Naquele momento, havia um clima muito forte de revalorização dos antigos compositores de samba e choro na mesma medida em que ocorria uma revitalização da Lapa enquanto espaço urbano, como se uma coisa alimentasse a outra. Novos espaços estavam surgindo, o circo voador estava sendo reconstruído, brotavam novas casas noturnas, a Lapa passou a ser um lugar minimamente seguro para ser frequentado à noite, os músicos estavam tendo novos espaços para trabalhar e muita gente nova (que era o meu caso) chegou junto para ver aquilo acontecer e fazer parte. Acho que havia um clima de novidade e uma sede de se conhecer os compositores antigos, os discos, as histórias, uma coisa da identidade carioca que sempre esteve no ar mas que naquele momento se cristalizou artisticamente. Nesse momento, nós que estávamos num nicho artístico mais tradicional – no caso a Lapa e a faculdade de Ciências Sociais – criamos o Sereno da Madrugada e começamos a tocar por ali, no centro da cidade, mas essa sede de música brasileira, de revalorização do baile, da gafieira, estava por todo lado, inclusive pela zona Sul, onde o pessoal da Orquestra Imperial, de um nicho artístico mais contemporâneo, também passou a fazer seus bailes de samba semanais. Eu estudava no centro, vivia tocando e vendo shows na Lapa, mas morava na Zona Sul, ia aos bailes da Orquestra Imperial, e acompanhava as carreiras do Kassin, do Domenico, do Rodrigo Amarante e cia. Ainda trabalhava na gravadora Biscoito Fino e convivi com Francis Hime, Áurea Martins, Herminio Bello de Carvalho (de quem me tornei parceiro), Luiz Melodia e uma turma da MPB. Então posso dizer que foram anos intensos de pesquisa musical, de ouvir, a cada semana, 2 ou 3 novos discos, estudar violão de 7 cordas, fazer shows com o Sereno e, em paralelo, ir aos shows do Los Hermanos, do Monarco, da Adriana Calcanhoto e do Élton Medeiros.

Então essa curiosidade pelo antigo (que não deixava de ser novidade para mim) convivia tranquilamente com o amor ao contemporâneo porque, de fato, essas coisas não competem, né? Eu compunha muito, mas poucas músicas eram sambas… e eu tentei bastante! A maioria das músicas tinha uma pegada mais pop, já naquela época. E segui assim, fazendo minhas parcerias com o pessoal da Lapa (Moyseis Marques, João Callado, Alfredo Del-Penho, Roberta Nistra, João Martins e etc…), fazendo os shows e gravando.

Agora, o disco que fiz com o Sereno se chamou “Modificado” e já apontava uma vontade importante de trazer ao samba da Lapa, sempre tão reverente, uma linguagem mais contemporânea… gravamos inclusive o ‘Samba a Dois’ do Camelo como uma forma de indicar isso. O samba título do disco, de autoria do Padeirinho da Mangueira, dizia “Vejo o samba tão modificado, que também fui obrigado a fazer modificação (…)” e isso era uma espécie de manifesto pra nós do Sereno. Acho que meu desejo de trabalhar com o novo está muito presente desde essa época e  posso afirmar que minha busca, com o Sereno, já era fazer mais ou menos o que fiz agora no disco solo… E, depois, com o fim do grupo, teve o disco com o João Callado que, embora seja um trabalho mais tradicional, com participação de muita gente bacana, não pode ser visto como um definidor de identidade, até porque as músicas são quase todas do João, e eu entrei mais como letrista para a estética daquele repertório bonito. Foram dois trabalhos compartilhados.

Quando resolvi fazer um meu, um disco solo que refletisse, portanto, quem eu sou musical e artisticamente, as músicas que estavam guardadas no baú eram essas que estão no disco, já estava tudo pronto, definido há muito tempo do ponto de vista da linguagem que eu utilizaria. Acho importante dissecar bastante os fatos nessa questão para que fique claro o quão natural foi fazer o “De Dentro da Gaveta da Alma da Gente”. Embora haja realmente uma diferença estética importante quando se comparam os trabalhos, não acredito em nenhum tipo de rupturas ou mudanças de trilha do ponto de vista pessoal e afetivo. A trilha desse disco é a trilha que já estava dentro de mim.

Além de trazer uma grande qualidade lírica e melódica, o disco “De Dentro da Gaveta da Alma da Gente” é um primor em produção. Quão grande foi a participação do time de produtores e colaboradores na sonoridade final do trabalho?

O Kassin e o Alberto Continentino foram importantíssimos nesse processo de construção da ‘cara’ do disco. Eu levei muitas idéias prontas, muitas coisas que eu queria que fossem feitas de uma forma específica, mas lá no estúdio nasceram tantas outras fundamentais sobre a forma, instrumentação, arranjo e etc. Acho que o diálogo com os produtores foi muito bacana, fluido, tranquilo, e o disco ficou da forma que eu gostaria que ficasse. E eu acredito muito nessa maneira de trabalhar, coletivamente, de ir criando enquanto se grava, sem muita responsabilidade ou necessidade de ter que estar com tudo pronto antes de chegar no estúdio. E tem a contribuição dos parceiros, do Domenico, que fez música e tocou no disco, do Mauro Aguiar, um verdadeiro gênio, um dos grandes letristas da música brasileira, do Verocai, que escreveu lindos arranjos de cordas… de um monte de gente.

Está satisfeito com a recepção do disco, tanto pela crítica quanto pelos ouvintes?

Olha, eu me sinto muito feliz. Embora eu saiba que a crítica é relativa e não define muita coisa, foi bacana a ter tido uma resposta tão positiva, em sites, revistas, blogs e etc. E o público surpreende sempre. A quantidade de pessoas que escrevem é muito grande. Hoje mesmo recebi um recado de um rapaz que queria a cifra de “O que é Bonito” para gravar um vídeo de aniversário pra noiva dele… é bacana quando as pessoas querem tocar as músicas. Eu sou muito crítico, comigo e com os outros… acho que mesmo com toda a satisfação, eu tendo a buscar outras coisas pro próximo disco. Mas tudo funcionou pra um primeiro projeto feito de maneira independente, temos quase 10 mil downloads de pessoas que foram ali, espontaneamente procurar meu som… a música tem circulado sem máquina nenhuma pra empurrar. A preocupação tem sido cada vez maior com um lado mais burocrático, esse lance de produção, e de profissionalizar a coisa toda, fazer grana pra bancar as próximas empreitadas.

No mês passado, você participou do ótimo “Cultura Livre”, da Roberta Martinelli. O ponto que talvez mais tenha surpreendido quem assistiu ao programa foi a sua indignação com a forma que a música independente vem sido tratada pelo pessoal do Rio de Janeiro. A gente percebe que a imprensa carioca está muito concentrada dentro de um único grupo de mídia, e esse grupo de mídia não parece muito interessado em abraçar o que está sendo feito atualmente dentro da MPB, exceto raríssimos casos. O apoio do poder público do Rio também é pequeno, infelizmente. O pior de tudo é que, acompanhando o cenário alternativo atual, se vê uma produção muito maior ligada a São Paulo, embora existam muitos artistas de qualidade no Rio de Janeiro – talvez até em igual proporção com a capital paulista. Como sobreviver a isso?

São vários problemas que todo artista independente precisa superar. Os governos do Rio de Janeiro, nas esferas municipal e estadual, até têm grana pra sustentar durante todo o ano, centenas de shows para artistas independentes, com remuneração digna e estrutura. Mas falta quem pense, quem elabore, quem conheça a cena e tenha tesão de fazer acontecer. A própria rede de SESC’s existe no Rio, mas não existe alguém lá dentro que consiga fazer um centésimo do que é feito em SP. Não sei se conseguiríamos fazer igual, porque a dimensão é menor, mas poderíamos fazer muito mais. Acho que o Rio sempre teve um protagonismo artístico e cultural no Brasil, por uma série de motivos, mas não basta ter uma cena brilhante, como temos hoje, se não há vontade dos jornalistas, por exemplo, de vestir a camisa. É preciso algum grau de bairrismo pra que as coisas aconteçam. Os poucos projetos que acontecem aqui na cidade, com estrutura e cachê, feitos por curadores cariocas, tem pouquíssimos artistas cariocas. Os espaços oferecidos, quando existem, são no esquema “dê o seu jeito”. Tudo contribui para que o artista desista de tocar e vá abrir uma cafeteria. Eu sempre disse que uma cena só se constrói com vontade política, porque isso é um ato politico de identidade local, e quando, ao lado dos músicos, existem jornalistas, empresários, produtores. Acho que em São Paulo houve mais vontade de fazer acontecer, além de todos os outros fatores que ajudam, como o tamanho da cidade, a quantidade de espaços e etc. Mas o último ano foi sensacional pro Rio. Espero que continue melhorando.

Creio que você seja um defensor do samba. Falando sobre o gênero, talvez no Brasil o mais culturalmente marcante de todos, ele anda mais sumido do que deveria, não é verdade? Embora ele se encontre muito fundido a outras vertentes, aquele samba mais clássico e puro parece engavetado nas estantes dos grandes compositores do passado. Por que, afinal, há essa impressão?

Acho que essa é uma questão de mídia e mercado. Existem diversos artistas talentosos que fazem samba tradicional e que, assim como a maioria dos compositores contemporâneos dessa “nova MPB”, não têm espaço pra mostrar o trabalho. Talvez a combalida Lapa seja o reduto único. Quando a gente fala de música no Brasil, acho que raramente padecemos de falta de qualidade. Se as pessoas não conseguem ouvir samba é porque as rádios não tocam, a tevê não toca e por aí vai. Existe um filtro de mercado muito perverso que privilegia, normalmente, o que é banal, popularesco, comercial. A Regina Casé está lá na tevê, todo fim de semana, com Péricles, Thiaguinho, Arlindo Cruz e Xande de Pilares. Esse é o único samba que as pessoas podem ouvir. Artistas como Marcos Sacramento e Moyseis Marques, dois dos maiores cantores de samba do Brasil, não estão no “Esquenta”. Não acho que o samba esteja sumido… quem procurar vai achar com facilidade no beco do rato, no semente, no samba do ouvidor, no renascença. O problema é que as pessoas procuram cada vez menos as coisas. E, como todo produto, é importante que as coisas cheguem até as pessoas. Só que não vai tocar no radio se não pagar jabá… na tevê idem. Dilemas que a internet não conseguirá dissolver em curto prazo, embora haja avanços.

Penso que, embora todo artista tenha aquela vontade de sair Brasil afora fazendo shows, não existam tantas oportunidades. Você planeja sair com a sua banda, levando sua música para os quatros cantos do país?

Com certeza o desejo é enorme. É muito frustrante não poder estar fisicamente em todos os espaços onde sei que a minha música é tocada. A internet é muito importante no sentido de fazer as pessoas conhecerem o som, mas elas querem mais, querem ver o show, o artista. Um exemplo: parte grande do meu público é de jovens do norte/nordeste que perguntam, dia sim dia não, quando estarei na Bahia, Recife, Manaus ou João Pessoa. Então é realmente muito frustrante saber que todo risco financeiro para levar a banda para fora do estado é meu. Por isso, repito, é fundamental que o artista consiga essa estrutura básica de produção para que possa circular. Mas nem sempre isso é possível. Os planos próximos, infelizmente, se restringem a Rio e São Paulo. E a esperança, tá viva, sempre.

Agradecemos imensamente a participação de Fernando Temporão. Abaixo, você tem a oportunidade de conferir “De Dentro da Gaveta da Alma da Gente”, o primeiro álbum solo do músico.

Entrevista: Leo Cavalcanti

Por: Renan Pereira

Se você ainda não conhece Leo Cavalcanti, é bom prestar atenção à nova entrevista do RPblogging. Um dos novos nomes de destaque da música pop nacional, o músico se destaca através de uma base sonora dançante, inteligente e abrangente.

Filho de Péricles Cavalcanti, Leo já tem muitos anos de experiência com a música, mas lançou seu primeiro disco apenas em 2010. “Religar”, no fim das contas, se comporta apenas como um abre-alas para sua obra maior, o disco “Despertador”, lançado nesse ano e aclamado por diversos setores da imprensa (incluindo o RPblogging).

Aproveitando o recente lançamento do “Despertador” e a evidência que o nome de Leo Cavalcanti pleiteia na música nacional, tivemos o prazer de entrevistá-lo. Na entrevista, Leo nos contou um pouco sobre seu início, suas influências, sobre os conceitos de seus discos e seus planos para o futuro recente.

Você começou a compor ainda muito cedo, acredito que muito por influência caseira de seu pai, o também músico Péricles Cavalcanti. Mas quando você teve a certeza de que trabalhar com música era o que você queria para o seu futuro?

Comecei a compor na minha adolescência. As primeiras canções foram sobre os amores não-correspondidos na época. A certeza de querer trabalhar com música veio antes disso. Desde criança sonhava em ser um cantor, além de astronauta, pintor, arqueólogo, arquiteto… Sempre fui um sonhador desde criança.

Meu pai foi fundamental na minha formação musical, claro. Vi todo o processo criativo dele de pertinho. E ele que meu deu, quando eu tinha 9 anos, meu primeiro violão. Foi aí que tudo começou mesmo. Comecei a perceber que música é uma linguagem natural pra mim.

Com certeza, Péricles Cavalcanti foi a sua primeira influência musical. Porém, outros nomes também devem ter te inspirado em seus primeiros passos na música… Quem são esses artistas?

Meu pai com toda a sua bagagem musical, que não era pouca. Ouvíamos de tudo em casa: de música brasileira dos anos 30 à Michael Jackson. De Bach a Beatles. De Clementina de Jesus a Ella Fitgzerald. Além disso, como nasci dentro do meio musical, sempre fui a muitos shows desde pequeninho. As primeiras coisas que me pegaram mesmo foi o flamenco de Paco de Lucia, Michael Jackson, Beatles e Jackson do Pandeiro.

O seu primeiro disco, “Religar”, exibiu uma constante exploração dos elementos do tropicalismo. É muito interessante perceber que um movimento que emergiu lá nos distantes anos sessenta continua inspirando tantos e tantos novos artistas. É possível mensurar a importância de nomes como Maria Bethânia, Caetano Veloso, Gal Costa e Gilberto Gil para a música brasileira?

Não considero que foram explorados em especial elementos tropicalistas neste disco – pelo menos não diretamente ou intencionalmente. É claro, ninguém que faça música no Brasil passou incólume pelo tropicalismo. É algo que influenciou a todos.

Mas vejo que “Religar” vai para outros lados. É um disco totalmente da era digital, feito de samples e batidas eletrônicas. Em termos de arranjos, creio que se direciona mais para o pop eletrônico do que pra chamada MPB. A música brasileira está mais presente na estrutura da composição – e é claro, no meu violão.

E é claro: imensurável a importância desses deuses da nossa música. Ela ainda está a se expandir, inclusive.

E como é ser elogiado por artistas do nível de Caetano, Arnaldo Antunes e Fernanda Takai? Seu ego fica massageado?

Eu fico muito feliz e honrado. São artistas que admiro profundamente. Mas não tenho vontade nenhuma e nem teria sentido ficar me gabando disso. Se “ego massageado” aqui significa algo que me estimula a continuar meu trabalho – e não “ego inflado” – então, sim. É um grande estímulo para continuar, ver meu trabalho sendo admirado por eles e principalmente pelo público.

Falando em massagem, você também já se embrenhou pelo yoga e pela massoterapia. Como essas atividades interferiram no seu modo de fazer música?

Interferiram profundamente. Musica é para mim um instrumento terapêutico. Um campo onde me conecto com o sagrado em mim. Esses estudos me abriram janelas. Sou apaixonado pela fonte de sabedoria que é o Yoga. Assim como massoterapia é um terreno de ferramentas poderosíssimas. Tenho grande curiosidade e admiração por ciências que visam a integração do ser humano em todos os seus níveis (físico, energético, emocional, intelectual e espiritual). O contato com esses estudos foram marcantes e firmou minha motivação com o fazer música.

Seu último disco, de lançamento ainda recente, é denominado “Despertador”, e traz o seu “despertar” para a música pop. Qual o motivo dessa mudança de direção, abraçando nuances sonoras mais modernas?

Não vejo exatamente como uma mudança de direção, mas sim como uma evolução natural. Meu trabalho, desde “Religar”, tem direcionamento dentro do universo da música Pop. Vejo que em “Despertador”, essa direção se consolida ainda mais – principalmente por esse disco ter uma unidade conceitual e sonora mais acentuada.

No “Religar”, foi o uso dos samples, do recurso de edição digital, que norteou o disco. No “Despertador”, o uso de sintetizadores. Nos últimos tempos, tenho ficado apaixonado pelas mil e uma possibilidades do sintetizador, e o poder delas. De possibilitar arranjos com pressão, ótimos para a pista (com os baixos synth) e também transcendentais, com um certo teor “espacial”.

Minha viagem para a Alemanha, antes de gravar o disco alimentou isso também. Ouvi música eletrônica nas rádios de lá. E adoro música pop em geral que utiliza sintetizadores, de Justin Timberlake a MGMT.

Tenho vontade de explorar muitas nuances sonoras e artísticas em geral, no meu caminho. É inevitável que cada trabalho traga algo particular do momento em que estou vivendo. Quero sempre me permitir mudar e transformar a sonoridade do meu trabalho.

“Despertador” é um disco bem comunicativo, a ponto de sua música ser denominada como “pop intergalático”. Como você define, afinal, esse pop que viaja além das fronteiras do nosso planeta?

Criei esse termo inicialmente como uma brincadeira, para quem perguntasse qual o gênero de música que faço (pergunta essa que fico sempre encabulado de responder): qual o tipo de música que vc faz? Como sei que nenhuma resposta convencional vai dar a informação, resolvi brincar com isso.

É música pop que aponta para mergulhos internos, para além dos fatos da vida cotidiana concretos. São exercícios filosóficos. Quando compus essas músicas, elas serviram para isso. Elas atuam num outro plano.

A sonoridade dos sintetizadores trazem um certo teor psicodélico e transcendental que resolvi identificar como “intergaláctico”.

Mas a música pop, além de se comunicar com o grande público, precisa fugir da redundância para ser artisticamente válida. Felizmente, a sua música se comporta muito bem quanto a inovações, com semelhanças à obra recente de nomes como Silva e St. Vincent. Esses dois artistas citados realmente foram fontes de inspiração de “Despertador”? Existem outros nomes da atualidade que te levam a tentar inovar?

Não, nenhum dos dois foram fonte de inspiração pro “Despertador”. Recentemente tenho escutado muito St. Vincent e estou absolutamente fã. Mas descobri recentemente, depois de gravar o disco “Despertador”. Silva, o mesmo, venho conhecendo melhor recentemente. A produção musical do trabalho dele é incrível.

Para mim, fazer música é um desafio onde sempre gosto de buscar o desconhecido. Traçar um caminho que não seja óbvio pra mim. Tudo o que ouço acaba fazendo parte disso. De música hindu tradicional ao R&B norte-americano.

Durante a gravação de “Despertador”, os meninos da banda estavam ouvindo muito Tame Impala. E eu fui apresentado durante a gravação e “abduzido” pelo som deles. Posso dizer que, se houve alguma banda que nos inspirou durante a gravação, foi essa.

No clipe de “Get a Heart”, você mostrou que sabe dançar e atuar. Mas o papel do artista, principalmente nos dias de hoje, em que a informação é rápida, fácil, e muito próxima do público, não pode se restringir apenas à arte… “Consciência política”, por exemplo, é um conceito com o qual você se importa?

Consciência política é algo imprescindível se você quer realmente lidar com a realidade de sua época. Não dá pra ignorar as estruturas decadentes e desequilibradas que norteiam nossa sociedade se você quer fazer um trabalho artístico realmente consistente.

Cada vez mais percebo que o que se chama de “arte” é algo tão amplo e potente, que fica difícil de limitar suas fronteiras. Percebo que inevitavelmente, quem faz arte, acaba se posicionando em outras áreas também, nem que seja de forma subjetiva, nem que não se pretenda fazer isso. Sua reverberação pode ser altamente transformadora, mudando todo o cenário a nossa volta. A arte atua no campo subjetivo, o que é fundamental para qualquer mudança objetiva que quisermos realizar.

Todos nós artistas somos, no fundo, ativistas. E é importante que, nesses tempos, possamos nos utilizar dessa virtude, cada vez mais.

Procuro me posicionar em tudo aquilo onde sinto propriedade em fazê-lo. Questões relativas a direitos humanos básicos e meio ambiente são assuntos que me envolvem e considero fundamentais. Mas ainda sinto que posso ir muito mais longe, no que tange esse assunto. Quero cada vez mais somar minha força a movimentos que considero ser realmente construtivos para a transformação dos velhos padrões limitantes que estão regendo ainda nossa sociedade.

Agora, depois de tanto trabalho para lançar o seu segundo disco, é hora de promovê-lo. “Despertador” terá a sua turnê pelo país? Reproduzir ao-vivo a salada sonora do álbum, com direito a muitos efeitos eletrônicos, é um desafio?

Estamos nesse desafio de criar oportunidades para o “Despertador” rodar o país o máximo possível. É o meu desejo tocar o máximo que der.

O show é o disco ampliado. Como o disco foi gravado quase todo ao vivo, não foi tão difícil trazer este resultado pro palco. Alguns arranjos mudaram e cresceram, ficou muito bom. Esse show é visualmente muito forte também. As projeções de imagens são protagonistas. Tem coreografia de dança no show, eu me expresso fortemente pela dança – e a ideia é cada vez mais trazer a dança pro meu trabalho. Eu diria que o show tem o aspecto intergaláctico do disco ainda mais acentuado. É uma experiência forte assisti-lo, isso eu posso afirmar.

Agradecemos imensamente a participação de Leo Cavalcanti. Abaixo, você tem a oportunidade de conferir “Despertador”, o novo álbum do músico.

Entrevista: Radiolaria

Por: Renan Pereira

Minas Gerais sempre teve um estoque interminável de talentos da música brasileira. Seja com a poesia setentista do Clube da Esquina, com o rock rural de Beto Guedes, com os ensaios progressivos do 14 Bis, ou com a explosão pop-rock dos anos noventa e o surgimento de bandas como Skank e Pato Fu, o estado do pão-de-queijo também se tornou casa de uma reconhecida música de qualidade. Atualmente, ao lado de outros projetos (como o grupo Transmissor), a banda Radiolaria se mostra como uma genuína herdeira de todo esse passado de glória, fazendo com a música que ecoa de Minas (ou da capital Belo Horizonte, mais precisamente) continue relevante frente ao cenário alternativo nacional.

Surgida no fim da década passada, a banda Radiolaria se propõe a encontrar em suas canções, sem muito alarde, o meio-termo perfeito entre o popular e o experimental. Ainda que a tarefa seja árdua, e demonstre até mesmo pretensões que poderiam ser perigosas para um grupo estreante, tudo parece acontecer com naturalidade. Seu primeiro disco, o competente e linear “Vermelho”, dá as provas necessárias para fazer do conjunto um dos projetos mais promissores da nova geração.

Entrevistamos a banda para que pudéssemos conhecê-la melhor, além de suas músicas: pois em adição às bases sonoras, sempre sentimos vontade em conhecer as ideias e as direções artísticas adotadas pelos artistas. Segue, com isso, a nossa nova entrevista, cujas respostas foram discutidas por todos os integrantes da banda e redigidas por Felipe Barros.

radiolaria

Quando a Radiolaria surgiu, e quando o projeto começou a ser levado à sério, de forma profissional?

A banda, já sob a alcunha de Radiolaria (uma vez que já tínhamos outros projetos antes, com outros nomes, e que de certa forma funcionou como embrião da Radiolaria), passou a existir “formalmente” a partir do ano de 2009, logo após termos lançado uma demo com cinco músicas (em 2008). Este talvez tenha sido o ponto de partida referente ao processo de composição, quando percebemos que era o que queríamos fazer musicalmente; compor e criar coisas novas. Neste momento, a banda passou a existir de forma mais séria e consciente, com uma proposta mais definida e um pouco mais madura, ainda que as composições do primeiro disco tenham nascido de uma forma despretensiosa e quase natural, frutos de um processo de amadurecimento e aprendizado musicais de cada um dos integrantes, especialmente dos compositores que passaram a se aventurar com mais frequência na criação de canções. Do ponto de vista da profissionalização, acho que ela veio a reboque desta fase de amadurecimento que mencionei, quase que como uma consequência natural do processo criativo, e da necessidade que sentimos de levar esses resultados ao público.

Quais são os artistas que mais inspiram o grupo?

É difícil determinar aqueles artistas que mais nos inspiraram, tanto conjunta quanto individualmente, apesar de ser possível falar sobre bandas que nos acompanham desde o início do projeto. A banda começou como uma banda de Rock, com repertório que englobava coisas do movimento sessentista britânico, como Beatles, Cream, The Who e Stones, além de coisas nacionais, como Mutantes, Secos e Molhados e Clube da Esquina.

Creio, porém, que como compositores e músicos, nosso trabalho beba em fontes bem mais diversas. Eu (Felipe Barros) e o Felipe Xavier começamos na música lírica ainda muito novos, cantando em corais, e aos poucos, com o passar do tempo, fomos conhecendo mais profundamente o rock e outros estilos, como mpb, samba, pop, música caribenha, música latina, etc. De modo que tudo isso permeia nosso universo musical, que inclusive está sempre em expansão com o contato com coisas novas.

Momento pergunta mais do que óbvia: qual seria aquele disco que a banda levaria para uma ilha deserta?

Não consideramos a pergunta óbvia não, porque se assim fosse teria uma resposta também óbvia, ou fácil (risos).

Na verdade é um exercício muito difícil esse de pegar cinco músicos e fazer com que elejam conjuntamente um disco pra que sirva de símbolo de uma grande influência numa situação hipotética como essa da ilha deserta. Creio que não conseguiríamos eleger um único disco, já que como já mencionamos, nossa caminhada musical bebeu e bebe em muitas fontes, sendo que os ídolos e seus trabalhos (discos) são muitos.

Pra não gerar confusão neste sentido, creio que ninguém iria se opor ao fato de que levaríamos o nosso “Vermelho”, ainda que de lá sentíssemos falta do “Buena Vista Social Club”, do “Revolver” (Beatles), do “Acabou Chorare” (Novos Baianos),  do “Jardim Elétrico” (Os Mutantes), do  “Medle” (Pink Floyd), do “Chega de Saudade” (João Gilberto), e de tantos outros (risos).

Sobre o processo de composição da banda, como que ele ocorre? Vocês sentam e falam “vamos compor” ou deixam as coisas simplesmente acontecerem?

As músicas têm surgido de forma variada e aleatória, quase que despretensiosamente. Na maioria das vezes, começamos pela harmonia no violão, em seguida vem uma melodia de voz, consequentemente outros elementos surgem, e com isso a letra. Temos canções que foram feitas individualmente, bem como canções em conjunto. Às vezes traz um estribilho, um riff, outro vem com um rascunho, uma poesia, ou até palavras soltas, e num segundo momento tudo isso é montado e arranjado. Outros parceiros não integrantes da banda também contribuíram com algumas letras.

radiolaria

Os anos noventa parecem ter sido bem mais receptivos a bandas mineiras, pelo menos no que tange ao sucesso comercial… Mas é claro que a situação do mercado fonográfico atualmente está extrema, tanto que muitas vezes nem as próprias gravadoras sabem qual caminho tomar. Qual é a análise que vocês podem fazer dessa situação, atendo-se ao cenário mineiro?

De fato, o mercado fonográfico sofreu enorme impacto com a questão do compartilhamento de músicas, surgimento do mp3, smartphones, etc, e concordo que o mercado, e mesmo seus mais diversos agentes, inclusive bandas, não sabem bem o caminho que tudo isso irá tomar. Mudança e inovação parecem ser as palavras de ordem e fazer previsões nesse cenário é bastante difícil.

Do ponto de vista do mercado mineiro podemos observar que a despeito da ausência de um sucesso comercial que pudesse gerar dividendos maiores aos artistas locais, e notoriedade nacional, tal qual aconteceu com Skank, Jota Quest, Pato Fu, na década de noventa, a galera da nova geração não deixa de se engajar na criação de projetos, de novas bandas, músicas, festivais, enfim, na proposição de uma ”nova” música mineira, que bebe nas fontes antigas, mas que propõe novos caminhos e tenta criar sua identidade.

Claro que a ausência de um aporte das gravadoras, especialmente no sentido de financiar a distribuição maciça dos trabalhos, além de remunerar os músicos como acontecia nos contratos de outrora, tudo isso dificulta a vida de quem procura viver de seu trabalho musical autoral. Não é nada fácil, mas acaba servindo como um divisor de águas entre aqueles que mesmo assim lutam por uma criação artística autêntica, e aqueles que pensam na grana antes de pensar na música. Não quero dizer que não se deva correr atrás do dinheiro, pois sem ele você não se sustenta enquanto artista, e provavelmente teria de largar tudo e partir pra outras profissões. Mas é interessante ver que aqueles que estão na luta pela construção de uma carreira, de uma identidade e de um espaço, estão com seu foco maior na música mesmo.

Além disso, hoje contamos com outros meios de financiamento da arte e da música no Brasil, como as leis de incentivo, assim como os financiamentos coletivos de projetos, de modo que a turma dá um jeito de se virar pra não deixar de produzir.

Vocês são a favor do financiamento coletivo para a produção de discos? Hoje em dia, até bandas experientes e conhecidas estão apelando para essa plataforma, como foi o caso recente dos Raimundos, por exemplo…

O financiamento coletivo é um meio que achamos válido pra angariar os fundos necessários aos processos envolvidos na criação musical. Muitas vezes pessoas que curtem o trabalho de um artista independente podem ajudar com uma grana e fazer com que aquele trabalho seja possível, cresça e siga adiante.

Mas creio que no universo independente possa acontecer um esgotamento da via de financiamentos coletivos para artistas que não consigam ampliar seu leque de fãs ao divulgar satisfatoriamente seu trabalho. Imagine seus vizinhos e colegas de faculdade tentando bancar todo o seu trabalho. Seria complicado. Portanto acho que quem se socorre do financiamento coletivo, que é extremamente válido, tem também que ver ele como um instrumento de financiamento da produção, mas se preocupando sempre em utilizar aquilo que foi produzido de forma inteligente e planejada, a fim de disseminar seu trabalho; o que no caso das bandas independentes pode ser feito majoritariamente pela internet.

Em um texto presente no site da banda, a seguinte citação chama a atenção: “as canções se equilibram, sem alarde, entre o popular e o experimental”. Creio que essa seja a grande chave para tornar um trabalho artisticamente válido e, ao mesmo tempo, atrativo ao público. Esse meio termo não é muito fácil de ser encontrado, não é verdade? Às vezes, as coisas se desequilibram sem mesmo que você perceba…

De fato é um ponto muito sensível este do equilíbrio popular/experimental. Não creio que tenhamos tido isso como norte no momento da criação das musicas, ou mesmo da produção do disco. Na verdade, acho que quando isso surge, esse equilíbrio, é fruto daquilo que já mencionamos, ou seja, do fato de termos fontes de inspiração muito vastas, que têm muito do popular, assim como do experimental. Creio que seja mais por aí do que por uma busca consciente de fazer algo assim. Não quero dizer com isso que não haja um direcionamento de estética na produção do disco, ou que eventualmente um dos compositores se proponha a fazer uma música mais pop ou mais experimental. Acho que tudo isso aconteceu no disco, mas de uma forma mais natural, sem uma busca rígida por esse equilíbrio.

Falando sobre o disco “Vermelho”: a perceptível linearidade das faixas foi algo pensado desde o início, ou que acabou surgindo naturalmente?

Essa linearidade estética, e de sonoridades, foi muito fruto do processo de produção mesmo, quando já em estúdio, através do ouvido atento dos nossos produtores e colaboradores na busca pelos timbres, arranjos, etc.

O disco conta com músicas que passeiam por universos distintos e mesmo estilos distintos, de forma que a busca por uma unidade estética foi importante para “amarrar” as composições e dar ao conjunto da obra algum ar de linearidade.

Como a banda espera estar daqui uns vinte anos? Com os bolsos cheios da grana e tocando no Faustão, ou com uma discografia respeitada dentro do cenário alternativo?

Na verdade gostaríamos de ambas as situações: a grana (desde que fruto de reconhecimento de um trabalho cuidadoso e muito bem feito); e com uma carreira sólida, de trabalhos artísticos de qualidade e que pudessem tocar as pessoas de forma verdadeira, sem apego a modismos ou tendências meramente comerciais.

Infelizmente parece que essas duas coisas, atualmente, não se encontram. O cenário “mainstream” sofre de uma inanição artística severa, em que o rentável comercialmente parece ser predominantemente superficial e passageiro ou até descartável.

Esperamos que esse cenário possa mudar e que as coisas voltem a se encontrar como no passado, mas, independente disso acontecer, estaremos fazendo a nossa música da forma como acreditamos.

Agradecemos imensamente a participação da banda Radiolaria. Abaixo, você tem a oportunidade de conferir “Vermelho”, o álbum de estreia da banda.

Entrevista: Romulo Fróes

Por: Renan Pereira

É com um prazer imenso que o RPblogging traz Romulo Fróes como o entrevistado desse mês de março. Integrante da vanguarda paulista, e um dos mais respeitados nomes da MPB, Romulo vem construindo uma carreira consistente desde 2001, quando lançou o seu primeiro EP. Com quatro álbuns em carreira solo, e uma incrível colaboração no seminal coletivo Passo Torto, Fróes cada vez mais se consolida como um dos músicos mais completos da cena paulistana, tendo participado de grandes obras da música – mais recentemente, do já clássico “Encarnado”, de Juçara Marçal.

romulo froes

Quando foi dado o pontapé inicial da sua carreira como músico?

Minha carreira teve início como a de tantos outros músicos, montando bandas na época do colégio. Com uma dessas bandas, o Losango Cáqui, cheguei até a lançar dois discos, que foram mais importantes para me aproximar do universo em torno da música, shows, gravações, do que propriamente para enriquecer a minha obra. Em 2001 lancei um EP com apenas quatro músicas que me serviu de diretriz para o que pretendia fazer dali em diante. Mas minha estreia mesmo acho que foi com o “Calado”, meu primeiro disco solo lançado em 2004, que já trazia minhas composições em parceria com o Clima e o Nuno Ramos, parceria essa que perdura até hoje.

Quais foram os nomes que te inspiraram no início? Estes ainda te inspiram?

Desde sempre, e em meu primeiro disco ainda mais, o samba de vertente mais triste me influenciou mais do que qualquer coisa. O modelo para as minhas primeiras canções eram artistas como Paulinho da Viola, Zé Keti, Batatinha, Cartola e acima de todos, Nelson Cavaquinho. Estes artistas ainda continuam servindo de farol para a minha obra, mas minhas canções já se contaminaram de muitas outras referências, inclusive de artistas contemporâneos a mim, coisa que não acontecia em meu início de carreira.

Já fazem treze anos que você lançou seu primeiro trabalho em estúdio. Muita coisa costuma mudar em tanto tempo… O que mudou em você, como músico e como pessoa?

Puxa vida, essa é difícil. É tanta coisa que muda em sua vida em um ano, em um mês, que dirá em treze anos! Mas se pudesse me ater a um único ponto de vista, acho que o que mais se transformou em mim neste tempo todo, foram minhas expectativas em relação a minha carreira. Estou me referindo ao seu aspecto prático, ao sucesso e a minha reavaliação do que é sucesso e principalmente ao aprendizado de se construir uma obra à margem da indústria fonográfica. O que se mantém intacto em mim nesses treze anos é meu profundo compromisso com o meu trabalho, minha incansável dedicação ao ofício de compor e meu desejo irreversível de contribuir para a canção brasileira. Mas hoje sou muito mais realista com a minha condição de artista independente, já não carrego a ilusão de uma recepção maior ao meu trabalho e nem mesmo espero que a minha obra seja posicionada historicamente na música brasileira. Aprendi a abaixar as expectativas para vencer o ressentimento.

Seu senso composicional é rotulado por alguns como “poesia urbana” – e é realmente perceptível que a cidade sempre te instigou. Muito tempo atrás Adoniran Barbosa já cantava São Paulo, mas como a cidade muda constantemente, quem deseja inserir a cultura paulistana em sua música também deve mudar a todo instante… Como você vê São Paulo no presente, e de que forma ela te inspira a evoluir como letrista?

É curiosa essa associação das minhas canções com São Paulo e penso que isso se deva muito mais a minha participação no Passo Torto, grupo do qual faço parte ao lado do Kiko Dinucci, Marcelo Cabral e Rodrigo Campos. Procure em meus discos solos alguma canção que faça menção a São Paulo ou a vida das pessoas nessa cidade, você não vai achar. É claro que somos influenciados pela vida que levamos em uma cidade como São Paulo, mas minhas canções e de meus parceiros mais habituais, Clima e Nuno Ramos, não fazem referência direta a essa condição, elas são muito mais abstratas que descritivas. Se referem muito mais a sensações, pensamentos, angústias, questionamentos, sobre a própria música brasileira e sobre a vida de qualquer um, do que propriamente se referem a nós mesmos e ao nosso cotidiano. Minha inspiração vem antes da música popular brasileira de todas as épocas, que da cidade em que nasci e vivo até hoje.

O que você pode nos dizer da sua participação no Passo Torto? Se alguém me pedisse informações sobre a banda, eu começaria dizendo que se trata de um supergrupo da vanguarda paulista… É dessa forma que vocês tratam o projeto?

Sem falsa modéstia, eu pessoalmente chamo de minha pelada semanal. É onde posso relaxar e exercitar minha composição sem a responsabilidade maior que um trabalho pessoal carrega. No Passo Torto, posso, por exemplo, me arriscar mais a escrever letras, coisa que raramente acontece em meu trabalho solo. Posso também me aproximar do trabalho desses artistas que fazem parte do grupo junto comigo e por quem tenho profunda admiração, e trazer para o meu próprio trabalho tudo o que aprendo com eles. Quando digo que me sinto mais relaxado no Passo Torto, não estou dizendo que não levo o projeto a sério, muito pelo contrário. Tenho um orgulho indisfarçado pelo que eu, Kiko, Cabral e Rodrigo estamos construindo e às vezes penso que nosso segundo disco, “Passo Elétrico”, talvez seja a melhor coisa que fiz até hoje!

Para quem está atualizado com a “nova música popular brasileira”, é impossível não citar o seu nome junto a outros, como, Kiko Dinucci, Rodrigo Campos e Juçara Marçal, dentro de um movimento de “renovação” da MPB feita em São Paulo. Mas, ao mesmo tempo, essa nova geração é muito auto-suficiente, as coisas vão simplesmente acontecendo, e fica difícil saber qual é o conceito que une esses artistas… Como você pode nos explicar esse “movimento”?

Faltou acrescentar aos artistas lembrados por você, os nomes de Marcelo Cabral e Thiago França. Este Núcleo, do qual tenho a honra de pertencer, desenvolveu meio que sem querer um modo de trabalhar em conjunto que nasceu da vontade irrefreável que todos temos em gravar discos. Um ajuda no trabalho do outro e dessa colaboração ininterrupta ainda acabam surgindo projetos paralelos como o Metá Metá, o Marginals e o Passo Torto. Não há um movimento, no sentido de haver um pensamento único em nossos trabalhos, há sim uma movimentação que como você mesmo disse é difícil de ser acompanhada. Não é comum que um mesmo núcleo criativo produza tantos trabalhos tão diversos entre si quanto o “Bahia Fantástica” do Rodrigo Campos, o “Malagueta, Perus e Bacanaço” do Thiago França e o “Encarnado” da Juçara Marçal, pra citar alguns. Acho que essa é nossa grande contribuição à música brasileira.

No ano passado, você emprestou uma composição para os curitibanos da Banda Mais Bonita da Cidade. Creio que essa interação com outros lugares, e até mesmo com outros gêneros musicais, mostra um artista que deixou de simplesmente ser inspirado por outros para se tornar uma referência. Inspirar outros artistas é sentir um “dever cumprido”?

Fico muito honrado que outros artistas se interessem por minha música, de verdade. Mas no caso da gravação da Banda Mais Bonita da Cidade a canção que eles escolheram não é minha. “Olhos da Cara”, que abre meu último disco “Um Labirinto Em Cada Pé”, interpretada lindamente à capela pela Dona Inah, é uma canção só do Nuno. Não deixa de ser curioso que uma canção de um outro autor e cantada por outra pessoa, seja identificada como uma canção minha. Mostra o quanto minha personalidade artística já se consolidou.

Você participou, através de versos, do primeiro álbum em carreira solo da Juçara Marçal – o qual considero o melhor disco brasileiro de 2014, até agora. Não foram poucos, aliás, os trabalhos de alta qualidade em que você, de alguma forma, participou… Como um defensor ferrenho da nova geração da MPB, o que você diria àquela pessoa que pensa que “a música brasileira morreu”?

Eu diria para ela ficar calada, sob o risco de se passar por tola. Pra ficar apenas no Encarnado, álbum da Juçara Marçal que você citou e do qual tenho a honra de participar com duas canções, ele não é somente um dos maiores discos lançados em 2014, é um dos maiores discos lançados em qualquer tempo! Se ele terá um reconhecimento a altura da Juçara e sua grande música, como mencionei anteriormente, não está ao alcance dela. Mas posso afirmar sem medo de errar na previsão que aquele que, por preguiça ou preconceito, deixar de ouví-lo, perderá um dos acontecimentos mais marcantes em toda a história da música brasileira.

O RPblogging agradece imensamente a participação de Romulo Fróes.

Entrevista: Bianca

Por: Renan Pereira

Não à toa, a jovem Bianca Fraga tem se tornado, ao longo dos últimos meses, uma das grandes apostas da música brasileira. Natural do Rio de Janeiro, Bianca ainda está apenas começando, mas já se destaca pelo belo senso composicional e pela doce voz. Ao som da balada “Chained”, e através das imagens do belíssimo clipe da canção, Bianca foi apresentada ao Brasil, já conquistando vários ouvidos e corações.

Ao aceitar o convite do RPblogging para ser a entrevistada desse mês de fevereiro, Bianca participa de nossa terceira entrevista, contando um pouco sobre a sua carreira, seus pensamentos sobre aspectos da música e seus planos para o futuro:

Quando o clipe de “Chained” foi lançado, a música brasileira fez da jovem Bianca Fraga uma de suas maiores promessas… Sua vida mudou muito desde o lançamento do vídeo? Você esperava, no fundo, tanta repercussão positiva?

Antes de lançar o clipe de “Chained”, eu não sabia como iria ser… É mais desafiador e complicado do que eu imaginava. Apesar do clipe e da música terem sido produzidas pela Gomus, sou uma artista independente e tenho que correr atrás de maneiras alternativas de produzir um trabalho de qualidade e com um orçamento limitado. A resposta positiva me deu um incentivo para correr mais atrás do que eu quero.

Mas é claro que se o vídeo não fosse tão bem filmado, provavelmente a repercussão não seria tão grande. A música atual, mundo afora, dá uma importância cada vez maior ao conceito “imagem”, e o artista que deseja se destacar tem que se adaptar a essa nova “regra”. Para você, qual é a importância da imagem dentro de uma carreira musical?

No meio musical, a sua “imagem” é construída não só através dos elementos característicos da música de cada artista, mas a forma como você se veste, fala e se comporta. É inevitável ter uma “imagem”. Até mesmo artistas que não querem mostrar o rosto e que não acreditam em se fazer de bonitinho pra aparecer acabam querendo ou não construindo uma imagem. Eu espero passar a minha imagem da forma que eu sou. Com muita verdade.

Alguns sites de música apontaram você como uma das grandes apostas para esse ano de 2014. Como é encarar essa responsabilidade?

É maravilhoso, mas é uma grande pressão. Quero aproveitar ao máximo esse ano.

Muitos viram nas suas composições uma grande semelhança aos primeiros trabalhos de Mallu Magalhães… Afinal, é o mesmo caso de uma menina jovem que surge cantando em inglês e com uma doce voz. Você teme esse tipo de estereótipo? Afinal, se trata da Bianca, e não da Mallu; cada artista tem a sua própria personalidade.

Não me importo muito com comparações, mas acredito que apesar de termos essa semelhança, nossos trabalhos são bastante diferentes.

Você coloca The xx e The Knife como algumas de suas principais referências musicais… Pretende, algum dia, construir algum trabalho que flerta com a música eletrônica?

Estou só começando. Claro. Quero estudar mais esse lado.

Podemos esperar, nos próximos meses, mais composições inéditas reveladas em vídeo ao exemplo de “What If”? E sobre o primeiro disco, já existe alguma previsão?

Vem material novo por aí na semana que vem. Depois disso, podem aguardar muita música. Estamos no processo de pós produção de um novo trabalho.

Se alguma grande gravadora se interessar pelo seu trabalho, você topa seguir algumas regras impostas pela indústria fonográfica? Pergunto isso porque não são poucos os novos artistas que, na ânsia de crescer, acabam atendendo cegamente as ordens de produtores…

Não gosto de fazer nada que vá contra o que eu acredito e quem eu sou. É difícil pra mim até forçar um sorriso… Imagina forçar uma música ou uma imagem com que eu não me identifique!

O RPblogging agrade imensamente a sua participação nessa entrevista. Gostaria de deixar um recado final para os leitores?

Agradeço ao RPblogging pela oportunidade de dar essa entrevista. Fico muito feliz de saber que estão acompanhando o trabalho. Vem muita música por aí ainda no primeiro semestre desse ano! É só acompanharem: www.facebook.com/musicbianca
Instagram: @musicbianca

Muito obrigada!

B4

Entrevista: Ana Larousse

Por: Renan Pereira

Depois de termos iniciado a nossa seção de entrevistas no último mês de dezembro, o bom resultado nos levou a transformá-la em uma publicação mensal. Para o mês de janeiro, convidamos a curitibana Ana Larousse para ser nossa nova entrevistada. Mostrando grande disponibilidade, a cantora prontamente atendeu o pedido, e graças à rede social de Mark Zuckerberg tivemos o prazer de bater um papo com a compositora.

Durante alguns dias de mensagens trocadas, conversamos não apenas sobre a carreira da musicista. Debatendo as diferenças entre Paris e Curitiba, o estado do mercado da música ou até mesmo a importância das amizades, Ana Larousse demonstrou, com muita espontaneidade, que aquela garota sensível e de forte personalidade de “Tudo Começou Aqui” se faz sempre presente em sua vida… Afinal de contas, é ela mesma.

Tendo lançado seu primeiro disco no ano passado, e prestes a dar a luz a um projeto colaborativo com Vinícius Nisi (A Banda mais Bonita da Cidade), Ana Larousse se destaca pela forma com que transforma o seu íntimo em um bem universal, partilhando com o público suas alegrias e aflições. Sentimentos que são explorados inclusive nesta entrevista.

Ana+Larousse

Seu primeiro disco, “Tudo Começou Aqui”, é claramente o resultado de muitas experiências… Você parece ter trabalhado com imenso cuidado para que cada faixa pudesse representar um fase da sua vida: há relatos da infância, da adolescência e da Ana de hoje em dia. Foi difícil reviver as emoções do passado para gravar o disco? Na primeira música, “Vai, Menina”, dá para imaginar uma garota de 18 anos cantando, e dessa etapa da vida você já passou…

Sim. É um relato de várias fases da minha vida porque escolhi canções que foram compostas em diferentes momentos ao longo de quatro anos. Tenho muitas outras canções. Mas escolhi as que representavam fases mais importantes pra mim. Daquelas que a gente sente que mudaram algo grande dentro da gente.

Não foi difícil reviver não. Muito pelo contrário. Foi uma delícia refrescar essas memórias e trazer elas de volta pra mim. Como se fosse uma interferência minha no tempo. Colocando algo da fase que vivia quando gravei o disco em cima de outros pedaços da minha vida. Foi um encontro gostoso desses tempos. E também é gostoso cantar A Paz do Fim, por exemplo, e lembrar do quanto estava sofrendo quando escrevi e ver que superei lindamente aquela dor. Cantar uma dor superada é quase um gozo. E ao mesmo tempo é lindo ver a música e a dor se reinventando. Já tive shows em que cantei A Paz do Fim me emocionando, não pensando na pessoa pra quem eu a fiz originalmente, mas em outra. É como se a música já não fosse mais minha (visto que o momento pela qual passei ao escreve-la já passou) e eu me emocionasse com a letra como faz o público. Me sinto meio que espectadora das minhas próprias canções. Isso me dá força e tesão de continuar cantando elas. Vai, Menina eu escrevi com 22 anos. Foi meio que quando eu me dei conta MESMO de que eu passaria o resto da vida tento que cuidar de mim sozinha. Que seria eu a enfrentar o mundo todo e mais ninguém por mim. Quando eu estava em Paris, doente e tinha que eu mesma, com 39 graus de febre, descer comprar remédios, fazer meu chá e minha sopa e ainda ir trabalhar senão não tinha dinheiro no final do mês e essas coisas todas. Cansava e me assustava o fato de que seria assim pra sempre. Ainda me assusta. rs Mas a sensação de cantar ela tomou outro lugar. Assim como todas as outras. A gente vai mudando sempre e as nossas obras vão mudando junto. Pelo menos pra mim é assim. E graças a deus! (Não precisa corrigir a minúscula em deus. É intencional).

Falando em Paris… Não podemos negar que a cidade-luz é um local especial para sofrer. Existe sempre uma expectativa muito grande, que pode não ser correspondida. Há, hoje em dia, até mesmo uma “doença” a qual os especialistas dizem ser causada pelas expectativas que não se cumprem para quem visita, ou passa a morar na cidade… Você é uma pessoa simpática, comunicativa, e embarcou ainda muito jovem em uma cidade sisuda, em que o povo é mais fechado do que em Curitiba. Essa “síndrome de Paris” foi uma das grandes responsáveis para que seu lado melancólico desabrochasse?

Vários fatores em Paris foram essenciais pra construção da minha identidade artística. A melancolia que paira sobre a cidade; aquela sensção de estar num livro, num filme e não na vida real; aquela quantidade incansável de cafés, livrarias, cinemas e intelectuais. Também fala-se muito de arte e cultura e história e geografia em Paris. Isso é uma das coisas das quais mais sinto falta. Aqui, em bares, sinto que, muitas vezes, o assunto se resume a paqueras e astrologia. Isso me frustra. Sinto falta daquelas masturbações intelectuais sobre tudo. As pessoas leem muito lá e a vida de quase todo mundo meio que gira em torno da cultura e da história. Isso é lindo, empolgante e absurdamente inspirador. É como se não houvesse nada para fazer além de criar e questionar tudo o tempo todo. Continuo praticando isso aqui, mas sinto falta desse ar tomando conta da cidade. Não houve frustração nenhuma. Muito pelo contrário. Paris ganhou meu coração pra vida. É, como toda cidade, um lugar ambivalente. Às vezes encantador e às vezes cruel e hostil. Mas o que Paris tinha de hostil ela limpava lindamente com belezas infindáveis e eternas novidades. Tinha a sensação de desbravar um mundo novo todo dia. De conhecer sentimentos novos todo dia. Por quase cinco anos, diariamente, eu me renovava. Aqui me sinto mais acomodada, menos bagunçada e menos remexida.O que torna a vida mais leve, porém menos intensa e apaixonante. E eu nunca me frustro com expectativas. A partir do momento em que a gente escolhe estar sempre atento às novidades e se propõe a renovar o olhar a cada dia, a gente se adapta a qualquer situação e faz de qualquer coisa virar algo bonito e positivo. A cada dia Paris me ganhava. E a cada, hoje em dia, eu sinto falta de Paris. Quero voltar a morar lá em breve.

E não acho que as pessoas sejam mais fechadas do que em Curitiba. É diferente. É menos falso, digamos assim. Quando você cria uma relação um pouco mais íntima com alguém, é meio que pra vida, sabe? Não é empolgação de boteco e festa. E existem coisas aqui que são muito rudes como, por exemplo, você cruzar com um vizinho, dar bom dia e não ouvir nada em retorno. Ou cumprimentar alguém num elevador e receber um resmungo em troca. Lá as pessoas são bastante cordiais e prestativas. Não é festa-todo-mundo-se-amando-na-rua, mas você pode confiar quando um parisiense te diz que vai passar na tua casa na semana que vem ao meio dia. Enfim, várias coisas. É diferente. Aqui, muitas vezes, me sinto muito mais maltratada do que lá. As pessoas se respeitam menos aqui. Então é relativo. E fiz amigos pra vida por lá. Amigos irmãos que levarei pra sempre comigo. Aqui a gente tem bastante conhecido pra ir em festas, mas é mais difícil se comprometer e se engajar numa amizade mais profunda e estável. Enfim. Poderia passar anos aqui divagando sobre meu olhar sobre Paris ou Curitiba. Mas acho que já falei demais até! rs

Só sei que sou sempre a primeira a defender Paris quando surgem comentários sobre o estereótipo de que francês é mal-educado. Acho, em geral, os brasileiros muito piores nesse aspecto.

maxresdefault

Ainda sobre as expectativas, creio que fazer um disco com financiamento coletivo traz um sentimento diferente quanto à aceitação do público… Afinal, as pessoas que pagaram para o disco ser produzido não poderiam ser frustradas com o resultado final. Mas, no fim das contas, a receptividade do “Tudo Começou Aqui” acabou se mostrando um sucesso, e certamente as pessoas que ajudaram financeiramente na produção sentiram que aquele foi um bom investimento. Porém, há quem diga que o fato do público pagar por um produto que ele ainda não sabe do que se trata é uma inversão de valores… Como enfrentar tanta responsabilidade, e como defender o financiamento coletivo? É provável que, sem ajuda financeira de terceiros, muitos discos maravilhosos (incluindo o seu) não veriam a luz do dia…

Olha. Eu vejo um tiquinho diferente, só em um aspecto. As pessoas ajudaram, claro. Mas não foi doação de dinheiro. Tiveram alguns casos de pessoas que contribuíram sem ter escolhido recompensa alguma. Mas a maior parte das pessoas pagou por uma recompensa, ou seja, um produto. Seja um disco, dois discos, um pocket show ou um passeio na casa de “Oração”. Mas a intenção das pessoas, com certeza, era a vontade e ansiedade de ter esse disco nas mãos. De ouvir esse trabalho concretizado. Mas eu também me senti muito confiante mesmo. Porque não foi tão às escuras assim. Eu já disponibilizava várias canções que entraram no meu disco no meu Soundcloud e tinham inúmeros vídeos no Youtube aonde eu estou, em algum show, cantando essas canções. Então acho que posso dizer que boa parte do publico conhecia varias canções minhas. Eu já tinha um publico formado. Pequeno, mas um publico fiel já. E eu senti que eu não iria decepcioná-los. Porque tudo foi feito com muito cuidado mesmo. Não só por eles, mas por mim mesmo. E foi muito gostoso trabalhar num projeto com uma torcida junto. É uma sensação de impulso, como se tivesse bastante gente te carregando pra você dar conta e dar o teu melhor. Nunca vi isso como pressão ou algo assim, mas como incentivo.

O financiamento coletivo é uma das poucas maneiras que temos, hoje, nós músicos independentes, de concretizar um trabalho. Pro próximo disco, minha ideia é simplesmente fazer um caixa com dinheiro dos shows pra juntar dinheiro pra poder lançá-lo. Usei financiamento coletivo uma vez, foi uma linda experiência, mas também é bastante exaustivo e cuidar disso paralelamente a gravar um disco foi bastante puxado. Tenho visto muita gente usando isso e às vezes questiono. Porque sinto que alguns trabalhos não são tão bem construídos ou articulados. E muitos são muito pouco convidativos, com recompensas pouco interessantes. E daí acaba não dando certo pra muita gente e até banalizando o uso dessa ferramenta. Sinto que se fizesse um hoje não seria tão “fácil” arrecadar os 25.000 que arrecadamos pelo Catarse. Já não é mais novidade, já cansou. E o público se cansa muito rápido. Ainda não tenho resposta pra tua pergunta. Não sei nem se devo incentivar isso e nem se devo “desincentivar”. Confesso ainda estar tentando buscar em mim algumas respostas pra atual situação do mercado fonográfico e das possíveis maneiras de viabilizar os projetos. O momento é difícil demais em milhares de aspectos. Ainda estamos caminhando pra alguma coisa. Não tenho ideia de onde isso vai chegar. Mas vamos seguindo.

Eu quebro muito a cabeça com alguns amigos discutindo maneiras de continuar trabalhando e conseguir ganhar dinheiro. Mas é difícil. Porque a gente disponibiliza o disco pra download gratuito, então o jeito de ganhar dinheiro é vendendo discos físicos e em shows. Mas isso ainda é muito pouco. Os cachês não são altos e a venda de discos é insuficiente pra bancar os custos todos. Então o negócio é torcer pra eu vender alguma música pra algo que pague bem (risos). Ou sabe deus o quê. Vamos ver.

Ana+Larousse+Ana

Mas ganhar dinheiro com música alternativa principalmente no Brasil é algo muito difícil. Geralmente, um artista independente começa a ter uma maior visibilidade quando tem uma música tocada em uma propaganda, como aconteceu com a Mallu Magalhães e o Silva, por exemplo. Claro que quem faz música alternativa não tem como almejar “enriquecer”, quem quer ficar rico hoje em dia dentro da música parte para o sertanejo universitário. Isso acaba minguando o mercado para a música de qualidade, pois o empresário visa lucro, e seu investimento acabará sendo direcionado para propostas que vendam fácil – como duplas sertanejas, por exemplo. Ao mesmo tempo, o público massivo acaba sendo domado pelas regras impostas pelas gravadoras, e mesmo aquele artista que não coloca o dinheiro como prioridade acaba encontrando barreiras para crescer artisticamente. A maior das louvações vem do público, e quando o público está alienado o alcance de sua música acaba ficando pequeno. Como é viver pela arte, procurando fazer música de qualidade, em um sistema que vive essa situação?

Vish. Aí você me pegou. Primeiro que acho que qualquer pessoa que faz qualquer coisa visando lucro exclusivamente acaba não sendo muito feliz. Mas talvez seja romantismo meu. Eu nunca fiz nada por causa de dinheiro. As vezes que tentei eu acabei fazendo mal feito. Sou movida a paixão. Se estou apaixonada pelo trabalho eu o faço com tesão e bem feito. Se houver dinheiro nisso, aí é alegria na certa! Mas é óbvio que não sou romântica a ponto de dizer que quero viver fazendo arte sem ganhar dinheiro. Jamais! É um trabalho como qualquer outro e eu, como qualquer pessoa, tenho mil contas a pagar e vontades que exigem algum dinheiro para serem realizadas. E até para trabalhar é preciso de dinheiro. Aliás, isso é um ciclo cruel pelo qual vejo muitos artistas passando. A gente precisa de dinheiro pra gerar dinheiro pra trabalhar pra gerar dinheiro pra trabalhar e quando a gente vê, está preso num lugar onde o foco do dinheiro não está mais para viver, mas para poder trabalhar. E isso é cruel. Estou longe de encontrar em mim e no mundo uma solução pra isso. Mas eu, nessa hora, abraço meu romantismo novamente e acredito que continuando fazendo o que faço com dedicação, paixão, cuidado com o público e um bom planejamento estratégico, eu vou conseguir viver de música. Por enquanto eu vivo pela música. Mas espero logo poder aumentar o volume disso. Eu não quero também me atrever a falar pelas bandas independentes em geral. Quem sou eu pra fazer isso? Mas eu, bem especificamente, acredito que, de alguma forma vou conseguir viver pela arte e de arte. Como e quando eu não sei. Mas se eu deixar de acreditar nisso, eu entro em desespero (risos).

Mas respondendo tua pergunta: é difícil pra caralho e maravilhosamente apaixonante. Acho que pra gostar de viver assim tem que ser meio doido. Amor, paixão e perigo. Dá até nome de filme ruim.

Já que você falou em filme, eu não poderia deixar de citar nessa entrevista o belíssimo clipe de “Vai, Menina”. Como foi o processo de criação do vídeo?

Eu sonhei com esse clipe. Uma noite, eu tinha chorado bastante e quando dormi, acabei me vendo no sonho escrevendo inúmeras frases minhas (as mais tristes) e depois ficando angustiada com aquilo tudo grudado e preso em mim. Depois eu me revirava pra arrancar aquilo e, quando as frases tinham sumido, eu dançava, me jogava, me debatia num chão todo cheio de terra. E, no sonho, a música que tocava era “Vai, Menina”. Acordando, liguei pro amigo Bernardo Rocha, muito empolgada com a ideia e saímos na hora pra tomar uma cerveja e falar desse possível clipe. Ele curtiu demais a ideia e topou dirigir. Juntos, a gente adaptou algumas coisas do sonho pra elaborar o roteiro e chamamos o Rosano Mauro e o Vini Nisi pra pilotarem também as câmeras e cuidarem da direção de foto e da edição, respectivamente. Pouca coisa mudou do sonho pro resultado final. E eu fico muito feliz. Dez dias depois dessa tarde de cerveja, a gente estava em Rio Negro filmando o vídeo. Foi muito libertador viver esse sonho e, de fato, passar por aquela sensação de angústia de ver tanta coisa triste escrita no meu corpo e depois me mover sem pensar em nada, com o corpo já limpo. Pra mim, esse clipe tem tanto significado e força que eu poderia passar horas falando disso. Mas isso também estragaria a percepção de quem assiste. E eu preciso terminar dizendo que seria impossível eu ficar mais satisfeita do que estou com o resultado desse trabalho. Os meninos foram delicados e muito profissionais. Eu tenho é muita sorte de ter amigos assim.

Você credita a essa amizade o crescimento da música paranaense? Tempos atrás, até haviam bons projetos, mas que não conseguiam ir além das fronteiras do estado. Algo que agora mudou, com você, o Leo Fressato, a galera da Banda mais Bonita da Cidade, ou seja, um pessoal que se ajuda não só profissionalmente, mas que também mantém uma verdadeira amizade na vida pessoal…

Eu credito as boas amizades a toda coisa bonita que surge por aí. Nunca consegui separar o pessoal do profissional. Eu sou uma pessoa e trabalho com outras pessoas. Como é que isso poderia ser impessoal? Só pode ser impessoal uma relação onde não existe comunicação orgânica entre os envolvidos. E pouco me interessa uma “relação” assim. Trabalho com quem me comunico e com quem se comunica comigo. De forma natural e espontânea. Os interesses e paixões são divididos, compartilhados, questionados, contestados, repensados. E o envolvimento pessoal nesse ambiente profissional deixa tudo mais fluido e honesto. As pessoas com quem trabalhei ou eram meus amigos ou se tornaram amigos depois. Os encontros que não funcionaram no pessoal, digamos assim, tampouco funcionaram no profissional.

Quanto ao crescimento da música paranaense… Acho que eu e meus amigos somos apenas uma partezinha disso. Todas as cidades se comunicam muito também, então é um puxando o outro. Ninguém levantou sozinho. Ninguém está levantando sozinho. Não consigo separar muito por cidades as coisas. São encontros que vão além da geografia. E esse crescimento da música curitibana acontece porque outras cidades se abriram e se envolveram com as coisas que acontecem em Curitiba e porque Curitiba se envolveu e se abriu a outras cidades. Então é difícil dizer quem cresceu o quê, onde e porquê. As coisas estão simplesmente se movendo juntas. Seja pelo impulso, pelo empurrão ou pela rasteira.

Só sei que sem esses meus amigos eu não seria absolutamente nada profissionalmente. E acho que ninguém seria nada profissionalmente sem bons amigos trabalhando junto. Digo isso por empirismo e não por romantismo.

E quanto ao seu futuro? Pretende lançar nos próximos meses um novo trabalho, ou alguma colaboração?

Sim. Em março/abril vou lançar um EP. Eu e o Vinícius Nisi estamos trabalhando nele. É um trabalho nosso. Estamos gravando tudo sozinhos. Vai ser uma puta trabalho lindo e conceitual e com uma sonoridade bem distinta do meu primeiro disco. O público pode esperar por algo bem bonito!

Se for tão bonito quanto “Tudo Começou Aqui”, certamente vamos adorar… Seu trabalho encanta, e com a parceria de um cara como o Vinícius Nisi vamos ter, certamente, mais um “colírio para nossos ouvidos”. O RPblogging agradece imensamente a sua disponibilidade para essa que é a segunda entrevista do site. Gostaria de deixar um recado final para os leitores?

Só tenho uma coisa a dizer: LIVRO. Logo vocês vão entender.

550867_390255631011139_2142796858_n

Créditos:

Perguntas: Renan Pereira.

Respostas: Ana Larousse.

Entrevista: Phillip Long

tumblr_inline_mw3xygbJm91srn12k

Por: Renan Pereira

Em sua nova fase, o RPblogging está expandindo seus horizontes. O que era, no passado, apenas uma coleção de resenhas, está aos poucos, enfim, se tornando algo mais abrangente. Estava mais do que na hora de tentarmos algo maior, uma entrevista com um artista que admiramos… E o primeiro nome que nos veio à mente foi o de Phillip Long. Por quê?

Phillip Long é um operário da música, como escreveu com assertividade o crítico Iberê Borges para o site Move That Jukebox. Um trabalhador: escreve músicas e as lança, dando oportunidades iguais para todas as composições, e não negando ao público a afável experiência que é a audição de seus mais íntimos sentimentos. Pois mesmo se transformando em matéria-prima de sua obra, Long consegue atingir em cheio as emoções do público.

Autor de sete discos (o último, “Seven”, acabou de ser lançado), Phillip Long foi o convidado para a primeira entrevista do RPblogging. Convidado por e-mail, topou logo de cara a ideia, sempre se mostrando disponível. Ele, indubitavelmente, gosta de escrever… E mais do que simplesmente gostar, mostra que sabe como fazer. Tão cuidadosas e sensíveis quanto suas canções, suas respostas a nossas perguntas soam como um complemento da sua poesia.

tumblr_inline_mw36nl4CcW1srn12k

Você lançou o seu primeiro disco, “Man on a Tightrope”, em 2011. O que mudou no Phillip Long de lá até aqui?

Tanta coisa. Musicalmente falando, eu acho que agora conheço melhor os caminhos e atalhos dentro desse lance de escrever sobre o que a gente vive, meu tato sobre as coisas que me cercam e me atingem estão melhores. E há também essa mudança de vida, das coisas que a gente vai experimentando ao longo dos dias, que vão mudando a gente a cada passo. Eu ainda sei tão pouco de mim e ao mesmo tempo um pouco mais do que eu sabia. Sigo me investigando e investigando a vida, sou tão grato por poder fazer música sobre mim e sobre a vida e as pessoas se reconhecerem nisso tudo.

Hoje você é um músico respeitado no círculo alternativo, com um público fiel que só tem aumentado. Mas é claro que nem sempre foi assim. Como foi o seu começo como músico, e quais foram as dificuldades enfrentadas até se tornar um nome relativamente conhecido?

O começo foi despretensioso como é até hoje, eu gravo canções e as coloco no mundo. Cada movimento a partir disso é uma dádiva, é uma dádiva fazer música, em um mundo onde passamos a maior parte de nossas vidas pulando de instituições para instituições, em busca de qualquer espécie de segurança e estabilidade ilusórias, onde a gente morre antes de mesmo de respirar, fazer algo que seja natural é uma dádiva. As dificuldades são as dificuldades de sempre para todos que fazem música autoral nesse país, falta de estrutura, falta de grana, falta de espaço e etc. Eu andei muito pessimista com esse assunto há um tempo atrás, por que no fim das contas a gente quer seguir produzindo, aí você lança um disco e vê que algumas pessoas se identificam com aquilo e você pensa que o que importa mesmo é tocar as pessoas, se em meio a tanta adversidade a música faz sentido pra alguém já valeu a pena.

Qual foi o momento em que você teve a certeza de que fazer música era o que você queria para o seu futuro?

Até me mudar para Porto Seguro por volta de 2002, eu não tinha a menor ideia de que um dia viria a escrever canções. Eu sofri um choque cultural e acabei me interiorizando muito. Não ia para o colégio e ficava observando o mar, foram tempos dificeis, foi aí que eu comecei a escrever canções sobre as coisas que eu sentia, foi a forma que eu encontrei de lidar com minhas neuras, meus desajustes e etc. Não demorou muito a partir daí perceber que isso era a única coisa que eu sabia fazer direito, não algo pensado, só aconteceu como o universo quis.

tumblr_inline_mw61ongJfX1srn12k

Creio que para você, assim como para a grande maioria dos novos músicos da cena alternativa, a internet tem sido uma grande aliada. A sua participação em projetos da Musicoteca certamente teve um papel fundamental… Há, porém, quem não vê com bons olhos o compartilhamento gratuito de músicas na internet. O que você diria a essas pessoas?

Se você é um músico independente não há como ignorar a internet, é a única ferramenta disponível para divulgação do trabalho, ou você aprende a lidar com isso ou você está morto. A rede tem sido a única ferramenta de divulgação que possuo desde o começo, e tem sido assim.

Através de seus discos, percebe-se uma evolução constante. Só que seu senso artístico foge um pouco do convencional: de 2011 para cá, já são sete álbuns de estúdio – o sétimo, “Seven”, acabou de ser lançado. Você atribui essa grande quantidade de lançamentos à ânsia de evoluir, de crescer musicalmente?

Então, eu verdadeiramente não sei dizer se trata de uma ânsia por evolução. Tudo foi muito natural sempre, eu escrevo muitas canções, a maior parte do tempo é isso que faço. Lógico que a cada passo sinto que meus sentidos melhoram, hoje sei melhor como me mover dentro de uma canção, como transmitir a minha mensagem, mas acho que no fundo o lance da produção desenfreada vem do fato de que não fecho as portas para nenhuma canção. Elas me aparecem e eu dou voz a elas.

As principais influências da sua música são claras: grandes nomes da música folk de décadas atrás, como Bob Dylan, Nick Drake, Neil Young… Ou seja, velharias. Alguém mais que você possa acrescentar? Algum artista mais atual?

Eu realmente sou muito apegado à velharias, e isso vem desde muito cedo. Acho que eu poderia acrescenter uma infinidade de velharias que fazem parte de mim. Cohen é um sujeito que me influencia muito, Tom Waits, Joni Mitchell, Cat Stevens, Paul Simon, Bruce Springsteen, tanta gente. Dos artistas mais atuais, Fleet Foxes me atinge muito, que é uma banda que também soa como velharia e que fala muito minha língua.

Meses atrás, consideramos “Gratitude”, o seu sexto disco, o melhor momento da sua carreira até agora: é um disco especialmente intimista, mas que mesmo assim consegue atingir em cheio as emoções do público. O que podemos esperar agora de “Seven”? O que se ouve é um trabalho um pouco diferente…

Fico profundamente feliz em saber disso. O “Gratitude” é um disco muito significativo pra mim e é uma honra que vocês o considerem o melhor momento de minha carreira até agora. Sobre o “Seven”, bem, ele caminha por outros rios, sua veia é bem diferente e eu o considero o trabalho mais expansivo meu. Há folk porque o folk é a fonte de tudo em mim, minhas raízes espirituais, mas há também essa dança com elementos distantes desse universo. Acho que vocês podem esperar do “Seven” mais uma faceta da minha alma e da minha vida, continua sendo um disco que aborda temas extremamente pessoais e sinceros.

tumblr_inline_mw61qiiNqS1srn12k

Algo muito interessante que vejo nessa nova geração de compositores é a vontade de colaborar, de participar de projetos de terceiros, perfazendo uma ajuda mútua. Você tem no Eduardo Kusdra um grande colaborador, e nomes como Phil Veras, Laura Wrona e Scott Thunes participaram de “Gratitude”. “Seven” traz novas colaborações? Planeja fazer alguma participação no trabalho de um outro artista?

O Eduardo é meu irmão de estrada e de vida, nós temos trabalhado juntos há tanto tempo e nossa ligação é profunda. Eu sempre tive muita sorte em poder contar com pessoas incríveis em meu trabalho, minha gratidão é máxima. No “Seven” eu conto com a participação do Albino Intantozzi na bateria, um dos maiores bateristas desse país. Além dele, o guitarrista holandês Anand Mahangoe participa da faixa “Living On The Edge”, foi uma enorme honra pra mim, o cara é incrível. E há também há a participação da cantora independente Maria Eliza nos backing vocals e duetos, que sempre foi uma grande parceira do meu trabalho. Eu estou sempre disposto a participar de projetos dos artistas que admiro, no momento não há convite algum.

Em entrevista recente ao Jardim Elétrico, você se queixou do modo com que os artistas independentes são tratados pelo mercado aqui no Brasil. Como isso pode ser melhorado? Talvez com uma maior união entre os músicos independentes?

Quando você começa a entrar na cena, você começa a descobrir que os músicos são a escala mais baixa nessa estrutura toda. Ao músico cabe o sacrifício e nada mais, o que é muito simples de se levar para a indústria, já que a doação é algo inerente ao criador, nós seguimos doando. Afinal, o músico independente precisa se mostrar e não se alimentar, aliás, todas as pessoas do mundo precisam do espetáculo e não de alimentação, essa é a lei. Como isso pode ser melhorado? Com sensibilidade, acredito, veja, é preciso que haja reciprocidade em tudo. Tratar um sensível com o mínimo de sensibilidade também, equilibrar as coisas, o artista se compromete, a indústria se compromete, as coisas se equilibram. Sobre a união artística, Van Gogh tentou isso com a casa Amarela, não deu muito certo, o ego sempre acaba por mostrar sua cara.

Você anunciou em seu Facebook, há pouco tempo, que em 2014 esterá lançando um disco com versões dos Smiths. O que te levou a planejar este trabalho?

Morrisey tem sido um guia espiritual há tanto tempo. O trabalho dele tanto nos Smiths quanto solo nos atinge profundamente.

O RPblogging agradece imensamente sua participação nessa que é a primeira entrevista do blog. Gostaria de deixar um recado final para os leitores?

Quem agradece sou eu, pela oportunidade de mostrar minhas impressões sobre as coisas que me cercam. Para todos aqueles que dançam com meu trabalho, minha gratidão máxima.

tumblr_inline_mwcz44hJx21srn12k

Créditos:

Perguntas: Renan Pereira.

Respostas: Phillip Long.

Fotos: Christian Camilo, Leonardo Araújo e João Wolf.