Por: Renan Pereira
Goiânia tem nos reservado, nos últimos tempos, gratas surpresas musicais… Não, caro leitor, este blog não se vendeu, pois não estamos falando de música sertaneja. Estamos citando, na verdade, projetos da maior qualidade musical. Afinal, até que enfim, o público começa a olhar para a música feita na capital do estado de Goiás com menos preconceito.
Pois bem, eis que, em um cenário repleto de grupos emergentes como Cambriana, Banda Uó, Boogarins e Black Drawing Chalk, surgem Macloys Aquino e Salma Jô com uma das bandas mais saborosas da atualidade: a Carne Doce. Surgido em 2012, o projeto traz na vida íntima do casal seu grande diferencial, portando-se como uma colaboração musical que vai além do “horário comercial”. Macloys e Salma dormem e acordam juntos, o que acaba tornando a Carne Doce um dos projetos mais sinceros do cenário atual.
Repleta de sonoridades setentistas, a banda lançou o seu primeiro EP, intitulado “Dos Namorados”, em abril de 2013. É tida atualmente, pela mídia especializada, como uma das grandes apostas musicais para esse ano, bem como planeja seu primeiro disco de longa duração, agora com a companhia de João Victor e Ricardo Machado. Enquanto aguardamos o primeiro disco da Carne Doce, conferimos a entrevista que a banda concedeu ao RPblogging. As repostas são da vocalista Salma Jô.
Quando surgiu a ideia de transformar o casal Macloys Aquino e Salma Jô em um projeto musical?
No final de 2012, quando ficamos sem bandas. Já éramos um casal há três anos, o Mac tocava na Mersault e a Máquina de Escrever e eu cantava numa banda setentista, a The Galo Power. A banda dele acabou e eu saí da minha. Não me recordo se quando mostrei a primeira letra já tínhamos em mente publicar esse projeto, mas em poucos meses a gente já tinha as canções do EP e outras.
Por que o nome “Carne Doce”?
Nós pensamos em vários nomes, vários mesmo. Um dia chegamos nessa combinação dessas duas palavras e gostamos demais. Não tem um sentido especial, mas gostamos. O contraste entre carne e doce lembra os contrastes que a gente busca, entre ser atrevido e cúmplice, pesado e suave, entre fazer um som mais pop e ao mesmo tempo estranho. Gostamos também dos sentidos que as pessoas acham pro nome. Já perguntaram se carne doce era carne de mulher, ou de gente, se tinha alguma relação com a nossa alimentação. Intrigar é uma coisa que nos agrada.
No primeiro EP da banda, denominado “Dos Namorados”, observa-se uma constante inspiração no tropicalismo e nas grandes bandas brasileiras dos anos setenta – uma toada que dá novamente as caras na última música lançada por vocês, “Sertão Urbano”. Esse é um ambiente sonoro que permeará o primeiro disco de longa duração da Carne Doce?
Chico, Caetano e Gil são referências mais fortes pra mim que Mutantes, Novos Baianos, Secos e Molhados. Numa entrevista recente, Andre Midani disse sobre como esse coquetel (Chico, Caetano e Gil) é um engodo, “um engodo feliz, mas um engodo”, e eu tenho ciência e estou trabalhando nisso (risos). Já o Mac tem uma pegada rock oitentista. O João Victor e o Ricardo tem referências muito ecléticas, embora pontuais na música brasileira… Mas não temos o tropicalismo como referência, apesar de gostarmos de ritmos brasileiros misturados com rock.
Quais foram os motivos que levaram às recentes entradas de João Victor e Ricardo Machado ao grupo?
Entre as últimas semanas de dezembro e as primeiras de janeiro deste ano, nos aproximamos do Benke e do Raphael, que são guitarrista e baixista da Boogarins e também da Luziluzia, uma das bandas mais interessantes da cidade. João Victor e Ricardo Machado são da Luziluzia e então nos encontramos, nos identificamos como banda e como amigos. Os ensaios fluíram demais, as músicas foram rearranjadas, realçadas, ganharam mais dinâmica, mais ritmo e tudo favoreceu a composição de músicas novas, que estarão em nosso primeiro álbum.
Goiânia tem evoluído musicalmente nos últimos anos – ao ponto da cidade deixar de ser apenas conhecida como um reduto de duplas sertanejas. Os Boogarins já estão fazendo shows lá fora, tiveram seu disco resenhado pela Pitchfork, a Black Drawing Chalks já é uma banda respeitadíssima no cenário musical, a Cambriana é uma das grandes promessas da música alternativa… A que vocês creditam essa crescente altamente positiva?
Tenho receio de dizer que isso é resultado de uma evolução musical e faltar o respeito com o talento das outras gerações e das limitações que enfrentaram.
Boogarins, Black Drawing Chalks, Cambriana, Hellbenders e mesmo Banda Uó, bandas que “estão na mídia” e fazendo sucesso, trabalharam para isso, capricharam nos seus produtos, fizeram bons trabalhos de assessoria e marketing, e tiraram proveito das ferramentas que temos hoje mais à mão, de softwares de gravação às redes sociais. Os Boogarins, por exemplo, já eram grandes quando a imprensa nacional acordou para isso, e eles tem a favor deles o interesse dos estrangeiros na psicodelia e na canção brasileira, mas foi preciso a competência e a ousadia em gravar e distribuir sua música.
Falando em Boogarins, vocês têm feito alguns sons com eles nos últimos meses… Como é trabalhar com esses caras, que cresceram de uma forma tão meteórica, e hoje formam uma das bandas mais hypadas do Brasil?
A gente até gostaria de dizer que fizemos uns sons com o Boogarins, que trabalhamos juntos, mas a verdade é que só colaboramos em “Benzin”, uma canção do Dinho, que eles publicaram recentemente através do “Is Your Clam in a Jam?”.
No final do ano passado e começo deste 2014, ficamos muito próximos do Benke e do Dinho (guitarrista e vocalista do Boogarins). Passamos algumas tardes juntos conversando sobre os nossos planos, improvisando, mostrando o que tanto nós como eles estavam fazendo, experimentando músicas do Carne Doce e essa “Benzin”, aprendendo muito, e de brincadeira, entre laricas e banhos de piscina.
Aí nos aproximamos do Raphael (baixista), e nos apaixonamos por ele também. Benke, Dinho, Raphael e Hans, eles estão hypados, mas são, antes disso, muito tranquilos, humildes, amigos, generosos, divertidos, boa gente mesmo.
Não sei se vamos trabalhar juntos ainda, não sabemos quão grandes serão os Boogarins, se a agenda deles vai deixar, mas adoraríamos. Nossa rápida experiência com eles já nos fez muito bem.
Momento invasão de privacidade: mas afinal, quem manda na banda: o Macloys ou a Salma? E em casa?
A casa se confunde com a banda, porque estamos sempre pensando nas músicas, shows ou produções na hora de comer, de deitar. E também porque ensaiamos em casa, os meninos estão sempre aqui… Mas “mandar” me parece uma palavra injusta, porque a gente decide em conjunto, na banda e em casa.
Há já alguma definição de data de lançamento do primeiro disco do projeto?
Ainda não. Mas vamos começar a gravar em julho.
Como vocês definem o seu som?
Não definimos e já estamos tranquilos com não saber definir, queremos saber é como você define nosso som. Mas, se insistir, a gente pode responder como a Trupe Chá de Boldo: “o som é só uma onda… curta”, hehehe.