2013: De Graça – Marcelo Jeneci

De Graça

Por: Renan Pereira

O melhor da vida é de graça. Sobre esse conceito é construído o novo álbum de Marcelo Jeneci, que enfrenta a responsabilidade de suceder o aclamado “Feito Pra Acabar”, de 2010 – que fez com que, de uma hora para a outra, o experiente músico acabasse se tornando um dos mais importantes nomes da atual música popular brasileira. Antes disso, ele já havia trabalhado como sanfoneiro na banda de Chico César, composto músicas para nomes como Vanessa da Mata, Arnaldo Antunes e Leonardo, mas nada que pudesse lhe transformar em um artista conhecido. Agora, ao contrário de 2010, seu novo trabalho surge em meio a grande expectativa… Por isso, às vezes, é muito mais fácil agradar quando se é um nome iniciante, desconhecido; em suma, por mais incrível que o novo álbum de Jeneci pudesse ser, ele jamais superaria a áurea surpreendente de “Feito Pra Acabar”. Se antes ninguém esperava algo grande do músico, agora espera-se dele um dos melhores discos do ano: a responsabilidade cresceu exponencialmente, e o músico, prontamente, se dispõe a enfrentá-la.

Para tanto, ele não se desgruda dos aspectos singelos de seu disco anterior. Assim como “Feito Pra Acabar”, “De Graça” é um álbum feito para agradar toda a família, capaz de gerar uma resposta positiva da sua avó, fã de Roberto e Erasmo Carlos, da sua mãe, que insiste em ouvir música sertaneja romântica, ou do seu irmão mais novo, que só curte os hits do momento. É difícil não deixar que a música de Jeneci faça a alma flutuar, pairando sobre doces e coloridas nuvens de algodão: por mais carrancuda que a pessoa seja, um sorriso pairará em seu rosto quando ela experimentar os rumos sensíveis propostos por Jeneci.

Mas, indubitavelmente, as coisas mudaram. Nesse tempo, Marcelo Jeneci se divorciou e fez de sua nova namorada, Isabel Lenza, co-autora de algumas de suas novas canções. As apostas sonoras, embora ainda mais presas a um teor emotivo, também sofreram alterações: se os arranjos instrumentais antes acompanhavam a simplicidade lírica, agora, em “De Graça”, o músico sente-se à vontade para explorar rumos mais pretensiosos. Contando com Kassin e Adriano Cintra na produção, o álbum flerta tanto com sujeira quanto com polidez: há espaço para technobrega, indie rock, pop progressivo e até música barroca na salada proposta por Jeneci e seus produtores.

Porém, quando se trabalha com tantas texturas sonoras diferentes, distantes entre si, há o perigo de fazer com que o trabalho soe, de certa forma, desconexo – algo que não é necessariamente ruim, vide o “álbum branco” dos Beatles, mas que precisa ser trabalhado com muito cuidado. No fim das contas, apesar dos lirismos deixarem bem claro o tema pelo qual o disco é delineado, não há como negar que o turbilhão sonoro acaba afastando as faixas… Há uma constante brincadeira entre o grandioso e o simples, que em um primeiro pode até soar interessante, mas que lá pelo meio do trabalho já terá deixado ouvinte um pouco confuso. Tanto Kassin quanto Cintra trabalham bem, os arranjos de cordas de Eumir Deodato são magníficos, mas Jeneci acaba se perdendo no meio deste tempero.

Então “De Graça” é um álbum errôneo? Não, de jeito nenhum! Poderia ser melhor, é verdade, mas isso não significa, necessariamente, um resultado negativo. Jeneci, definitivamente, sabe como fazer músicas que agradam sem nenhuma dificuldade. Como não se deliciar, por exemplo, com a atmosfera colorida e os lirismos singelos da primeira faixa, “Alento”? Procurando superar a tristeza, a canção inicia o disco e sua temática de forma assertiva, esbarrando até mesmo na auto-ajuda. A faixa-título é, muito provavelmente, a música que mais surpreende no disco: alocada no calor melódico e rítmico da música do norte do Brasil, acaba flertando com o technobrega em uma participação mais do que incisiva do produtor Kassin.

Mas, no fim, os toques eletrônicos da faixa-título não dizem muito sobre a continuação do disco: nenhuma outra faixa soa como ela. A terceira faixa, de certa maneira, mostra Jeneci se afastando propositalmente dos rumos inéditos da anterior: estacionando no pop-rock do início dos anos setenta, o músico fabrica, em “Temporal”, um número que poderia muito bem ter feito parte do catálogo de canções de Erasmo Carlos. Voltando a investir fortemente na melodia, Jeneci consegue agarrar magistralmente “De Graça” ao mesmo teor acessível de “Feito Pra Acabar”… Não interessa se o ouvinte está ou não atento às novidades do mundo da música; o disco irá lhe envolver. Perceba como “Tudo Bem, Tanto Faz” não faz com que questionemos quão novas (ou velhas) são suas influências: ela quer agradar, acima de tudo, e acaba encontrando, em seu clima sentimental, um caminho certeiro para alcançar tal resultado. E melodia após melodia, verso após verso, “De Graça” vai alcançando uma evidente áurea sensível: “Nada a Ver” é uma música para “quebrar o gelo”, mostrando quão inúteis podem ser algumas normas dos relacionamentos interpessoais, enquanto “A Vida é Bélica” encontra o épico naturalmente ao brincar de forma incisiva com o rock progressivo.

Porém, ao se aproximar e se afastar constantemente por diversas nuances sonoras sem nenhuma moderação, Jeneci acaba fazendo com que o álbum comece a soar, a partir da sétima faixa, um pouco cansativo: ao invés de guiar o ouvinte, interrompe certos caminhos, fazendo com que nossos ouvidos acabem perdidos em meio à “selva de referências” pela qual o registro é delineado. Depois de “O Melhor da Vida”, mais um pop-rock simples e despretensioso, há “Um de Nós” e o momento mais exagerado do disco, com Jeneci agarrando-se aos aspectos mais imodestos da música progressiva. Da mesma forma, arranjos de cordas vão dando um ar magnífico (e de certa forma repleto de excessos) em “Pra Gente se Desprender”, para depois esbarrarmos na ingenuidade de “Julieta”. É preciso que ouvinte pause o disco para reencontrar.

No fim, tudo isso acaba fazendo com que as faixas de “De Graça” acabem soando melhor separadas do que unidas. Engraçado, não? Quando se constrói um disco, ainda mais quando se está preso a um “conceito”, o que se espera é a criação de uma unidade, que as canções tenham o poder de se complementar… E é estranho perceber que “De Graça” não alcança este resultado. Há grandes canções, nenhuma chega a representar um real demérito, mas a sucessão das faixas não funciona como deveria. Isso acaba tornando, infelizmente, alguns números primorosos (como “Sorriso Madeira” e seus arranjos excitantes) perdidos dentro de uma base musical que não sabe se quer ser simples ou grandiosa.

Para finalizar, há o aspecto infantil e circense de “Só Eu Sou Eu” e a seriedade lírica e instrumental de “9 Luas”, parecendo enfatizar a desconexão que embala o disco. Você pode até dizer que há um conceito seguido do início ao fim, embalado pela “intensidade da vida”, e que todas as faixas conseguem, de alguma forma, representar esta temática… E isso é tudo verdade. Mas devemos ter em mente que o conceito, sozinho, não é capaz de atestar a consistência de um trabalho. Se as letras até tentam se encontrar, os rumos sonoros vão em uma direção totalmente oposta, virando ao avesso a tal temática. Extrapolando no exemplo, é como se tivéssemos em mãos uma coletânea com o tema “amor”: lá existiria pagode, pop, rock e sertanejo.

Mas não dá para negar que, mesmo desconexo, “De Graça” contém belas canções. Pode até não ser um dos melhores discos do ano, como todos esperávamos, mas é uma boa continuação da carreira de Marcelo Jeneci. Ele ainda não é um dos gurus da música brasileira, e talvez tenhamos exagerado no tamanho das expectativas.

NOTA: 6,9

Track List:

01. Alento (Marcelo Jeneci/Isabel Lenza/Arnaldo Antunes) [03:50]

02. De Graça (Marcelo Jeneci/Isabel Lenza) [03:03]

03. Temporal (Marcelo Jeneci/Isabel Lenza) [02:27]

04. Tudo Bem, Tanto Faz (Marcelo Jeneci/Laura Lavieri/Arnaldo Antunes) [03:33]

05. Nada a Ver (Marcelo Jeneci) [03:37]

06. A Vida é Bélica (Marcelo Jeneci/Isabel Lenza) [03:29]

07. O Melhor da Vida (Marcelo Jeneci/Luiz Tatit) [04:50]

08. Um de Nós (Marcelo Jeneci) [04:47]

09. Pra Gente se Desprender (Marcelo Jeneci/Isabel Lenza) [05:57]

10. Julieta (Marcelo Jeneci/Isabel Lenza) [02:38]

11. Sorriso Madeira (Marcelo Jeneci) [02:37]

12. Só Eu Sou Eu (Marcelo Jeneci/Arthur Nestrovski) [01:49]

13. 9 Luas (Marcelo Jeneci/Raphael Costa) [05:18]

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