Falar do dueto entre Marvin Gaye e Tammi Terrel é falar de um dos mais bem sucedidos encontros de vozes já realizado. Marvin Gaye é um dos lendários nomes da soul music, autor de trabalhos que ficaram para a história da música, esbanjando técnica vocal e criatividade nas composições. Já, Tammi Terrell, se trata de uma moça que partiu cedo, em decorrência de problemas de saúde; mas, mesmo com uma vida bastante curta, ela deixou sua bela marca, destacando-se principalmente seus trabalhos com Gaye.
“United” foi o primeiro de três álbuns a sair desta ótima parceria. Lançado em 1967, este foi uma aposta da Motown, principalmente para evidenciar mais dois artistas tão promissores. Gaye já havia feito parte do The Moonglows, e realizado alguns álbuns como artista solo, inclusive em dueto com artistas femininas, mas ainda sem alcançar um amplo sucesso comercial. Terrell era uma moça que, quando contratada pela Motown, chegou a fazer um sucesso modesto, mas ainda longe de alcançar o grande público. Juntando os dois, conseguiu-se uma das mais lendárias parcerias da história da música.
O álbum é de um romantismo cativante. Para começar, a bela “Ain’t No Mountain High Enough” escancara duas vozes belas e potentes, combinando-se perfeitamente em uma canção impecável, com um instrumental esperto e caprichosamente bem produzido. Vale salientar que o romantismo alcançado em muitas das músicas da parceria Gaye/Terrell poucas vezes foi igualado quanto a bom gosto e brilhantismo.
“You Got What It Takes” é uma canção mais dançante, estruturando-se como um soul clássico, que evidencia a voz dos cantores sem deixar de lado a parte instrumental; esta é muito bem realizada, numa faixa com um ótimo ritmo e variações interessantes. A terceira é “If I Could Build My World Around You”, com mais uma atuação impecável por parte dos cantores, que conseguem aliar vozes perfeitas com um sentimento todo especial. A adorável “Somethin’ Stupid” é uma daquelas músicas feitas para duetos, tendo sido regravada por vários artistas, como os pai-e-filha Frank e Nancy Sinatra e os contemporâneos Robbie Williams e Nicole Kidman; mas o ouvinte pode se arriscar em considerar a versão de Gaye e Terrell como a melhor para a música, onde mais uma vez há um espetáculo de vozes – que, nesta faixa, soam doces como nunca.
“Your Precious Love” é uma das músicas mais lembradas da parceria, por ter sido um grande hit de sucesso; é uma canção no estilo doo-wop, composta especialmente para o encontro entre Gaye e Terrell, onde mais uma vez o romantismo exalado pela voz dos intérpretes é o destaque principal. “Hold Me Oh My Darling” segue a mesma linha da faixa anterior; o interessante é que, apesar de o álbum ser inteiramente romântico, não se torna enjoativo em nenhum momento. Vários fatores contribuem para que isso aconteça, como o espetáculo de vozes (que interpretam cada canção de forma ímpar) e a produção muito bem realizada, com instrumentais caprichadíssimos (e assim deveria ser, pois de outra forma ficariam abafados pelos vocais), e sabendo alocar as canções de forma com que o álbum siga consistente e nem um pouco maçante.
“Two Can Have a Party” é mais uma bela canção da parceria Gaye/Terrell, com um ótimo ritmo e muito bem produzida; porém, ao som do “United”, o mundo inteiro – e não só duas pessoas – pode fazer uma festa. “Little Ole Boy Little Ole Girl” se destaca pelos ótimos grooves, perfazendo uma soul music que não fica devendo nada aos ouvidos mais exigentes. A nona é “If This World Were Mine”, mais uma bela música, enfatizando a técnica vocal absurda dos cantores.
A décima faixa é “Sad Wedding”, que continua a agraciar nossos ouvidos com o feliz casamento musical entre Marvin Gaye e Tammi Terrell. “Give a Little Love” segue, incrível, com um sentimento imbatível, perfeitamente romântica e tocante. Com tamanha paixão nas vozes, não há como não se levantar a possibilidade de Gaye e Terrell terem sido namorados; mas isso, por incrível que pareça, nunca passou de boato.
Como poderíamos nos esquecer um dia de um álbum tão cativante? “Oh How I’d Miss You” encerra o “United”, dando aos ouvintes uma última amostra da beleza das vozes e das interpretações de Gaye e Terrell. Um espetáculo de técnica e de bons sentimentos.
Só que, infelizmente, toda a beleza alcançada com a parceria veio também com uma tragédia. Em 14 de outubro de 1967, durante a realização de um show, Terrell desabou nos braços de Marvin. Ela tinha se queixado, nas semanas que antecederam o concerto, de dores de cabeça , mas insistiu em fazer o show. No entanto, depois de ser levada às pressas para o hospital, os médicos descobriram que Terrell tinha um tumor maligno no cérebro. O diagnóstico terminou com sua carreira, embora ela ainda ocasionalmente gravava, muitas vezes com orientação e assistência. Terrell deixou as gravações da Motown em 1969 e lutou pela gravação de um terceiro e planejado álbum com Marvin Gaye. Ele inicialmente havia se recusado a gravá-lo, alegando que a Motown estava se aproveitando da doença de Terrell. Gaye só relutantemente concordou, pois havia entrado em depressão. Tammi Terrell morreu em 16 de março de 1970.
Mas o que fica, ao se ouvir esta bela parceria, não são as notas tristes da doença e da morte de Terrell. O mágico romantismo alcançado nas gravações da dupla é capaz de abafar qualquer sentimento ruim, se mantendo, mesmo nos dias de hoje, como um sentimento vivo e aflorado à pele.
NOTA: 9,3
Track List:
01. Ain’t No Mountain High Enough (Ashford/Simpson) [02:29]
02. You Got What It Takes (Gordy Jr./Gordy/Carlo) [02:56]
03. If I Could Build My World Around You (Fuqua/Bristol/Bullock) [02:23]
04. Somethin’ Stupid (Parks) [02:43]
05. Your Precious Love (Ashford/Simpson) [03:05]
06. Hold Me Oh My Darling (Fuqua) [02:48]
07. Two Can Have a Party (Bristol/Fuqua/Kemp) [02:15]
08. Little Ole Boy Little Ole Girl (Fuqua/James/Benton) [02:44]
09. If This World Were Mine (Gaye) [02:44]
10. Sad Wedding (Bristol/Beavers) [03:24]
11. Give a Little Love (Bristol/Fuqua/C. Wilson) [02:58]
12. Oh How I’d Miss You (Davis/F. Wilson/V. Wilson) [02:33]
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