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2004: The Libertines – The Libertines

The Libertines

Por: Renan Pereira

Em 2004, Pete Doherty se afundava no uso de drogas pesadas, e embora a utilização de alucinógenos seja algo até comum no mundo da música, é provável que poucas vezes os caminhos lisérgicos tenham surtido tanto efeito em um trabalho de um grupo quanto no segundo disco do The Libertines. Afinal de contas, o auto-intitulado álbum é inteiramente dominado pelas experiências doidonas de Doherty, percorrendo em vias nada óbvias os efeitos das mais diferentes substâncias.

Naturalmente inseguro, o registro escorrega-se em catorze faixas praticamente vomitadas ao ouvinte. São canções de significado discutível, abordando instrumentais tortuosos e vocais bêbados, mas surpreendentemente acessíveis. Esqueça o exoterismo de “The Piper at the Gates of Down”, os exageros do The 13th Floor Elevators ou até mesmo as atuais propostas inaudíveis do MGMT: a concepção lisérgica do The Libertines, apesar de tão drogada quanto as citadas, aproxima-se dos gostos populares através de melodias de fácil aceitação. Em suma, mesmo sob efeito de tantas substâncias tóxicas, a banda soube centrar-se em um registro deliciosamente pop, que não decepcionaria o público que havia aplaudido, dois anos antes, a sua estreia em estúdio.

De fato, “Up the Bracket” havia sido um sucesso. Produzido por Mick Jones (The Clash), a estreia da banda não demoraria a chamar a atenção do público inglês, que se encontrava ansioso por novidades. Concebido como uma resposta britânica às concepções dos Strokes, o disco, hoje citado por diversas fontes como um dos melhores álbuns da década passada, praticamente reiniciou a tão famosa revitalização do rock britânico, que pouco tempo mais tarde nos ofereceria nomes marcantes como Franz Ferdinand , Block Party e Arctic Monkeys. A banda estava chegando ao sucesso de forma especialmente rápida, mas ao mesmo tempo em que cresciam as incertezas sobre seu futuro.

Além da entrega às drogas, o conjunto enfrentava uma guerra declarada entre seus líderes, Carl Barât e o já citado Pete Doherty; o relacionamento entre os dois se mostrava tão conturbado que muitos viam como impossível o lançamento de um segundo disco. Mas pressionado a lançar aquilo que deveria ser uma resposta consistente ao sucesso do trabalho anterior, o grupo tratou de se esforçar (da sua própria maneira) para conceber um trabalho convincente. Enquanto Doherty decidiu estudar empiricamente os efeitos das mais pesadas substâncias, Barât resolveu manter-se alinhado, tomando os remos para si a fim de não deixar a barca afundar.

Como resultado, esses anti-heróis do indie rock acabaram nos oferecendo um registro icônico, ciente da excentricidade e da desorganização que dava o ritmo do cotidiano da banda. “The Libertines”, o disco, nem tenta esconder os problemas: além de instrumentalmente lisérgico, contém letras que tratam, constantemente, do relacionamento nada amistoso entre Barât e Doherty.

Por mais que se esperasse que tamanha insegurança trouxesse à tona um álbum inconsistente, o disco acabou apresentando, na realidade, uma qualidade surpreendente. Dinâmico ao extremo, o registro vai brincando durante toda sua duração com guitarras aventureiras e melodias cativantes, bordando texturas ao mesmo tempo agradáveis e atraentes. A primeira faixa já dá o ritmo, e através da ótima “Can’t Stand Me Now”, um single poderoso, o ouvinte vai se transferindo para a louca viagem proposta pelo disco.

Bebendo de influências punk, personificadas novamente na presença de Mick Jones como produtor, “Last Post on the Bugle” mostra que além dos acertos melódicos, a banda poderia surpreender quanto aos andamentos rítmicos. E, apesar de percorrer um caminho incerto, ladeado por cenários auto-modificantes, a sonoridade do disco mostra-se, de fato, especialmente rica: há espaço para tudo, e a terceira faixa, “Don’t Be Shy”, parece nos convencer de que, mesmo com uma musicalidade cheirando a vinho barato, o The Libertines poderia fabricar um registro consistente. “The Man Who Would Be King” avança a passos largos no psicodelismo, construindo-se sobre uma estrutura improvisada, como se estivesse flutuando por nuvens de fumaça de uma intensa seção de fumo.

De todos os acertos melódicos do álbum, o maior provavelmente está em “The Music When the Lights Go Out”, uma deliciosa canção semi-acústica que pinta mais uma alucinação química de Pete Doherty. Anárquica, “Narcissist” brinca com o country rock enquanto recorta e cola texturas, entortando seções rítmicas através de uma intensidade característica do indie rock inglês da década passada. Não há tempo para respirar ar puro, e com “The Ha Ha Wall” vamos nos entorpecendo por osmose.

A presença de Mick Jones parece ter encorajado a banda a alcançar o cenário musical britânico de 1977, e em “Arbeit Macht Frei” o The Libertines consegue soar tão anárquico quanto os Sex Pistols… Se em 2002 o conjunto havia inserido novidade e um novo ânimo ao rock inglês, em 2004 se sentiu mais a vontade para, a partir de influências diretas, construir com naturalidade a evolução de seu som. Dessa forma, a banda mostrou não ter se apoiado e nem confiado nos conceitos pré-estabelecidos, e acabou fazendo de seu segundo disco um registro honesto, acessível apesar de não ter se apoiado conceitualmente em comercialidades.

Incerta de forma intencional, “Campaign of Hate” continua a vagar, por caminhos nada óbvios, pela mente viajada de seu compositor; é perceptível que, apesar de construído por riffs incertos, tortuosos, o som do The Libertines foi poucas vezes igualado (ou superado) dentro do indie rock no quesito “guitarras”. As provas dessa ideia estão esparramadas por todo o disco, e como não poderia deixar de ser, na décima faixa: “What Katie Did” é mais um número atraente em que os riffs vão construindo texturas especialmente melódicas.

“Tomblands” é uma canção dinâmica, mas que, ao mesmo tempo, parece se desencontrar a todo instante: uma espécie de caricatura de algo que já é caricato. Mais uma vez flertando com a crueza do punk, a banda fabricou em “The Saga” uma canção certeira para os ouvidos mais sedentos por peso e velocidade. Já, “Road to Ruin”, soa como uma profetização do que estaria por vir: no final daquele mesmo ano de 2004, o grupo encerraria suas atividades devido aos problemas internos.

A última faixa, “What Became of the Likely Lads”, parece fundir-se à primeira, provando que o álbum, apesar de seus descaminhos, consegue manter um conceito, não se desviando de seus propósitos. De fato, o disco é surpreendentemente consistente, algo até mesmo improvável para uma banda repleta de problemas: Carl Barât e Pete Doherty até não poderiam ser capazes de continuar uma carreira juntos, mas mostravam que, unidos ou separados, tinham a faca e o queijo na mão. São músicos de talento irretocável, e isso basta.

Depois do fim do The Libertines, Carl Barât montou a banda Dirty Pretty Things, e Peter Doherty o Babyshamblers. Nunca mais tiveram um grande destaque, mas mesmo assim continuam a ser apontados como dois dos mais importantes nomes do indie rock. Prova de que, mesmo uma década depois de seu fim, o The Libertines continua a embalar os ouvidos de um grande grupo de ouvintes, influenciando diversos novos artistas.

NOTA: 8,5

Track List:

01. Can’t Stand Me Now (Doherty/Barât/Hammerton) [03:23]

02. Last Post on the Bugle (Doherty/Barât/Bower) [02:32]

03. Don’t Be Shy (Doherty/Barât) [03:03]

04. The Man Who Would Be King (Doherty/Barât) [03:59]

05. Music When the Lights Go Out (Doherty) [03:02]

06. Narcissist (Barât) [02:10]

07. The Ha Ha Wall (Doherty/Barât) [02:29]

08. Arbeit Macht Frei (Doherty) [01:13]

09. Campaign of Hate (Doherty) [02:10]

10. What Katie Did (Doherty) [03:49]

11. Tomblands (Barât/Doherty) [02:06]

12. The Saga (Doherty/Roundhill) [01:53]

13. Road to Ruin (Doherty/Barât) [04:21]

14. What Became of the Likely Lads (Doherty/Barât) [05:54]

2013: Silence Yourself – Savages

Silence Yourself

Por: Renan Pereira

Selvagens: não apenas a tradução literal do nome da banda, mas do que, de fato, ela é a formada. A primeira impressão, porém, é que o ouvinte acabará embarcando em mais um disco simplesmente melancólico, refletindo as dores e os descaminhos amarosos de jovens garotas. Mas, para início de conversa, o público que não se deixe enganar: as expressões sisudas e de quase contemplação das integrantes da banda na capa do disco não são nada mais que o ponto de partida para um registro raivoso e barulhento, apesar do título do álbum anunciar um suposto “silenciamento”.

Mas algumas coisas realmente são o que parecem. Veja as cores da capa do álbum (ou a falta delas) e já se tornará claro em que tipo de ambiente a sonoridade do registro se aloca. Pois bem, “Silence Yourself” parece realmente ter saído das mais profundas sombras de um cenário enevoado, em que as mágoas femininas se transformam em versos ásperos, vocais estridentes e ruídos agressivos. Portanto, esqueça-se do tal “sexo frágil”, e acompanhe o quanto as mulheres podem ser fortes e combativas – ou até mesmo selvagens.

O que Jehnny Beth e suas companheiras querem passar é, enfim, aquela ideia do “cansei de ser boazinha”. Relacionamentos vêm e vão, o tempo passa e as mágoas só se acumulam, e a decepção com o sexo masculino acaba chegando em um ponto em que a tolerância se desfaz, abrindo espaço para uma tristeza ríspida e o total desapego de qualquer docilidade. É como se as garotas quisessem se libertar, afirmar sua coragem e mostrar quão hostil o universo pode ser, em uma atitude que se desprende da vaidade e parte para o ataque, perfazendo um conjunto de faixas que parecem submeter o machismo a verdadeiros chutes nas partes baixas.

O primeiro desses “golpes baixos” é “Shut Up”, que surge em meio a ruídos e muita sujeira, enfatizando o lado obscuro que será explorado por todo o registro; com uma pesadíssima linha de baixo, a canção se apoia em um instrumental característico do pós-punk, revivendo características de bandas alternativas da década de oitenta para envolver os versos cheios de atitude de Jehnny Beth. Barulhenta, “I Am Here” contém uma grande quantidade de riffs raivosos, que se impregnam nos ouvidos quase de forma abrupta, forçada, trabalhando para injetar ainda mais agressividade à sonoridade da banda. Da mesma forma é “City’s Full”, dando fortes “porradas sonoras” em mais uma base instrumental pra lá de abrasiva.

Mas, por mais que a intensidade do instrumental perfeitamente atmosférico seja um grande ponto positivo do disco, delineando as ideias e esclarecendo o seu propósito, não há como tirar de Beth os grandes méritos “conceituais” do registro: as letras da vocalista são o que constroem a personalidade do grupo, transformando essas garotas aparentemente inofensivas em seres de selvageria inegável. Provas disso estão por todo o álbum; muito embora o conjunto de faixas mostre nos riffs sujos de Gemma Thompson e nas linhas de baixo de Ayse Hassan um padrão sonoro imensamente atrativo, está nos versos de Jehnny Beth a real força que faz de “Silence Yourself” um registro de destaque. A quarta faixa, a fortíssima “Strife”, é inclusive uma boa prova dessa ideia.

Segue a igualmente ruidosa “Waiting for a Sign”, mantendo o álbum em seu devido patamar: muito barulho e sujeira em uma musicalidade tradicionalmente pós-punk, enquanto Beth dispara suas raivas através de versos estrondosos. Mas a sexta faixa, “Dead Nature”, é número curioso, totalmente inesperado, em que os ruídos de guitarra constroem mais um número ambientado nas sombras, mas especialmente silencioso, carregado de mistério; é como se as garotas, perfazendo um instrumental pra lá de tenebroso, quisessem assustar os seus ouvintes. Mas, no fim das contas, o que temos é apenas uma introdução para a sétima e mais poderosa canção do registro; “She Will” é primorosa, passeando de Joy Division a PJ Harvey com uma qualidade assombrosa. Aliás, fazer sua música soar inédita mesmo se amarrando a ideias do passado é uma das grandes virtudes deste álbum.

Investindo na qualidade rítmica, com uma colossal de linha de baixo, “No Face” é mais um número formidável, afirmando quão consistente o álbum pode ser – conseguindo atrair do início ao fim. Porém, deve ser observado que, na reta final de “Silence Yourself”, as composições parecem deixar de soar como um grito liberativo, deixando-se envolver pelo caos enquanto começam a clamar por um desfecho sentimental… E aí mora, enfim, o significado do título do trabalho, que em um primeiro momento havia soado tão estranho: amparada pelo texto na capa do disco, a ideia que se prega é desconstruir, para que depois tudo seja colocado devidamente em seu lugar, e, no fim, resignar-se ao silêncio. É como em uma discussão, onde primeiramente os defeitos são reclamados, tenta-se chegar a uma solução, e depois o que resta é apenas lidar com o resultado final.

A pulsante “Hit Me” é uma concepção clara desse aspecto caótico, soando intensa e sofrida, almejando algo que parece ainda não estar ao alcance. A penúltima, “Husbands”, pode ser descrita como o perfeito entrosamento entre as integrantes, em que todas parecem dar o máximo de si, e em igual proporção, para criar um primoroso número post-punk; é, enfim, a música que melhor reúne a sonoridade característica da banda, com Fay Milton espancando a bateria, Ayse Hassan construindo extraordinárias bases de baixo, Gemma Thompson invadindo nossos ouvidos com uma raivosa construção de riffs e Jehnny Beth gritando seus versos rispidamente magoados. Já a última, “Marshal Dear”, é a melhor forma possível de finalizar um registro deste porte emocional, buscando e alcançando, através de sua atmosfera gótica, o desfecho conceitual do disco; com fantásticos arranjos, mesclando o barulho com o silêncio, é uma concepção final não apenas da musicalidade do álbum, mas também da filosofia pregada pela banda… No finalzinho, um solo de clarinete com o acompanhamento de um piano mostra a conclusão das abordagens sujas e, enfim, o silêncio.

“Silence Yourself”, e até mesmo este texto, poderiam muito bem ser mal interpretados por alguns… Feminista? Ah, longe, muito longe disso. É fato que Jehnny Beth e sua trupe atacam o sexo oposto, mas o que faria uma banda de homens, nesse caso, senão a mesma coisa? Distantes de qualquer aspecto que poderia tornar sua música fechada apenas ao público feminino mais desiludido, as Savages acabaram construindo algo muito maior que um simples capítulo da famigerada “guerra dos sexos”. A música das garotas é abrangente, atacando as dores e pregando sua filosofia de desconstrução de forma a atingir o mais variado grupo de ouvintes. Afinal de contas, Beth, Thompson, Hassan e Milton não são simples exemplares do sexo feminino: mais do que mulheres, elas são selvagens.

Mas se fosse apenas consistente em seu conceito, “Silence Yourself” não acabaria se tornando um álbum de destaque. Para servir de base para suas ideias, o registro acaba revivendo, de forma competente, os elementos do antigo post-punk, tão esquecido nos dias de hoje, a praticamente revisitar as glórias de grandes grupos como Wire e Joy Division – mas aplicando tais elementos, felizmente, no mundo atual.

Com isso, as Savages conseguem fazer de seu primeiro disco um trabalho extremamente convincente, em que os ruídos e os versos se completam, trazendo aos dias de hoje um pouco da agressividade há muito perdida pela maioria das bandas de rock. Curiosamente, pode-se concluir que coube a quatro mulheres fabricar um dos álbuns mais “machos” dos últimos tempos.

NOTA: 8,5

Track List:

01. Shut Up [04:48]

02. I Am Here [03:20]

03. City’s Full [03:27]

04. Strife [03:57]

05. Waiting for a Sign [05:25]

06. Dead Nature [02:06]

07. She Will [03:27]

08. No Face [03:35]

09. Hit Me [01:41]

10. Husbands [02:50]

11. Marshal Dear [04:03]

1985: O Concreto Já Rachou – Plebe Rude

O Concreto Já Rachou

Por: Renan Pereira

Não só a situação política contraditória e as desigualdades sociais deram origem ao crítico rock de Brasília. Deve-se também levar em consideração que, lá no início dos anos oitenta, a capital federal não era uma cidade muito atraente para os jovens; poucas oportunidades de lazer e o convívio constante com os ares da política fizeram nascer uma geração pouco festeira e otimista, mas extremamente preocupada com os rumos que o nosso país tomava. Pode-se dizer, desse modo, que o rock de Brasília está para os anos oitenta assim como o movimento punk da Inglaterra está para os anos setenta, tanto na identidade sonora simples e jovial, quanto na veia crítica que permeava as composições.

Não é muito difícil perceber, contudo, o porquê das abordagens políticas realizadas pelas bandas oitentistas. Em 1985, por exemplo, ano de lançamento de “O Concreto Já Rachou”, a política do nosso país era um cenário de completa incerteza. No executivo, José Sarney, um antigo aliado dos militares, comandava a política do país em sua redemocratização. O povo estava feliz pelo retorno da liberdade política, mas ao mesmo tempo enfrentava tempos economicamente difíceis, já começando a experimentar um panorama trágico de inflação alta. Poucos aspectos deste cenário eram realmente animadores, e quem vivia naquela época (principalmente nas classes de menor poder aquisitivo) deveria se apegar unicamente à esperança de experimentar dias mais justos em nosso país. Era necessário, em todas as áreas, um pensamento social mais crítico, e o rock de Brasília, e especialmente a banda Plebe Rude, fizeram a sua parte.

Falando em Plebe Rude, é o bom o ouvinte, primeiramente, se desapegar da provável ligação sonora da banda com o punk setentista. A amarração está apenas no conceito crítico, e talvez no visual “The Clash” dos integrantes. Por mais que, na época, o grupo se auto-rotulasse “punk”, a viagem sonora proposta pelos brasilienses não passa muito perto do cru e agressivo, se estabelecendo, na verdade, dentro do movimento new-wave que tomava conta do cenário internacional. A musicalidade, portanto, até tem certo nível comercial, mas nada que faça o tom crítico do álbum desbotar; muito pelo contrário, a Plebe Rude soube muito bem como se situar no panorama da época, aproveitando tudo o que estava sendo feito para construir uma identidade segura.

Como o disco retrata a época contraditória em que foi concebido, não é muito surpreendente ver a banda utilizar de luxo para falar sobre a falta de dinheiro. Pois bem, é com um violino triste que “Até Quando Esperar” se inicia, abrindo o álbum da melhor maneira possível; afinal de contas, esta é um canção formidável, instrumentalmente forte e criticamente impecável, simbolizando a diminuição da esperança à medida em que a desigualdade só se agravava… Só Deus poderia ajudar? A pobreza e a riqueza voltam a andar juntas (ou a se desencontrar, ao mesmo tempo) no sucinto solo de violino; como na sociedade brasileira, um breve esplendor em meio a tanta indigência.

A segunda faixa, “Proteção”, discute, em meio a uma instrumentação econômica, a funcionalidade do setor de segurança: será que a repressão havia realmente cessado? “Me proteger do quê?”, canta Phillipe Seabra, em tom de indignação… enfim, eis mais uma ótima canção de protesto. “Johnny Vai à Guerra” ataca as forças armadas, e aquela promessa de “vida de emoções e aventuras”, frase forte em apelo mas vazia em conceito; guerrear, seja lá contra quem, acabou se tornando algo divertido?

Embora o álbum seja um produto da já longínqua década de oitenta, não há como não traçar um paralelo a partir dele à atual condição da nossa sociedade. “Minha Renda”, por exemplo, parece ser o recado mais certeiro para aqueles artistas, bandas e gravadoras que utilizam a música para simplesmente lucrar, deixando a arte de lado; a canção elucida, com primor, a situação mutuamente aproveitadora em que artistas e contratantes acabam se metendo, em que utilizam melodias fáceis e propostas de qualidade propositalmente diminuída para alcançar um público maleável e despreocupado. A curiosidade, nesta faixa, fica por parte da brincadeira feita pela Plebe Rude com Herbert Viana, líder dos Paralamas do Sucesso e produtor de “O Concreto Já Rachou”.

O único momento em que o álbum realmente deixa sua qualidade decair está presente na quinta faixa, “Sexo e Karatê”; não pela proposta visivelmente mais divertida que, possivelmente, critica a produção cinematográfica da época, mas por conter a única letra não muito bem resolvida do disco. No fim, é o instrumental forte que acaba salvando a faixa, que se não está no mesmo nível das demais, também não rebaixa a música da Plebe Rude a níveis necessariamente baixos.

É a sexta faixa, “Seu Jogo”, que contém a qualidade lírica mais impressionante do disco; sua letra é construída por um conjunto formidável de versos elaborados, que controvertem (embora não muito claramente) a vida errante de um jovem recém chegado à idade adulta, comparando suas decisões à movimentação de peças em um tabuleiro. A sétima e última faixa do álbum (isso mesmo, você não leu errado, são apenas sete faixas) é a sensacional “Brasília”, que reflete os descaminhos da capital nacional e a rotina sem-graça dos membros da banda (e de todos os brasilienses) em sua terra natal… É engraçado pensar que, em um dia, a cidade planejada por Lúcio Costa, hoje marcada pela incompetência dos três poderes, “sede” da roubalheira e da injustiça, já foi chamada de “Capital da Esperança”.

Mas, espera aí, por que um disco com apenas sete faixas? A explicação é simples: naquela época, lançar mini LP’s para testar a capacidade comercial de novas bandas era uma prática comum por parte das gravadoras – em suma, caso o trabalho não fosse muito bem aceito pelo público, o prejuízo não seria muito grande. Caso a aposta da gravadora desse certo, e o público aceitasse de bom grado a sonoridade do novo grupo, aí sim ele teria o direito de gravar um disco maior. E foi isso que felizmente aconteceu com a Plebe Rude, que em 1987, lançaria “Nunca Fomos tão Brasileiros”, um álbum com onze faixas.

Mas como pode um disco com apenas sete faixas, com pouco mais de vinte minutos de duração, se portar entre os maiores clássicos do rock brasileiro? Simplesmente, porque ele é arrebatador, constituído por inteligentes letras, fortes instrumentais, belas melodias… Além disso, é muito bem politizado, criticando, no momento certo e do modo certo, o que deveria ser criticado – tendo sido criado, aliás, em uma época em que pensamentos mais críticos sobre o futuro da nossa pátria se mostravam altamente necessários. Enfim, é um álbum que, do início ao fim, a todo instante, soa intenso, memorável, marcando uma importante página do rock nacional.

NOTA: 8,8

Track List:

01. Até Quando Esperar (Seabra/André X/Gutje) [04:28]

02. Proteção (Seabra) [02:09]

03. Johnny Vai à Guerra (Outra Vez) (Seabra/André X/Gutje/Bilaphra) [03:30]

04. Minha Renda (Seabra/André X/Gutje/Bilaphra) [02:37]

05. Sexo e Karatê (André X/Bilaphra) [02:01]

06. Seu Jogo (Pretorius/Seabra/André X/Gutje/Bilaphra) [03:59]

07. Brasília (Seabra/André X/Gutje/Bilaphra) [02:48]

1984: Titãs – Titãs

Por: Renan Pereira

É inegável que os Titãs construíram, a partir de uma história de mais de trinta anos, uma das maiores e melhores bandas de rock que o Brasil já viu. Dinâmica, a sonoridade da banda esteve sempre em constante mutação, abrangendo diversas texturas sonoras nos mais diferentes instantes da sua carreira; ora mais cru, ora mais pop, e às vezes até soando cru e pop ao mesmo tempo. Alguns de seus trabalhos vieram, pela qualidade artística e crítica que os cercam, a se tornar verdadeiros clássicos da música, marcas inapagáveis da época em que foram inseridos, e instantes necessários para a formação política e sociológica de uma grande leva de jovens.

Só que a história da banda, apesar de rica, brilhante, sempre esteve envolvida em polêmicas. Uso de drogas, prisões, críticas ferrenhas a nichos “intocáveis” da sociedade, fugas do óbvio seguidas de aproximações, e demais confusões constantes, fizeram do grupo o mais intrigante de sua época.

E os Titãs já começaram sua história com ousadia, carregando o incomum título de Titãs do Iê-Iê e combinando estilos esquisitos, tanto no que diz respeito à música quanto à área comportamental; mesclavam as mais diversas vertentes sonoras que, naquele tempo, começavam a ter destaque no cenário internacional, mas que ainda não tinham grande apelação em terras tupiniquins, e se apresentavam com um visual extravagante, que incluía maquiagem, penteados engraçados e ternos coloridos com gravatas de bolinhas.

No início, o grupo era praticamente um “batalhão”, uma rara banda de nove integrantes, que se uniu através da dissolução de outros projetos. Da banda Performática vieram Arnaldo Antunes e Paulo Miklos, enquanto Nando Reis era percussionista do Sossega Leão, e Branco Mello, Marcelo Fromer e Tony Bellotto formavam o Trio Mamão e as Mamonetes. Sérgio Britto e Marcelo Fromer até chegaram a se apresentar no Chacrinha, sendo “gongados” enquanto cantavam a música “Eu Também Quero Beijar”, de Pepeu Gomes.

Em 1984, pouco antes de assinarem com a gravadora WEA, os Titãs experimentaram pela primeira vez uma alteração em seu line-up. Por motivos estéticos, Ciro Pessoa decidiu sair do grupo, deixando então a banda com os oito membros que compõe a foto da capa do primeiro disco: Arnaldo Antunes, Branco Mello, Marcelo Fromer, Nando Reis, Paulo Miklos, Sérgio Britto, André Jung e Tony Bellotto. Este primeiro álbum, lançado naquele mesmo ano, no mês de agosto, procurou apresentar toda a peculiaridade do conjunto (agora denominado apenas “Titãs”, para evitar associações com a jovem guarda), tentando extrair o máximo de sua personalidade para a criação de um registro único, inovador para o rock nacional.

Só que a produção errou, e a culpa maior talvez nem esteja nos próprios produtores. A WEA, animada com a oportunidade de gravar o primeiro disco de uma banda promissora, deu a oportunidade aos Titãs de fazer uso da mais avançada tecnologia de gravação existente no Brasil, que consistia em um áudio com 24 canais. O grupo era iniciante, sem experiência, ninguém no país ainda sabia muito bem como fazer o melhor uso da tecnologia disponível… Enfim, tudo era novidade, e o resultado disso foi um som bastante fraco em relação às apresentações ao-vivo da banda.

Mas, mesmo assim, o disco passa longe de soar ruim. Temos nele uma sucessão de faixas interessantes, algumas que viriam a se encontrar entre as mais famosas da banda, como “Sonífera Ilha”, “Marvin”, “Go Back” e “Querem Meu Sangue”. E é com a tropical “Sonífera Ilha”, cantada por Paulo Miklos, que o álbum começa, o maior sucesso da banda em seus primeiros anos e, segundo algumas fontes, a música mais tocada nas rádios de todo o país em 1984; a canção, construída sob um terreno litorâneo, aparentemente relaxante, é na verdade um misto entre os sentimentos reais de tensão e imaginários de paz do personagem, que, ao “colar seu ouvindo no radinho de pilha”, viaja para uma nova dimensão, idealizada. Nando Reis foi quem fez “Marvin”, versão para “Patches”, de Dunbar e Johnson, interpretada originalmente pela banda de soul music Chairmen of the Board, em 1970; a música, que tem uma letra belíssima, crítica, é uma primeira e pequena evidenciação do talento lírico de Nando Reis, apesar dele apenas ter lapidado algo que já estava criado.

“Babi Índio” é muito interessante, até mesmo por demonstrar um espírito mais “selvagem”, que a banda exploraria de forma bem mais intensa em 1986, no disco “Cabeça Dinossauro”; se trata, afinal, de uma música mais crua, com uma instrumentação mais puxada para o punk, se caracterizando um dos números mais pesados do primeiro álbum. A sonoridade do disco reflete, aliás, muito a época em que foi gravado, quando o ska e o new wave eram ritmos em constante crescimento ao redor do mundo; há alguns toques mais diretos, de um punk rock mais tradicional, é verdade, e até alguns flertes com a música negra norte-americana, mas basicamente o que se ouve é o seguimento das tendências mundiais da época (se bem que, no Brasil, estas texturas tinham uma imagem muito maior de novidade).

A quarta, “Go Back”, é mais um dos clássicos da banda, mas que, assim como “Marvin”, teve maior êxito em regravações futuras, devido à errônea produção dos instrumentais ocorrida no debut; composta por Sérgio Britto, é uma canção positiva, na qual o tecladista teve inspirações diretas de um poema de Torquato Neto. “Pule” é dançante, contagiante, onde novamente certos sentimentos “tropicais” dão o ar de sua graça; com uma letra bem característica dos primeiros anos da banda, refletindo toda a peculiaridade do conjunto, tem um contraponto novamente no instrumental, uma aposta fácil que muito lembra a sonoridade de Tim Maia.

A ótima “Querem Meu Sangue”, cantada por Nando Reis, uma das mais competentes faixas do disco, é versão de “The Harder They Come”, de Jimmy Cliff, e também viu alcançar maiores êxitos em versões ao-vivo e em lançamentos posteriores. “Mulher Robot” parece refletir melhor o que os Titãs eram na época, saindo, para a sorte dos ouvintes, inabalada pelos erros de produção; se trata de uma faixa de forte personalidade, com uma instrumentação mais pesada, com riffs obscuros, sujos, e uma letra curta e direta. A oitava é a bonita balada “Demais”, que contém, em seu início, a mesma introdução de cítara de “Love You To”, música de George Harrison presente no álbum “Revolver”, dos Beatles. “Toda Cor”, por ter sido lançada no mesmo compacto de “Sonífera Ilha” (disco este que, na época, acabou vendendo mais que o próprio LP em que as músicas estão inseridas), teve também uma boa execução nas rádios, ajudando os Titãs a crescerem em popularidade, se concretizando como um dos grupos mais promissores do rock nacional; se trata de uma música interessante, com uma letra competente e uma instrumentação bem puxada para o punk rock.

“Balada Para John e Yoko” é a versão em português da música em inglês de John Lennon, com uma letra praticamente idêntica, a não ser por alguns toques titânicos “nonsense”. A última faixa é “Seu Interesse”, que não é uma música com muita fama, mas é um dos melhores números do disco, refletindo de forma impecável aquela situação vivida pelas pessoas quando atingem a fama, quando são geralmente rodeadas por interesseiros.

No fim, o que o disco prometia não acabou sendo cumprido. Afinal, os Titãs do primeiro álbum pouco se pareciam com os Titãs dos shows. A força instrumental, um dos pilares da banda, acabou por ser totalmente perdida pela produção, que não conseguiu inserir no disco toda a forte personalidade da banda. Um erro grave, sem dúvida, pois o álbum poderia ser um clássico, ser realmente o registro inovador que a gravadora esperava, e até tentou captar o espírito da banda, mas infelizmente não conseguiu. Mostrar o que realmente um projeto musical é, provavelmente seja o principal ponto de um debut – e quando isso não é alcançado, temos trabalhos com méritos apenas relativos. E assim é, realmente, o primeiro disco dos Titãs.

Liricamente forte, mas instrumentalmente fraco, o álbum não é de se jogar fora, mas claramente deixou a desejar. Os Titãs, desde o seu início, formaram uma grande banda, uma das mais interessantes do Brasil, mas que não apareceu em seu primeiro registro de estúdio. Felizmente, ficaram algumas grandes canções, que entraram para história, e que, em algum momento posterior, com seu real espírito, conseguiram mostrar sua verdadeira e alta qualidade.

NOTA: 6,4

Track List:

01. Sonífera Ilha (Mello/Barmack/Pessoa/Fromer/Bellotto) [02:54]

02. Marvin (Johnson/Dunbar/Reis) [04:11]

03. Babi Índio (Mello/Pessoa) [03:38]

04. Go Back (Britto/Torquato Neto) [03:40]

05. Pule (Antunes/Miklos) [02:20]

06. Querem Meu Sangue (Jimmy Cliff) [03:08]

07. Mulher Robot (Bellotto) [02:22]

08. Demais (Antunes) [02:48]

09. Toda Cor (Barmack/Pessoa/Fromer) [03:21]

10. Balada Para John e Yoko (Lennon/McCartney) [02:40]

11. Seu Interesse (Antunes/Miklos) [03:10]

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2012: ¡Uno! – Green Day

Por: Renan Pereira

Após duas óperas-punk, os ótimos “American Idiot” e “21th Century Breakdown”, o Green Day decidiu retornar às suas origens. Não espere mais o ouvinte o mesmo cunho crítico dos dois últimos lançamentos da banda, ou aquelas baladas tristonhas ao estilo de “Boulevard of Broken Dreams” ou “21 Guns”, pois “¡Uno!”, tido como o primeiro álbum de uma trilogia, soa como uma viagem ao tempo; pense em tudo o que o Green Day fez na década de noventa, de bom ou de ruim, mescle com as tendências atuais, e você já estará sabendo do que o novo álbum se trata.

“¡Uno!” é de um pop-punk bem tradicional, nada muito diferente do que um dia a banda já fez; ele soa bastante como os trabalhos que ficam, cronologicamente, entre os fenômenos “Dookie” e “American Idiot”, em uma época em que os californianos ficaram relativamente no ostracismo – vale lembrar que, depois de estourar com “Dookie” e seus hits, o Green Day só viria a ter novamente um relevante sucesso com a sua primeira ópera-punk, lançada em 2004. Mas isso não chega a fazer de “¡Uno!” um álbum repetitivo, com uma musicalidade batida, pois hoje experiente, e tida como uma das melhores bandas do mundo, Billie Joe Armstrong, Mike Dirnt e Tre Cool não só sabem como agradar o público atual, mas também acariciam os fãs das antigas através de suas novas composições.

Mas um fato relevante, que não deixa de passar desapercebido, é que apesar desse retorno a uma sonoridade mais direita, mais despreocupada, nunca o Green Day havia soado tão pop – “¡Uno!”, definitivamente, não é um “Dookie” do século XXI. Se em 1994 os mais puristas já acusavam o Green Day de se vender, de “trair o movimento punk”, com certeza, agora em 2012, o acusarão de estar se entregando ao pop. Talvez não seja para tanto, até porque nunca se deve levar muito em consideração a mente extremamente fechada dos puristas… Mas que há algumas canções com letras comerciais e melodias chicletes, não há como negar.

A primeira faixa, “Nuclear Family”, já é um recado definitivo aos ouvintes; eis aqui o Green Day de antigamente, com o som cru de outrora, tratando com a mesma instrumentação forte as competentes melodias de sempre, sendo, afinal, uma ótima canção de abertura, dando claros indícios de como “¡Uno!” se comportará. De bons riffs é feita “Stay the Night”, mais um pop-punk tradicional, com espírito noventista, porém sem ignorar o ano de seu lançamento: soa como uma espécie de power pop, com um refrão pra lá de medíocre, mas que felizmente, devido ao ótimo dinamismo instrumental da canção, não chega a ser um estrago. Realmente, se não podemos afirmar que o Green Day está em seu momento mais brilhante da carreira, pelo menos podemos ter a certeza que, instrumentalmente, eles estão caprichando como nunca; provas disso estão em “Carpe Diem”, a terceira e uma das melhores faixas do álbum.

“Let Yourself Go” é pesada, rápida e direta, Green Day em seu estado máximo, um perfeito encontro entre a sonoridade do “Dookie” e a bagagem adquirida pela banda através dos anos. Já, a quinta faixa, “Kill the DJ”, é uma das criações mais estranhas do Green Day em toda sua história, mas no bom sentido; se trata de um dance-punk, com um primoroso trabalho de baixo, que constrói uma canção para tocar em rádios e danceterias, e que não deixa, apesar disso, de ser um dos maiores êxitos do disco – é, afinal, o Green Day fazendo com primor algo totalmente diferente de tudo o que já fez, sem medo de experimentar novos sons. Já, “Fell for You”, é uma canção mais fraca, forçadamente pop, artificialmente comercial.

 A sétima, “Loss of Control”, é um novo abraço ao punk de antigamente, só que não muito relevante, se tratando de uma música pouco dinâmica. Aliás, se há alguma relevância em “Troublemaker”, ela só pode ser negativa; é, assim como “Kill the DJ”, uma canção dançante, mas errando tudo o que há de acertos na oitava faixa, sendo assim, de longe, a pior música do álbum. Enquanto isso, “Angel Blue” é uma canção forte, um rock de atitude, mostrando inclusive o quanto o Foo Fighters é uma importante inspiração na atualidade. Só que na canção seguinte, a fraca baladinha “Sweet 16”, o álbum volta a decair.

É assim, de erros e acertos, que “¡Uno!” é construído. Sem dúvida, um lançamento mais fraco em relação aos dois últimos registros da banda, mas que nem por isso deixa de ter méritos. É louvável a atitude do Green Day em procurar dinamizar sua discografia, procurando não cair na mesmice, fugindo das fórmulas que construíram “American Idiot” e “21th Century Breakdown”, e tentando sempre soar jovem. Passam-se os anos, as décadas, mas ainda não podemos ter o Green Day como uma banda velha, significando, assim, o acerto constante do grupo em fazer um som vívido. Assim é “Rusty James”: jovial, atraente, e apesar de ser uma canção mais calma, não deixa de apresentar a força e a atitude tradicionais do som do Green Day.

Só que, para atestar de uma vez a inconstância do álbum, temos a medíocre “Oh Love” como encerramento; é uma música melódica, mas que por ser extremamente simples, acaba se tornando altamente enjoativa. Mas, para nossa felicidade, tal mediocridade não é uma constante do álbum, que mesclando antigos ideais com fórmulas atuais, acaba por ser um registro válido na boa discografia do Green Day. “¡Uno!” pode não ser uma grande obra, um trabalho primoroso, e sequer é um álbum consistente, mas continua a provar que o Green Day não deseja cair no marasmo.

“¡Dos!” e “¡Tré!” serão lançados nos próximos meses, concluindo assim um dos mais ousados projetos da atualidade. Afinal, qual banda hoje em dia lança trilogias? Até por isso, estes álbuns podem vir, assim como o primeiro ato da série, a não mostrar o Green Day em sua fase mais gloriosa, e mesmo assim formarão um trabalho digno de elogios. Mas, se o Green Day decidir surpreender os ouvintes, lançando trabalhos diferentes, de qualidade mais constante, acredita-se que ninguém se entristecerá. É esperar para ver.

NOTA: 6,7

Track List: (todas as letras creditadas a Billie Joe Armstrong, e instrumentais creditados a Armstrong/Dirnt/Cool)

01. Nuclear Family [03:03]

02. Stay the Night [04:36]

03. Carpe Diem [03:25]

04. Let Yourself Go [02:25]

05. Kill the DJ [03:41]

06. Fell for You [03:08]

07. Loss of Control [03:07]

08. Troublemaker [02:45]

09. Angel Blue [02:46]

10. Sweet 16 [03:03]

11. Rusty James [04:09]

12. Oh Love [05:03]

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1994: Dookie – Green Day

Por: Renan Pereira

Muitos dizem que o Green Day deixou o punk mais pop, mas é inegável que os caras deram um novo fôlego ao gênero. A banda, que teve seus primeiros suspiros lá no final da década de oitenta, iniciou-se sem grande pretensões, sendo apenas uma banda de punk rock formada por três amigos, sem dinheiro e sem grandes expectativas. Naquela época, o punk já havia caído em decadência, e as bandas que continuavam a fazer um som parecido àquele que se tornou fenômeno na década anterior produziam uma música que, cronologicamente deslocada, era apenas uma sombra do punk feito antigamente. Assim, juntando-se os fatores, temos uma banda que tinha tudo pra dar errado – mas que, talvez até por isso, tenha dado certo.

O que fez o Green Day se tornar uma banda relevante, não apenas no então decadente cenário punk, mas em toda música em geral, foi justamente trazer uma concepção diferente ao antigo gênero. Realmente, de nada adiantava continuar a fazer o mesmo som que marcou o final da década de setenta, pois, por mais que tivesse entrado para a história, não chamava mais a atenção do público dez anos após seu pico de sucesso. Houve gente dizendo que a banda estava se vendendo, que não estava mais respeitando suas origens, mas devemos ter sempre em mente que a música é uma arte viva, mutável, e que a evolução é sempre bem-vinda, principalmente quando é feita para uma melhor adequação a uma época.

E foi com esse punk punk rock renovado, o punk dos anos noventa, que o Green Day entrou para o mainstream. O segundo álbum da banda, o competente “Kerplunk”, de 1992, já havia feito um moderado sucesso, apresentando muito bem a sonoridade vívida do grupo californiano; mas foi com o eletrizante “Dookie” que a banda realmente se consagrou, com suas faixas poderosas e sua atitude inegável.

A primeira faixa, a ótima “Burnout”, já vai apresentando ao ouvinte o que ele ouvirá no álbum; um punk rock fortíssimo, explosivo, direto e eletrizante, simples e melodicamente competente, com performances instrumentais impecáveis. A segunda, “Having a Blast”, explora os mesmos elementos da faixa anterior, e apesar de ser ideologicamente parecida (assim como todas as faixas do álbum), tem méritos em não soar repetitiva. Aliás, uma das grandes qualidades do “Dookie” é, realmente, ter uma grande interligação entre as faixas, mas, ao mesmo tempo, soar dinâmico. “Chump” é mais um punk rock eletrizante, direto, igualmente ótimo às faixas anteriores.

“Dookie” pode ser um álbum construído por uma sonoridade simples, com temas pouco variados (basicamente, experiências próprias dos membros da banda, falando sobre sexo, drogas, mulheres e ataques de ansiedade), mas mesmo assim é musicalmente rico. Por quê? É, sobretudo, naturalmente vívido, sincero, mostrando uma banda que, consciente de suas limitações técnicas, trabalhou de forma exemplar suas maiores qualidades para construir um disco de altíssima consistência; todas as faixas são competentes, positivamente poderosas, detentoras de um punk melódico que foi capaz de conquistar público e crítica.

A clássica e politicamente incorreta “Longview”, cujo instrumental foi construído sob influências de LSD, é especialmente pesada, irônica, servindo como um grito para uma geração cansada das convenções e das melancolias daquele início de década. “Dookie” contém muitas das canções mais conhecidas da banda, e “Welcome to Paradise” é uma delas; apesar de ser uma regravação de uma faixa do “Kerplunk”, apenas com algumas alterações no instrumental, a versão do “Dookie” acabou se tornando um dos hinos da banda, com destaque principal para o dinamismo instrumental. “Pulling Teeth” talvez só esteja no álbum para torná-lo imperfeito em algum ponto, apesar de não ser uma música ruim; o problema é que, rodeada por músicas poderosas, acaba não tendo um grande destaque, se caracterizando como uma faixa apenas razoável dentro de um fortíssimo álbum.

Poucos singles já se mostraram tão poderosos quanto a sétima faixa do álbum, a famigerada “Basket Case”; é uma música ótima, considerada por alguns, até mesmo, como uma das melhores de todos os tempos no punk rock, mas talvez o massivo sucesso tenha a desqualificado para muitos olhos – foi, durante muito tempo, queridinha de emissoras de rádio e televisão, principalmente quando se fala de MTV. A oitava, “She”, também foi um single de sucesso, caracterizando-se como “apenas” mais uma; ou seja, mais uma eletrizante, espirituosa e vívida faixa do impressionante “Dookie”. “Sassafras Roots” é mais um punk impecável, e que, curiosamente, fala da mesma mulher da faixa anterior (uma ex-namorada de Billie Joe Armstrong). A décima é a altamente radiofônica “When I Come Around”, construída com criativos e dançantes riffs, alocados em uma estrutura bastante segura e competente.

O álbum passa muito rápido, praticamente voando, até por ser formado, realmente, por faixas de curta duração; mas as três próximas músicas são ainda as mais curtas do disco. “Coming Clean” tem, assim como todas as músicas do álbum, um espírito todo jovial, falando sobre dilemas adolescentes; o instrumental também não foge muito das demais, apresentando aquela união da força do punk com o acréscimo de melodias impregnantes. A penúltima é “Emenius Sleepus”, única canção do álbum com letra composta pelo baixista Mike Dirnt, sendo, assim como “In the End”, mais um punk convincente, fazendo o disco continuar o seu consistente caminho.

“F.O.D.” (sigla que quer significar “Fuck Off and Die”) inicia-se calma, acústica e melódica; mas o título acaba não sendo uma enganação, pois o instrumental cresce de forma inesperada e violenta, e vários “elogios” a uma terceira pessoa podem ser ouvidos – eis o espírito punk, por mais que seja o punk noventista do Green Day. Ainda há, depois de alguns instantes de silêncio, a faixa escondida “All by Myself”, escrita pelo baterista Tré Cool; pouco relevante, se destaca por ter uma saudável e bem-humorada paródia de artistas folk.

Irreverente, pesado, melódico e arrebatador, “Dookie” se tornou marca de uma época, tendo uma grande importância histórica por ter renovado o punk rock. A partir de seu sucesso, o mundo viu surgir uma nova geração de bandas punk, levando as marcas e os ideais do Green Day em sua música. Mas, se fosse apenas historicamente relevante, o álbum não seria uma audição tão excitante; mesmo hoje em dia, quase vinte anos após seu lançamento, “Dookie” é um álbum atraente, resplandecente… Tanto que, mesmo atualmente, é difícil olhar para Billie Joe Armstrong sem ver um jovem de, no máximo, uns vinte anos; talvez ele tenha, realmente, encontrado a fonte da juventude: cantar sobre drogas e masturbação em uma banda de punk rock.

Do início da primeira faixa aos acordes finais, o álbum apresenta um grande conjunto, extremamente consistente, composto por músicas de força e atitude. É verdade que o som do Green Day passa longe da genialidade, mas provavelmente este nem seja o ideal sonoro da banda, ainda mais naqueles tempos, muito anteriores ao “American Idiot”. O que a banda procurou fazer foi um som sincero, explosivo e animador, capaz de dar um novo rumo não apenas a sua carreira, mas também a várias outras bandas que voltaram a ter no punk rock um forte alicerce. “Dookie” é, enfim, um trabalho simples e arrebatador, que conquistou o mundo, elevou o Green Day ao mainstream e marcou uma época.

NOTA: 9,0

Track List: (todas as letras creditadas a Billie Joe Armstrong, exceto onde indicado, e instrumentais creditados a Green Day)

01. Burnout [02:07]

02. Having a Blast [02:44]

03. Chump [02:45]

04. Longview [03:59]

05. Welcome to Paradise [03:44]

06. Pulling Teeth [02:31]

07. Basket Case [03:01]

08. She [02:14]

09. Sassafras Roots [02:47]

10. When I Come Around [02:48]

11. Coming Clean [01:34]

12. Emenius Sleepus (Mike Dirnt) [01:43]

13. In the End [01:46]

14. F.O.D. | All by Myself (Tré Cool) [05:46]

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2012: Days Go By – The Offspring

Por: Renan Pereira

A primeira parte do “Days Go By”, nono álbum de estúdio da banda americana The Offspring, é realmente animadora. Mostra uma banda que, em seu processo de envelhecimento, consegue se reinventar e mesclar seu som às necessidades atuais, sem deixar de lado seus ideais sonoros tradicionais e sem soar puramente comercial. “The Future Is Now” é uma grande primeira faixa, com ótimos riffs, que passeiam durante toda a duração da canção entre o agressivo e o melódico; se trata de um pop punk fortíssimo, que absorve com competência muitas das boas coisas plantadas nas duas últimas décadas, e se faz soar moderno. A segunda, “Secrets from the Underground”, felizmente se mostra tão boa quanto a primeira, se caracterizando por ser um rock dinâmico, ora nervoso, ora cadenciado, que bebendo em referências contemporâneas, parece deixar bem clara a intenção da banda de se renovar. Isso é louvável, ainda mais para o The Offspring, que vinha se arrastando em trabalhos pouco animadores nos últimos tempos, e precisava de algo novo para tentar voltar aos trilhos.

Se inspirar em alguém pode ser perigoso, mas quando a inspiração vem de um dos trabalhos mais aclamados dos últimos anos, o risco torna-se muito pequeno; embriagando-se de Foo Fighters e de “Wasting Light”, a faixa-título é, indubitavelmente, um grande ponto positivo, uma canção dinâmica que traz tudo o que o rock contemporâneo pede, em um show instrumental, onde, especialmente as guitarras, mostram-se absurdamente competentes. O comecinho de “Turning Into You” pode até assustar por ser eletrônico, mas a canção acaba por se tornar, felizmente, mais um pop punk competente, dessa vez com um espírito mais old school, lembrando mais os trabalhos antigos do The Offspring. A quinta, “Hurting as One”, faz o álbum continuar sua caminhada em segurança, trazendo juntamente com a agressividade tradicional do som da banda, elementos de um rock mais atual, tornando a sonoridade agradável e vívida, e, acima de tudo, trazendo-nos novidades.

Até aqui, temos um álbum que se comporta de forma exemplar, mas infelizmente há uma continuação. Apesar das cinco primeiras faixas demonstrarem que o The Offspring ainda tem muita lenha para queimar, com competência e talento para se reinventar sem atropelar a história da banda, a partir da sexta faixa temos a tentativa de se destruir tudo de bom que havia sido construído, em um arrastado e desanimador show de horrores. A abominável “Cruising California (Bumpin’ in My Thunk)” é, provavelmente, a pior coisa já feita pelo The Offspring durante toda a sua carreira; apesar de aparentemente querer zoar com o pop atual, não faz nada mais que mostrar uma banda de rock querendo ser Katy Perry por um dia, em uma desesperada tentativa de soar comercial – se não fosse assim, a faixa provavelmente não teria sido incluída como single, não é?

“All I Have Left Is You” é outra coisa estranha, enjoativa, sem sentido, e se na faixa anterior a banda tentou ser uma pop star bonitinha, nesta faixa o The Offspring, como nunca, tenta ser Coldplay. “OC Guns” pode até ter alguma coisinha dos áureos tempos da banda, mas não escapa de ser mais uma faixa fraquíssima desta decepcionante segunda parte do álbum; tentando ser engraçada, tem alguma coisa de rap, reggae, e até mariachis mexicanos, mas não passa do medíocre, soando forçada e sem brilho. Enquanto isso, “Dirty Magic” até tenta retornar à boa qualidade da primeira parte do álbum, mas apesar de se mostrar bem superior às faixas “vizinhas”, não chega a animar, sendo excessivamente repetitiva, arrastando-se pelo tempo.

Tamanha queda de qualidade no álbum nos faz pensar um pouco sobre o momento atual do The Offspring. Sem dúvida, é uma banda já consagrada no cenário pop punk mundial, com muitos discos lançados, muitos discos vendidos, e quase trinta anos de carreira. Mas, o que a banda deveria fazer nesse momento, onde é muito mais um grupo experiente do que uma novidade, com seu auge sendo, visivelmente, coisa que ficou para trás? Deveria, pois, utilizar toda sua experiência para agradar o seu círculo de fãs, sem soar repetitiva e sem ignorar o seu passado. Mas, quanto vale a vivência para uma banda que, para início de conversa, nem sabe o que fazer? Primeiramente, o The Offspring deve encontrar um rumo, uma ideia a ser seguida, para que trabalhos desencontrados como “Days Go By” não voltem a ser lançados. Não que o disco deva ser totalmente criticado, pois tem uma primeira parte realmente competente… Mas o The Offspring não precisa ser, com trinta anos de bagagem, uma banda capaz de fazer apenas um meio-álbum. Sem dúvida, ela tem condições de fazer muito mais.

A décima, “I Wanna Secret Family (With You)”, é mais uma canção arrastada e de qualidade duvidosa, ficando muito atrás das melhores canções do disco, soando excessivamente enjoativa e comercial. Já, felizmente, “Dividing by Zero” é uma das melhores músicas do álbum, e nos mostra que, nem sempre quando temos o zero como denominador, não temos nada como resposta; a faixa anima, por ser um punk mais puro, direto e consistente, totalmente diferente de algumas canções forçadas deste disco.

“Slim Pickens Does the Right Thing And Rides The Bomb To Hell” é, assim como seu título, grande, mas em qualidade, e não em duração; afinal, é uma ótima faixa de encerramento, dando bons números finais a um álbum que, na verdade, nem é tão grande assim. “Days Go By” tinha tudo para ser um dos melhores discos do ano, se não fosse por algumas mancadas… E é até difícil acreditar que uma banda com tanta capacidade, tenha tratado seus fãs mais antigos com tanto descaso ao se entregar vergonhosamente, em algumas faixas, a coisas puramente comerciais.

Mas, apesar dos pesares, ainda temos algumas ótimas músicas, provando que o The Offspring continua a ter talento. Mas, infelizmente, “Days Go By” não é o grande álbum que poderia ser, não tendo uma boa consistência e cometendo alguns erros absurdos. Mas, mesmo errando, o The Offspring ainda promete boas coisas, e mesmo não estando em seu melhor momento na carreira, é uma banda que ainda vale a pena ser ouvida.

NOTA: 5,8

Track List: (todas as faixas creditadas a The Offspring)

01. The Future Is Now [04:08]

02. Secrets from the Underground [03:10]

03. Days Go By [04:02]

04. Turning Into You [03:42]

05. Hurting as One [02:50]

06. Cruising California (Bumpin’ in My Thunk) [03:51]

07. All I Have Left Is You [05:19]

08. OC Guns [04:08]

09. Dirty Magic [04:00]

10. I Wanna Secret Family (With You) [03:02]

11. Dividing by Zero [02:22]

12. Slim Pickens Does the Right Thing and Rides the Bomb to Hell [02:36]

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